Carreira

260.000 vagas sem dono: um raio-x das vagas mais quentes agora (e no futuro)

Na contramão da crise, nunca houve tantas vagas de emprego em TI, um problema para o país. Veja o que empresas e profissionais podem fazer para aliviar a escassez

Escritório da Hotmart em Belo Horizonte antes da pandemia: 400 vagas de trabalho a espera de bons candidatos para ocupá-las (Hotmart/Divulgação)

Escritório da Hotmart em Belo Horizonte antes da pandemia: 400 vagas de trabalho a espera de bons candidatos para ocupá-las (Hotmart/Divulgação)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 18 de fevereiro de 2021 às 07h00.

Última atualização em 18 de fevereiro de 2021 às 15h13.

Escritório da Hotmart em Belo Horizonte antes da pandemia: 400 vagas de trabalho a espera de bons candidatos para ocupá-las (Hotmart/Divulgação)

No final de janeiro, a  empresa de ensino online Hotmart, fundada em Belo Horizonte, ofereceu uma oportunidade que muitos brasileiros sonham: centenas de vagas de emprego em home office. No entanto, elas não serviam para todo mundo. Todas as 400 posições eram para o time de tecnologia.

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O que a Hotmart e muitas outras empresas querem são os desenvolvedores. Com a pandemia da covid-19, o ano de 2020 acentuou um problema do mercado de trabalho e do ambiente de negócios brasileiro. Faltam mais profissionais de tecnologia do que antes da pandemia. 

A ampliação desse déficit pode ser percebida graças a dados que mostram como a vagas da área saltaram. Só na grande São Paulo, o aumento foi de 600% na plataforma Catho.

No gráfico abaixo, é possível ver alguns dados atualizados do mercado brasileiro de profissionais de TI:

Segundo um relatório da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, o déficit de profissionais pode chegar a 260 mil até 2024. 

O número é uma previsão ao comparar o aumento de empregos no setor com a capacidade de formação de alunos no Brasil.

O aumento na procura por desenvolvedores aconteceu principalmente porque o isolamento social forçou uma digitalização da economia. 

“A alta demanda dos profissionais de tecnologia é global, não é só uma questão do Brasil. A pandemia acelerou ainda mais. Houve um crescimento da digitalização das empresas, que criaram produtos, investiram em vendas online, vendas de plataformas, etc. Todas tiveram que desenvolver isso”, explica Luana Castro, gerente de Tecnologia da Informação da consultoria Michael Page.

Apesar de o Brasil fazer parte de uma tendência global de falta de mão de obra qualificada em tecnologia, fatores locais agravam o problema. Entre eles estão o ensino de baixa qualidade na comparação internacional e o pouco domínio da língua inglesa na população brasileira, diz Luana.

Para piorar o quadro, a tecnologia vem mudando em ritmo acelerado e novas linguagens de programação surgem a todo modo momento. O profissional, então, está sempre correndo atrás do que é tendência. "De 12 em 12 meses é possível ver mudanças no perfil de profissional exigido pelas empresas, o que só aumenta a dificuldade de encontrar bons profissionais", diz Luana. 

Entre as habilidades para os profissionais de tecnologia com mais destaque para 2021, segundo o LinkedIn, estão o domínio de linguagens como Git, Unity, JavaScript, React.js, Scrum.

A relação com o trabalho remoto

Um efeito colateral dessa falta de profissionais apontados pelos especialistas é a busca por serviços feitos em outros países, como a Índia. O país é um grande polo de profissionais da área e pode, no longo prazo, ser mais atrativo para empresas que não podem esperar pela formação dos profissionais.

Empresas brasileiras, porém, ainda não entraram com força nessa onda porque o real não é uma moeda forte a ponto de permitir a contratação de um grande número de profissionais que moram em outros países.

O que acontece no Brasil normalmente é uma busca por bons profissionais residentes longe dos grandes centros, uma tendência em expansão junto com o esvaziamento dos escritórios.  

Na Dock, uma startup que dobrou de tamanho em 2020 ao oferecer soluções de tecnologia para instituições financeiras, tem 150 vagas de trabalho abertas para desenvolvedores. Por causa da escassez de profissionais, aliada à necessidade de isolamento social, a empresa decidiu abolir seu escritório na região do Alphaville, em São Paulo, e instaurar o trabalho de qualquer lugar (ou anywhere office), uma das principais tendências dos recursos humanos no pós-pandemia. Atualmente, apenas 35% dos trabalhadores da Dock moram na Grande São Paulo. 

“A dificuldade de contratação continua grande, mas um ponto de virada é que a gente não tem mais a necessidade de contratar pessoas só de São Paulo. As empresas têm que mudar esse mindset. Ampliar esse leque de entrada, esse funil, foi bom", diz Camila Shimada, Head de People, Marketing e Facilities na Dock. Para ela, o benefício do home office é fundamental para o profissional de tecnologia e ajuda as empresas a procurarem talentos de outras cidades, estados e países.

Na empresa, 95% dos profissionais não querem voltar ao modelo tradicional de trabalho, com cinco dias na semana indo à empresa. Uma pesquisa feita pela gestão da empresa também mostra que 67% do time se movimentou e trocou de localização geográfica.

As consequências para os negócios

A escassez generalizada de profissionais de TI causa uma certa paralisação no desenvolvimento da estratégia das empresas, diz Ana Paula Prado, principal executiva no Brasil da agência online de recrutamento e seleção Infojobs. Com uma “cadeira vazia”, algum caminho de desenvolvimento pode ficar travado. 

Em boa medida essa paralisia ocorre pelo aumento de custos nas empresas para adquirir o passe de profissionais cada vez mais valorizados. 

De acordo com a consultoria em recursos humanos Revelo, os salários oferecidos aos profissionais de tecnologia dispararam cerca de 20% em 2020, em média.

Além dos salários, na conta estão mimos oferecidos para atrair profissionais de tecnologia cada vez mais sofisticados e onerosos para as companhias. Na Dock, o pacote de benefícios inclui reembolso de cursos, certificações e da compra de livros técnicos, auxílio cultura para serviços de streaming como Netflix, psicólogo online duas vezes por mês no aplicativo Zenklub.

Nada disso evita por completo a rotatividade desses profissionais nas empresas – um enrosco para os negócios e para os próprios profissionais. “Na prática, o que observamos é um aumento nos salários e benefícios para a atração desses talentos, além da redução do tempo médio que o profissional permanece em uma mesma empresa, o que - a médio prazo - não é interessante nem para a empresa e nem para o profissional, que passa a apresentar maiores índices de estresse e viver sob constante pressão”, explica Ana Claudia Plihal, executiva de Soluções de Talentos no LinkedIn Brasil.

Como atrair candidatos

Para crescer e trazer mais serviços aos seus clientes, a empresa precisa contratar. Pode parecer muito simples, mas com a falta de mão de obra no mercado e alta demanda das empresas, as empresas também precisam se tornar atrativas para os desenvolvedores. 

A cultura organizacional, ou seja, o jeitão de trabalhar colocado em prática em cada empresa, tem um papel fundamental para fazer a empresa brilhar aos olhos dos candidatos.  

“São os desenvolvedores que escolhem a empresa. Quem entra aqui dificilmente sai. E quem sai recomenda a empresa, o que nos traz credibilidade”, diz o diretor de talentos da Hotmart, César Barboza.

Na visão de quem entende de recursos humanos, as chances de aprendizado no trabalho, além da autonomia para tomar decisões e, claro, o trabalho flexível, também ajudam a fazer com que os talentos não fujam.

“O presidente de uma empresa me disse certa vez que nas entrevistas de emprego a primeira coisa que os profissionais perguntam é se tem teletrabalho. Se a resposta é não, eles já perdem o interesse. É algo que não consigo quantificar em pesquisa ainda, mas dá o tom de como as coisas estão mudando no setor”, diz Sergio Paulo Gallindo, presidente executivo da Brasscom. 

Na Dock, além do extenso pacote de benefícios, está a  cultura de flexibilidade e da autonomia. Segundo a empresa, as equipes têm bons orçamentos e acesso às tecnologias que precisam. 

A dica de Ana Paula Prado, do Infojobs, é que as empresas estejam atentas ao que buscam os profissionais, além de fazer anúncios corretos na Internet. A executiva também destaca que a oferta da vaga deve ser atrativa, mas a experiência de contratação e do próprio trabalho tem que estar de acordo com o que a vaga prometeu.

“Por que os profissionais de tecnologia buscam as empresas mais pops? Não é à toa. É justamente porque elas passam confiança. Então, se você oferece isso, já adianta”, explica.

As soluções para o déficit

Apesar de existirem ações pontuais que podem ajudar a contratar mais profissionais de Tecnologia da Informação, o Brasil vive um problema estrutural, na visão dos especialistas. 

Para resolver essa falta de profissionais, é necessário que as empresas entendem seu papel social e de treinamento de talentos na área em que atuam. “Qual é o papel da sua empresa na área em que ela atua?”, questiona Luana Castro, da Michael Page.

Além disso, políticas públicas de educação voltadas para tecnologia também podem contribuir para uma equilíbrio melhor entre oferta e demanda de profissionais no médio prazo.

Na Dock, por exemplo, há uma parceria com ONGs e startups sociais para a formação em tecnologia de refugiados. 

Independentemente da área ou do tamanho, as empresas tem que agir para contornar o déficit de profissionais, dizem dez entre dez especialistas em recursos humanos. A atitude proativa pode dar uma saída de curto prazo na busca de profissionais de tecnologia.

Uma solução definitiva, contudo, depende de mudanças estruturais como mais cursos para formar esses profissionais disputados pelo mercado, como ciências da computação. Por ora, ao que tudo indica, a TI vai seguir sendo uma das poucas áreas em que, mesmo com a crise causada pela pandemia, sobram vagas de trabalho e faltam bons profissionais.

 

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