Falar em público: falar bem envolve um bom conteúdo, um orador treinado, uma bela dose de emoção e bastante coragem (Foto/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2017 às 17h46.
Falar é a maneira mais simples de transmitir informação de um HD (o cérebro de uma pessoa) para outro (o cérebro de outra pessoa).
Nunca se inventou uma maneira mais fácil de passar conhecimento adiante. Mas, para que essa comunicação seja bem-sucedida, é bom que quem esteja falando domine alguns princípios.
É a arte de falar bem. Ela envolve um bom conteúdo, um orador treinado, uma bela dose de emoção e bastante coragem. Afinal, para muita gente, só a ideia de abrir a boca já é aterrorizante.
Em 2013, a empresa britânica OnePoll divulgou os resultados de uma pesquisa feita com 2 mil voluntários, que perguntava quais eram as situações que mais lhes causavam temor.
Falar em público só ficou atrás do medo de perder entes queridos, e ganhou do medo de ser enterrado vivo, de cobras, de fogo e até do medo do fim do mundo.
Há milênios, os seres humanos têm se debruçado sobre as melhores maneiras de encarar o grande desafio que é abrir a boca na frente de outras pessoas.
Na Antiguidade, os pensadores chamavam isso de retórica – e gastaram bibliotecas inteiras estudando suas técnicas.
No século 20, foram inventados os livros de autoajuda: um dos mais importantes foi o de Dale Carnegie, Como Falar em Público e Influenciar Pessoas no Mundo dos Negócios (ele também foi o autor de Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas).
No século 21, é a vez da ciência entrar no assunto: tom de voz, palavras por minuto, expressão corporal – tudo isso ajuda a superar o medo e passa uma boa mensagem. Nas próximas páginas, olhamos para esses séculos de conhecimentos e compilamos as melhores dicas para você se tornar um orador de boca cheia.
A primeira dica é também a mais óbvia. Saber o que dizer é escapar de obstáculos no meio do caminho. O primeiro deles é o ego inflado.
Só conte detalhes da sua vida se eles forem indispensáveis à mensagem que você quer passar. Vamos supor que você teve uma infância pobre, mas que, depois de muita luta, tornou-se o presidente de uma grande empresa – e você quer falar sobre a importância do trabalho duro.
Nesse caso, sua história pessoal até é um bom exemplo. Mas mencionar detalhes dispensáveis, tipo o itinerário do ônibus que você tinha que pegar para chegar ao trabalho em 1995, vai resultar num ouvinte aborrecido. O segundo obstáculo é mais difícil de transpor: a falta de foco.
Aí o jeito é ser o mais específico possível. Bole uma fala sobre um assunto singular – e inesperado. Falar sobre “trabalho duro”, por exemplo, pode ser interessante.
Mas mais interessante seria falar sobre “como o trabalho duro transformou um menino pobre em milionário”.
E superinteressante (turuntss) mesmo seria contar “por que o trabalho duro às vezes não é suficiente para vencer na vida”.
Quanto mais detalhada e inovadora a sua proposta, mais chance de você saber o que dizer. E já leva à próxima dica…
Todo ano, algumas das pessoas mais criativas do mundo se reúnem no TED, uma grande conferência global de palestras.
Tem escritor, tem rockstar, tem inventor, tem ativista, tem CEO, tem comediante. O que não tem é apresentação chata.
Pode conferir: as melhores estão no YouTube e no próprio site do TED, e já foram vistas mais de 1 bilhão de vezes.
As TED talks, como são chamadas as palestras, têm outra coisa em comum: são todas curtas, raramente ultrapassam os 20 minutos.
O que pouca gente sabe é que, quanto menor for o seu tempo de palco, mais longa vai ser a sua preparação.
É que resumir consiste em deixar coisas de fora. Para isso, tente resumir a sua ideia em, no máximo, 15 palavras – e coloque-a no papel.
Mude os termos, mexa na estrutura da frase, pense em sinônimos que expressem melhor a sua teoria. Encontre profundidade e emoção.
Esse exercício é importante para garantir que a sua fala não vá para uma direção inesperada. O resumo vai servir de farol para toda a sua apresentação: se você não conseguir enfiar todos os assuntos importantes em 15 palavras, talvez seja sinal de que o discurso tem assunto demais.
Corte. Caso contrário, você terá que passar por eles de forma muito rápida, superficial – e de maneira que o público não vai se envolver.
“Senhoras e senhores da turma de 98: Usem filtro solar”. Lembra desse discurso? Quando viralizou nos e-mails no fim dos anos 1990, foi atribuído a um professor prestes a morrer de câncer de pele, que falava aos seus alunos sobre o sentido da vida.
O texto é da jornalista Mary Schmich, e ficou famoso no Brasil na voz de Pedro Bial. Na verdade, não era um discurso – foi publicado originalmente num jornal.
Mas fez um sucesso estrondoso. Tudo graças a alguns ingredientes essenciais, como uma narrativa simétrica (ele começa e termina falando sobre filtro solar), o fator surpresa e a conexão emocional.
Se você quiser apenas uma dica para as suas palestras, anote esta: mire no sistema límbico.
Essa é aquela parte do cérebro que controla nossas emoções (pense no lugar onde ficam os personagens do filme Divertidamente).
Compartilhar memórias relevantes, que tenham apelo emocional e com as quais seja fácil se identificar, faz com que a plateia embarque no que você disser.
Histórias de superação, de amor e de morte são imbatíveis nesse quesito – mas atenção: o ideal é que as emoções sejam reais. O público consegue farejar de longe quando o palestrante está apelando.
No dia 28 de agosto de 1963, nos degraus do Memorial Lincoln, em Washington, Martin Luther King disse que tinha um sonho – e mudou a história dos negros nos EUA. Mas as palavras mais famosas de um dos discursos mais marcantes da história quase ficaram de fora.
O momento era tenso. O movimento negro queria fazer pressão para que o presidente John F. Kennedy assinasse uma lei que garantisse a igualdade racial no país, mas o discurso de King tinha de ser pensado com cuidado para não pisar no calo de ninguém.
Ele começou seguindo à risca as palavras escritas por uma equipe de assessores, numa cadência até monótona.
Mas, lá pelo décimo minuto, a cantora Mahalia Jackson, que já tinha ouvido outros discursos mais inspirados de Luther King, pediu para que ele falasse do sonho.
Ele ouviu. E improvisou. No ano seguinte, a lei foi assinada e Martin Luther King ganhou o Nobel da Paz. Tudo graças ao jogo de cintura.
Uma das decisões mais difíceis que você vai tomar ao bolar a sua fala é: melhor decorar o texto ou melhor deixar espaço para o improviso?
A vantagem do roteiro é que você terá controle sobre o tema e o tempo. Se essa for sua decisão, você vai ter de memorizar cada palavra – e então repetir as frases até que elas não pareçam decoradas. Acredite, isso é difícil.
O seu roteiro deverá ser em linguagem coloquial, próxima da fala.
Se não houver cuidado nessa parte, você vai parecer num jogral. E ninguém suporta isso. Já em reuniões de trabalho ou apresentações para clientes, por exemplo, o improviso é mais comum.
Aí o importante é decorar a mensagem que você quer passar. Prepare-se para o pior. E se der um branco? E se você esquecer algum detalhe? E se o tempo acabar?
O começo de uma palestra é a hora de agarrar o seu público pela nuca. Procure no YouTube a palestra da comediante Maysoon Zayid no TED.
Ela tem um tipo de paralisia cerebral que faz com que o seu corpo trema o tempo todo. A apresentação começa assim: “Eu não estou bêbada – mas o médico que fez o meu parto estava”.
Pronto: com uma piada que carrega uma grande carga dramática, você está fisgado. Drama, aliás, é uma bela maneira de começar, principalmente se a sua fala vai propor soluções para esse problema, ou discuti-lo de uma maneira leve, como Zayid fez.
Se você tem uma informação surpreendente, jogue-a para os primeiros segundos. Vai mostrar uma foto? Diga, antes de revelar, que aquela imagem mudou a sua vida.
Em questão de segundos, você terá a atenção da plateia toda. O cérebro humano adora experimentar uma novidade. Uma surpresa boa é o equivalente a uma injeção de dopamina, o neurotransmissor do prazer.
Um elemento inesperado também deixa as pessoas em alerta, graças à liberação de noradrenalina, ligada ao estado de vigília.
Um início de palestra que, ao mesmo tempo, surpreenda e anuncie surpresas maiores ainda por vir é praticamente infalível.
O final da palestra é igualmente importante – e difícil. “É o momento de maior emoção. Se o orador não fizer uma boa leitura da plateia, pode usar emoção demais ou de menos e até comprometer o discurso”, diz o professor de expressão verbal Reinaldo Polito.
O objetivo da sua fala era expor um problema? Sugira uma solução prática, prometa fazer a sua parte, convide a plateia a fazer o mesmo.
Se você citou uma história curiosa lá no início, volte a ela no fim. O importante é garantir que a audiência saia sem a sensação de que ficou faltando alguma coisa.
Se você optar pela decoreba, vai ter de se acostumar com a repetição. Foi assim que você guardou aquele hit grudento do Carnaval passado, e é assim que a sua fala vai ganhar vida.
É durante a repetição que você vai adicionar frases, mudar palavras e ganhar familiaridade com seu próprio texto. Em seguida, convide amigos ou membros da família para ensaiar.
Faça perguntas específicas para obter um feedback eficiente. Eis alguns exemplos infalíveis:
“Deu para entender o que eu disse? Alguma parte ficou confusa? Fiz algum movimento estranho com as mãos? Em algum momento pareceu que eu estava recitando um texto decorado? Usei alguma palavra que não soou bem? Gaguejei? Minha voz deu sono? O que você mudaria no meu discurso?”
Ouça as opiniões dos críticos, incorpore mudanças e repita o processo. E fique de olho no relógio.
Se você tem meia hora para falar, é ideal que se planeje para terminar em 28 minutos.
Agora que o roteiro da sua fala está na ponta da língua, é hora de afiar a linguagem corporal. A segunda palestra mais popular da história do TED, com quase 50 milhões de visualizações, é sobre power posing (algo como “poses do poder”).
Durante 20 minutos, a psicóloga Amy Cuddy mostra as maravilhas de uma expressão corporal clara, assertiva e positiva.
Para ela, aparecer no palco como a Mulher Maravilha, com o queixo erguido e as mãos na cintura, causa mais do que um efeito psicológico na plateia: altera o cérebro do palestrante.
A ideia do power posing é a seguinte: quando uma pessoa adota uma postura de “poder”, com o peito aberto, nariz empinado e braços à mostra, ela acredita na própria capacidade.
Assim, seu corpo é inundado com doses de testosterona, o hormônio associado à dominância e à assertividade. Em contrapartida, caem os níveis de cortisol, o hormônio do stress.
Essa mudança química faz com que o sujeito fique mais disposto a se arriscar. Ou seja, além de parecer um super-herói aos olhos do público, a pessoa também se sente um.
A teoria não é infalível. Em 2015, uma pesquisa feita com um número maior de voluntários e metodologia diferente não identificou indícios suficientes para dizer que fazer pose altera os hormônios do corpo.
No entanto, os efeitos na plateia são perceptíveis. Afinal, é muito mais fácil se engajar na fala de uma pessoa com boa presença de palco e que não se esconde do público.
A postura não é a sua única arma corporal. O rosto também é capaz de muito. Não deixe de fazer contato visual com a plateia – seres humanos são programados para detectar os menores movimentos nos músculos ao redor dos olhos e estamos o tempo todo tentando interpretar as expressões alheias. Faça isso com as pessoas que estiverem mais próximas.
Elas farão o mesmo. Olhar nos olhos faz com que dois cérebros comecem a entrar em sintonia, inconscientemente. Isso funciona especialmente bem em apresentações de trabalho ou ambientes menores.
Culpa dos neurônios-espelho (os mesmos que fazem com que a gente sinta vergonha alheia, por exemplo). Se um olhar firme estiver acompanhado de um sorriso, você já estará a meio caminho andado para o sucesso.
Em 1998, os tabloides exploraram até a última gota o caso extraconjugal que o então presidente dos EUA, Bill Clinton, teve com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky.
O escândalo abalou o governo de Clinton, mas certamente pesou mais para o lado da moça, que foi publicamente humilhada numa época em que a internet começava a se popularizar.
Dezessete anos depois, Monica Lewinsky resolveu contar a sua versão dos fatos. Diante de uma plateia ansiosa, no TED de 2015, falou sobre sua experiência traumática com o cyberbullying.
Para alguém que desenvolveu pavor da opinião pública, não era um trauma fácil de enfrentar no palco.
No dia de seu discurso, Lewinsky se preparou com uma rotina de relaxamento: exercícios de voz, mantras, uma curta caminhada para liberar adrenalina e até uma sessão relâmpago de meditação.
Mesmo assim, não dá para dizer que ela estava calma. Pelo contrário: ela disse que estava sentindo “relâmpagos de medo”.
Deu para ver. Ao longo dos 20 minutos de seu discurso, a moça mostrou alguma insegurança e deu umas travadas.
É compreensível. Quando você está diante de uma situação ameaçadora ou desafiadora, a amígdala (área do cérebro responsável por respostas automáticas e instintivas) libera adrenalina, dilata os vasos sanguíneos e deixa você em estado de alerta.
Aí o neocórtex cerebral (o departamento que cuida das decisões racionais) entra em ação e tenta convencer o seu corpo de que vai ficar tudo bem.
No caso das pessoas muito tímidas, essa autoajuda do neocórtex não funciona tão bem, e a luzinha de alerta continua acesa. A adrenalina seca a boca e faz gaguejar.
Se você for desse tipo, vale fazer o que Lewinsky tentou: respirar fundo para oxigenar o cérebro, beber água (mas não muito a ponto de encher a bexiga) e evitar comidas pesadas.
Mas também tem outro jeito de encarar o desafio. A psicóloga americana Alison Wood Brooks, da Harvard Business School, descobriu que tentar manter a calma nem sempre é o melhor caminho para, bem, manter a calma.
Numa série de estudos, ela analisou o estado mental de 450 voluntários antes de performances públicas (como fazer discursos ou cantar no karaokê) em duas situações: quando eles tentavam se acalmar ou quando abraçavam a ansiedade e a excitação do momento.
As pessoas que repetiam para si mesmas frases como “estou empolgada” mostraram uma tendência a encarar a situação como uma oportunidade, não como uma ameaça.
E se saíram melhor que as que tentaram se acalmar. Para a cientista, é tudo uma questão de coerência.
Encontre o ritual que deixe você mais confortável e se, mesmo assim, o nervosismo não passar, pense que você pode usá-lo a seu favor.
Em média, as 3 mil palavras escritas neste texto até agora levam 15 minutos para ser lidas, já que conseguimos ler mais ou menos 200 termos por minuto.
Uma boa apresentação é mais lenta: varia entre 130 e 170 palavras por minuto. O discurso “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King, tem por volta de 100 palavras/minuto.
No contexto em que ele foi dito, fazia sentido. Não dá para acelerar demais quando você fala para 200 mil pessoas. Mas, se seu público é menor, o importante é variar.
Você pode diminuir o ritmo ao se aproximar de um tema espinhoso, como quando Monica Lewinsky falou sobre os momentos mais dolorosos de sua vida.
Explicar um conceito complicado também exige calma. Dê espaços longos entre as palavras e permita que seu público absorva o que você acabou de dizer. Mas está liberado acelerar o ritmo para construir um clímax ou contar uma piada, por exemplo.
Em 2015, pesquisadores canadenses entrevistaram 2 mil voluntários e monitoraram seus cérebros para tentar descobrir o limiar de atenção médio de um ser humano.
Ou seja, por quanto tempo uma pessoa se concentra sem se distrair. O resultado? Bem menos tempo do que você levou para ler este parágrafo até agora: 8 segundos. É o que você vai ter para agarrar a atenção do seu público.
Pintou uma tremedeira no início da fala? Tente uma piadinha inofensiva sobre como você está nervoso. Ao longo de anos na curadoria do TED, Chris Anderson descobriu que a audiência costuma sentir empatia pelas pessoas que admitem o próprio nervosismo.
“Seus ouvintes vão torcer ainda mais pelo seu sucesso”, diz. Depois, encontre entre a plateia aqueles três ou quatro que parecem mais interessados. Em vez de fixar o olhar num ponto do horizonte, olhe diretamente para esses seus novos amigos.
A sensação será que você está tendo uma conversa franca com todo mundo.
Depois que você tiver gabaritado os primeiros minutos, lembre-se de que o pior já passou. Respire fundo e corra para o abraço.
Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante.