Carreira

A carreira na UTI

Qual o impacto de uma doença inesperada ou de um acidente sobre a sua carreira? Veja como três profissionais experientes enfrentaram esse momento

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 11 de novembro de 2008 às 16h52.

O headhunter Alfredo Assumpção sempre foi um profissional bastante ativo. Especializado em recrutar executivos para o efervescente mercado financeiro, ele não conseguia sequer imaginar a possibilidade de ficar muito tempo longe do trabalho.

Mas bastou uma cirurgia para a retirada de uma saliência no calcanhar (esporão calcâneo), em setembro de 2000, para seu mundo desabar. Num primeiro momento, seu organismo rejeitou os pontos internos. O corte não cicatrizou. Semanas mais tarde, ele foi internado para nova cirurgia e recebeu alta carregando consigo, sem saber, uma gravíssima infecção hospitalar. "Meu pé começou a se esfacelar diante dos meus olhos", conta. "Dava até para enxergar o osso e o tendão."

Assumpção correu sério risco de ter o pé amputado. Desesperado, procurou ajuda de outros médicos. Nesse meio tempo, engordou 8 quilos, perdeu bons negócios e teve dor, muita dor. Depois de doses maciças de antibióticos e antiinflamatórios, além de banhos para higienização local quatro vezes ao dia, o quadro começou a reverter. Foram quase quatro meses sem ir ao escritório. "Você nunca está preparado para enfrentar esse tipo de problema", diz ele.

É a mais absoluta verdade. Profissionais experientes costumam estar prontos, por exemplo, para encarar situações como fusões, incorporações e aquisições de empresas. Sabem também que a possibilidade de demissão, e a conseqüente mudança de rumo na carreira, nunca deve ser descartada.

Problemas mais graves de saúde, contudo, não fazem parte dessa lista. Surgem sorrateiramente, impondo à pessoa uma carga de sofrimentos que podem ir de dores intensas a cirurgias de grande porte, longos períodos de internação ou de convalescença etc. Pior: podem levar o indivíduo a um quadro de depressão. "A perda temporária do papel profissional tem grande impacto na nossa vida", diz o psiquiatra Paulo Gaudêncio, que presta consultoria a inúmeras empresas. "No trabalho você promove trocas afetivas e desempenha seu papel profissional. Quando você adoece e tem de se afastar, perde o espaço para viver todas essas emoções. E aí sofre um estresse grande." Gaudêncio, curiosamente, sentiu esse drama na própria pele. Há seis anos fez três cateterismos para desobstruir as artérias do coração. Ficou 40 dias distante do trabalho, mas aproveitou o tempo para avançar na pesquisa do seu livro Mudar e Vencer (Editora Gente). "Fiz o roteiro e escrevi o primeiro capítulo na UTI."

Zona de conforto

É natural as pessoas esperarem certa benevolência da empresa nessas horas. A Redecard, que ocupa o oitavo lugar no ranking do Guia Exame - As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar, edição 2001, costuma ser exemplar. Além de complementar o salário dos funcionários afastados por doença por um período de até seis meses, ela permite que essas pessoas integrem normalmente o programa de participação nos resultados, sem promover abatimentos pelo tempo não trabalhado. "É justo que os funcionários produzam por aqueles que estejam afastados", afirma Irélio Frigo, vice-presidente de recursos humanos e qualidade da empresa. "As pessoas afastadas por problemas de saúde têm estabilidade garantida. É preciso dar a elas a certeza do emprego quando voltarem."

A maior parte das empresas adota uma postura mais distante. É justamente quando as pessoas afastadas descobrem que a organização não demorou mais que algumas horas para colocar alguém em seu lugar. "A partir daí você tem duas alternativas: adotar o modelo passivo, que é o de se sentar na sarjeta e chorar, ou encarar a limitação do momento e avaliar com honestidade o que é possível fazer", afirma Moacir Carlos da Silva, especialista em comportamento organizacional e professor de pós-graduação em psicologia social e do trabalho do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. "A doença tira a pessoa da zona de conforto e faz que ela reveja seus valores."

A maior preocupação de quem é obrigado a se afastar do trabalho por um período mais prolongado é justamente saber se sua cadeira estará lá, no mesmo lugar, quando voltar. É claro que a empresa nem sempre tem esse compromisso com o funcionário, mas é possível, mesmo a distância, fazer algo na tentativa de minimizar essa ausência prolongada e, de quebra, manter seu lugar ao sol. Alfredo Assumpção, por exemplo, que é um dos sócios da Financial Executive Search Associates (Fesa), acompanhava o andamento dos negócios por telefone. "Não dá para passar o dia todo lamentando a sorte e se entregando à doença." Assumpção aproveitou o tempo também para estudar um pouco mais de contra-baixo, uma velha paixão. Nos próximos meses, como resultado da sua volta aos estudos musicais, ele lançará um CD de ritmos brasileiros.

Dor física e psicológica

A ex-presidente da 3Com, Vânia Ferro, de 51 anos, também sabe o quanto é importante se manter ativa, por maior que seja a limitação imposta pela doença. Em 1984, quando era gerente de projetos da Itautec, sofreu grave acidente de carro ao voltar de uma reunião no Rio de Janeiro. O carro que seu marido dirigia se desgovernou e capotou. Vânia, que estava grávida de oito meses, sofreu várias fraturas e perdeu o bebê e o útero. "Fiquei seis meses engessada do pescoço aos pés", diz. A ausência prolongada do trabalho não foi a única conseqüência do acidente. O filho que Vânia perdeu seria o primeiro de seu segundo casamento. Isso abalou o novo relacionamento, que naufragou tempos depois. Deitada e sem poder se mexer, ela dependia de outras pessoas para praticamente tudo. "Eu desmaiava por causa das dores", lembra. Apesar do seu estado de saúde, Vânia procurou manter-se ativa. Conversou com o pessoal da Itautec e montou um esquema especial para continuar à frente dos projetos que vinha tocando. Promovia reuniões com sua equipe três vezes por semana em casa e coordenava os trabalhos por telefone. Assim que se livrou do gesso, passou a usar aparelhos ortopédicos na perna e a caminhar com a ajuda de muletas. Ia pelo menos uma vez por semana ao escritório. Dois anos se passaram até ela poder dar adeus às bengalas.

A estratégia de Vânia Ferro foi perfeita. Envolver-se com o trabalho na medida do possível a manteve ocupada e sem muito tempo para ficar se lamentando ou reclamando da situação. Ao mesmo tempo, ela demonstrou para a empresa que estava por dentro de tudo o que acontecia. E mais: dava uma clara mensagem de que continuava no comando, mesmo a distância. Foi um autêntico trabalho de marketing de relacionamento pessoal. É a velha história de fazer do limão uma limonada.

E foi justamente essa a lição apreendida pelo matemático Marco Antonio Ferreira Pellegrini, de 37 anos. Em 1991 ele foi assaltado e levou dois tiros. Um deles atingiu a coluna e o deixou tetraplégico. Na época, Pellegrini trabalhava como analista de projetos de telecomunicações no Metrô de São Paulo. Depois de quatro meses no hospital, ele voltou para casa sem esperanças. Seu destino seria a aposentadoria por invalidez, já que até hoje ele só movimenta a cabeça. Pellegrini, no entanto, recusou-se a aceitar essa idéia. Foi para a Alemanha e lá descobriu uma cadeira especial desenvolvida para pacientes com o seu grau de deficiência física. De volta ao Brasil, convenceu os médicos do INSS de que não deveriam aposentá-lo. Ao mesmo tempo, lutou para ter de volta seu antigo emprego. Mesmo afastado, ia aos eventos da empresa e mantinha-se atualizado sobre o que estava acontecendo no seu setor. "Não foi nada fácil, mas procurei me manter próximo", diz ele. "Fiquei três anos afastado, fazendo os tratamentos e tentando retornar ao trabalho."

Pellegrini voltou ao batente em 1994 ocupando o mesmo cargo e comandando uma equipe de 15 profissionais. Para trabalhar, usa um palm, que maneja com a boca. Embora limitado fisicamente, ele consegue exercer plenamente todas as suas funções. Em casa, o sistema é o mesmo. "Controlo tudo pelo computador: as luzes, a televisão, o som e a própria cadeira. Dessa forma, consigo me locomover e levar a minha vida com dignidade." Pellegrini, que é pai de duas crianças, está separado e vive com sua mãe. "Tenho minhas limitações, mas posso dizer que sou um profissional muito mais maduro. Aprendi que, para vencer um problema, nós não devemos aumentá-lo, mas sim fazer de tudo para reduzi-lo ao tamanho que ele realmente tem."

Participe do bate-papo com o especialista Moacir Carlos da Silva no dia 23 de maio, às 19 horas, no site http://www.vocesa.com.br

PARA TUDO HÁ REMÉDIO

Quando um problema de saúde tira você de circulação por um período prolongado, a saída é tomar alguns cuidados para que sua carreira não

seja prejudicada. Veja o que os consultores ouvidos por VOCÊ s.a. recomendam numa situação de afastamento por doença ou acidente:

Preocupe-se, acima de tudo, em recuperar a saúde. Essa deve ser a sua prioridade.

Não assuma o discurso de vítima, dizendo coisas como "que infelicidade" ou "tinha de ser logo comigo?" "Adote um modelo mental positivo", diz o psicólogo Moacir Carlos da Silva.

Procure ocupar o tempo ocioso: leia os livros que você sempre desejou mas nunca teve tempo, faça pesquisas ou cursos pela

internet, veja um pouco de TV para relaxar etc. Cuidado, no entanto, para não extrapolar e prejudicar a sua recuperação.

Se tiver condições, trabalhe um pouco. Tente convencer a empresa de que você pode fazer algumas tarefas em casa. Hoje, com toda

a tecnologia disponível, é perfeitamente possível trabalhar a distância.

Se for o caso, chame sua equipe, faça reuniões em casa e mantenha-se informado sobre o que está acontecendo.

Quando possível, vá até a empresa, mesmo que por alguns minutos. "Quem deixa seu círculo de relações é esquecido pelas

pessoas em dois ou três meses", afirma o consultor Roberto Cintra Leite.

Não se isole dos amigos e dos familiares. Receber carinho das pessoas que prezamos e gostamos é um santo remédio.

Não transfira para a empresa a responsabilidade por sua recuperação. Não hesite em buscar ajuda de um psicólogo se achar necessário.

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