Carteira de trabalho: entre as novidades, a reforma trabalhista instituiu o trabalho intermitente, alterou as regras em demissões e férias (gustavomellossa/Getty Images)
Victor Sena
Publicado em 12 de novembro de 2020 às 17h00.
Última atualização em 12 de novembro de 2020 às 19h16.
Em 11 de novembro de 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer, as leis que regem o trabalho mudaram fortemente no Brasil. Entre as novidades, a reforma trabalhista instituiu o trabalho intermitente, alterou as regras em demissões, férias e acordos coletivos podem prevalecer sobre a legislação.
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Que tipo de habilidades essas mudanças exigem do funcionário e como elas afetaram a dinâmica entre colaboradores e empresas nos últimos três anos, completados nesta quarta-feira? A capacidade de adaptação e a consciência em conhecer mais seus direitos trabalhistas são alguns deles.
A EXAME ouviu uma especialista em carreira e relembra os principais pontos da reforma trabalhista que trouxeram desafios aos trabalhador.
Alguns dos pontos da reforma podem mexer diretamente no projeto de carreira pessoal de cada um, como o trabalho intermitente, e ele foi uma das principais novidades da nova legislação.
Com ela, o trabalhador pode ser pago por período trabalhado, recebendo pelas horas ou diária. Ele tem direito a férias, FGTS, previdência e 13º salário proporcionais.
No contrato deverá estar estabelecido o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao salário mínimo por hora ou à remuneração dos demais empregados que exercem a mesma função.
Para a coach e especialista em carreira, Susanne Andrade, isso pode ser uma oportunidade, mas exige habilidades novas.
Susanne ressalta que a flexibilização do trabalho é o futuro. Em 2018, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pelo IBGE, mais de 71 mil contratações ocorreram pela forma intermitente no país, representando 0,5% das admissões com carteira assinada.
Em 2019, foram mais de 155 mil contratações dessa forma intermitente, ou 1,0% das admissões com carteira. Ou seja, o dobro.
A gestora de Recursos Humanos da Ahgora, empresa focada em oferecer soluções de tecnologia para área de pessoal, Juliana Bittencourt vê com bons olhos a flexibilização também para o trabalhador, além das empresas, como a permitida em caso de rescisão.
Na legislação antiga, quando o trabalhador pedia demissão ou era demitido sem justa causa, ele não tinha direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS nem à retirada do fundo.
Agora, o contrato poderá ser extinto de comum acordo, com multa de 20% sobre o saldo do FGTS e permissão de sacar 80% do fundo. No entanto, ele não tem direito ao seguro-desemprego.
“Antes existiam acordos por fora, e as empresas se arriscavam, no caso de demissão. Hoje, eu vejo que é uma forma de valorizar o funcionário que teve um bom compromisso com a empresa, se disponibilizou em treinar seu substituto, por exemplo. Em vez dele sair sem nada, no caso de pedir a demissão porque está no fim de carreira, por exemplo, ele faz o acordo e tem direito a bom parte do FGTS e a metade da multa”, explica.
Apesar de ser uma boa alternativa para quem deseja pedir permissão, a nova regra também deixa brecha para uma empresa pressionar o funcionário a aceitar um acordo quando a empresa pretende demitir sem justa causa.
Assim, em vez de pagar a multa de 40% sobre o FGTS, ela poderá pagar 20% e apenas metade do aviso prévio.
Para a especialista Susanne Andrade, se houver pressão por aceitar uma situação dessa, o trabalhador não pode ceder, se não quiser.
“Ele não pode se sentir acuado. Ele deve não se submeter quando o outro é “maior que você”, e aí buscar até mesmo advogados. A menos que ele perceba realmente quer outras coisas.”
Para Fernando Kalil, CFO da Revelo, empresa que presta soluções de tecnologia para recrutamento e seleção, há meios para o trabalhador se manifestar em casos de suposta pressão em acatar propostas. Além disso, a reforma trabalhista impôs que ele se esforço para conhecer mais seus direitos trabalhistas e os detalhes do seu acordo, exigindo mais responsabilidade:
As férias de 30 dias podem ser fracionadas em até dois períodos, sendo que um deles não pode ser inferior a 10 dias.
Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.
Para Juliana Bittencourt, da Ahgora, empresa que também presta soluções em Recursos Humanos, esse é um ponto que traz benefícios para a empresa organizar melhor sua dinâmica ao longo do ano, mas também beneficia o funcionário.
“Com opção de férias em três parcelas, o funcionário tem mais flexibilidade para ajustar esse descanso com as demandas da família. O aniversário do filho, por exemplo”.
Assim como no caso da demissão, a coach Susanne Andrade ressalta que não pode haver pressão da empresa sobre o funcionário para tirar férias em determinado formato.
“Toda negociação tem que ter o “ganha, ganha”. Precisa ser uma negociação aberta e transparente. Agora, se a pessoa não concorda, ela não pode se submeter. Aí tem algo errado. Porque no futuro pode haver insatisfação e a pessoa vai ficar desestimulada”
Um ponto que tem menos efeitos sobre a carreira do funcionário, mas mostrou resultados é a redução da judicialização.
Hoje, quem perde uma ação trabalhista na Justiça deverá arcar com as custas do processo, incluindo perícia, além dos honorários advocatícios da parte contrária, que em geral são as empresas.
A mudança tem reduzido a judicialização de questões trabalhistas no Brasil. Para a advogada Ana Paula Pereira do Vale, sócia do Pereira do Vale Advogados, as ações estão muito mais assertivas.
Para Fernando Kalil, menos judicialização permite que as empresas sejam mais criativas, até para oferecer benefícios aos funcionários:
“Com menos judicialização, você tem oportunidade de o RH ser mais criativo. E com isso você consegue adequar sua proposta de valor ao o o que seu público que será atraído no recrutamento quer”.
1. Fim da contribuição sindical obrigatória
Até a reforma trabalhista entrar em vigor, todo trabalhador tinha um dia no ano descontado de seu salário, que era encaminhado à entidade de classe que o representava. Há três anos, a contribuição sindical é opcional.
Em 2019, quase um milhão de profissionais deixaram de ser filiados aos sindicados.
2. Jornada de trabalho e banco de horas
Hoje, o regime de banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. Antes, era necessário que houvesse intermédio do sindicato da respectiva categoria.
Quanto à jornada de trabalho, a legislação anterior limitava a jornada a 8 horas diárias, 44 horas semanais, podendo haver até 2 horas extras por dia. Há três anos, a jornada diária pode ser de 12 horas com 36 horas de descanso, respeitando o limite de 44 horas semanais.
3. Negociações e acordos coletivos
A legislação anterior só permita que convenções e acordos coletivos para definir as condições de trabalho em casos que garantissem ao trabalhador condições melhores do que estivesse previsto em lei.
Desde 2017, os sindicatos e as empresas podem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar melhor para os trabalhadores.
Pode ser negociado: jornada de trabalho, participação nos lucros, banco de horas, troca do dia do feriado, intervalo intrajornada, entre outros.
Não poderá ser negociado: direito a seguro desemprego, salário mínimo, 13º salário, férias anuais, licença maternidade/paternidade, entre outros.