Carreira

O bônus é uma armadilha na hora de motivar os executivos

Jitendra Singh, professor da escola de negócios Wharton, critica os bônus e diz que os profissionais deveriam buscar conexões mais profundas com o trabalho que não sejam o dinheiro

Jitendra Singh, da Wharton School: prêmios em dinheiro são um mau estímulo  (Ronaldo Ribeiro/EXAME.com)

Jitendra Singh, da Wharton School: prêmios em dinheiro são um mau estímulo (Ronaldo Ribeiro/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2013 às 13h28.

Filadélfia - Professor de administração e gestão da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, o indiano Jitendra Singh, de 54 anos, é um dos grandes nomes da escola de negócios situada na cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos.

Especialista em estratégia e ética nos negócios, ele publicou em março um artigo com Adam Grant, também professor de Wharton, apontando as falhas das políticas de premiar pessoas com dinheiro — o bônus. “Os incentivos financeiros estão por trás dos grandes escândalos corporativos”, diz.

Para esta entrevista, Jitendra recebeu a reportagem de VOCÊ S/A em sua sala na Universidade da Pensilvânia, lotada de livros de finanças e gestão, mas também de clássicos da literatura.

VOCÊ S/A - Como os bônus corporativos influenciam o comportamento das pessoas?

Jitendra Singh - As empresas passaram a adotar políticas de prêmios e bônus, pagos mediante o cumprimento de metas específicas, nos anos 70. O problema é que essa maneira de estimular pessoas virou um mantra. A consequência é que funcionários de todos os níveis, do topo à base, passaram a trabalhar tendo o dinheiro como principal motivação. Veja, eu não nego a efetividade dos estímulos financeiros na produtividade.

Há evidências de que os bônus aumentam sensivelmente o desempenho, de 42% para 49º%, em média. Só que esse regime tem consequências sérias e negativas. Em primeiro lugar, uma política de estímulo financeiro que não seja usada em casos estratégicos e específicos parte do pressuposto de que as pessoas trabalham simplesmente para ganhar dinheiro. Isto é obviamente um equívoco.

Em segundo lugar, o estímulo financeiro ignora o fato de que muitos empregados passarão a não se importar com os meios necessários para alcançar as próprias metas. A premiação por resultados leva uma parcela significativa dos empregados a fraudar os números relativos ao próprio desempenho. A frase “os fins justificam os meios” vira a regra. 

VOCÊ S/A - Existem impactos no relacionamento entre colegas de equipe?

Jitendra Singh - Sim, os problemas éticos relacionados à fraude não são os únicos. O clima de trabalho começa a pesar. Os estímulos financeiros criam uma diferença na remuneração dos empregados. Isso pode gerar — e com frequência gera — ciúme e competição. Vários estudos já demonstraram que as pessoas não avaliam seu salário em termos absolutos, mas, sim, em comparação com o de seus colegas. 

Os bônus conferem diferentes status àqueles que os recebem e àqueles que não os recebem. Estabelece-se uma ordem de importância entre colegas que desempenham a mesma função. Em outras palavras, o estímulo financeiro pode trazer inveja e ressentimento por parte daqueles que se sentem excluídos.

VOCÊ S/A - Se o uso dos incentivos financeiros parece ter falhas graves, quais são as alternativas? Em que situação o bônus deve ser usado? 

Jitendra Singh - Bônus, ações da empresa e outros mecanismos financeiros são estímulos artificiais, não fazem parte das motivações mais íntimas de uma pessoa. Esses estímulos deveriam ser usados com cautela e em situações específicas, nas tarefas em que a maioria dos empregados considera desinteressantes. O que o professor Adam e eu propomos é a necessidade de as empresas e os profissionais focarem naquilo que lhes permite criar uma conexão mais profunda com o trabalho. 


VOCÊ S/A - O que seria essa conexão?

Jitendra Singh - A sensação de conexão envolve o sentimento de comunidade, de pertencimento e de ser admirado por pessoas que valorizam as mesmas coisas que você. É importante que o empregado se identifique com a empresa em que trabalha. Aqui em Wharton, por exemplo, eu tenho meu trabalho reconhecido por alunos e outros professores, além do respeito da população da Filadélfia. Tenho boa remuneração, mas meu entusiasmo para lecionar vem das oportunidades de crescimento que tenho. 

VOCÊ S/A - Se motivação interna é crucial para o desempenho, de que maneira ela deve ser cultivada?

Jitendra Singh - O escritor Daniel Pink traz no livro Motivação 3.0 [Ed. Campus/Elsevier] um número incrível de evidências de que a motivação interna se sustenta em três fatores: autonomia, domínio e objetivo. Por autonomia, entenda-se a liberdade de escolher o que, quando e de que forma fazer. Quando as pessoas têm autonomia, mais responsabilidade elas assumem.

Como consequência, investem mais energia no trabalho. Quanto ao domínio, a literatura mostra que indivíduos que têm a oportunidade de desenvolver habilidades e experiências relacionadas ao que fazem naturalmente voltam a buscar outras ocasiões de aprender e contribuir. Finalmente, a presença de objetivos claros e factíveis ajuda a pessoa a se envolver.

VOCÊ S/A - O senhor dá ênfase à conexão com os colegas de trabalho. No entanto, empresas são ambientes competitivos. Como os profissionais devem lidar com essa contradição?

Jitendra Singh - É por causa desse raciocínio que eu considero de extremo valor o ensino das ciências humanas para futuros administradores. Em Harvard há um curso que ensina gestão para futuros líderes por meio de grandes nomes da literatura, como Miguel de Cervantes e Anton Tchecov. A vida, como a literatura, é feita de contradições. A leitura de autores clássicos traz um tipo de autorreflexão e de automonitoramento que é importante dentro do mundo das corporações.

VOCÊ S/A - Há espaço para reflexão na cultura corporativa atual, voltada quase exclusivamente para a ação? 

Jitendra Singh - Assim como as pessoas, há corporações que são mais autorreflexivas que outras. Muitas vezes me pergunto o que estou fazendo durante minhas aulas em cursos de MBA. Se eu quisesse apenas formar técnicos, bastaria ensinar uma série de ferramentas de administração. Eu não creio nisso. Quero formar grandes líderes.

Todo o profissional deveria fazer esse questionamento, seja um jovem em formação, um executivo ou um empreendedor. Wharton forma todo ano cerca de 800 alunos. Quantos serão líderes que fazem a diferença? Para ser especial, inteligência acadêmica não é o traço fundamental. Há outras coisas envolvidas: a autocrítica, os valores adquiridos em leituras, as vivências e a motivação interna.

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