Examinando: O dinheiro vai acabar?

Será que ainda é preciso imprimir tanto dinheiro? A tecnologia faz pessoas utilizarem outros meios de pagamento que podem influenciar o futuro do dinheiro

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Grandes esteiras com milhares de cédulas de dinheiro impressas por hora, com papéis especiais, cobre e aço e nada menos do que 17 tintas diferentes. A cena poderia até ser confundida com um episódio da série La Casa de Papel, mas é apenas um dia comum na Casa da Moeda. Nesse caso, a brasileira mesmo. A fábrica, que fica no Rio de Janeiro, pode produzir até 3 bilhões de cédulas e 4 bilhões de moedas por ano. Isso sem falar nos outros produtos fabricados por lá, como passaportes e selos.

Mas será que ainda é preciso imprimir tanto dinheiro? Com a modernização e os avanços da tecnologia, boa parte das pessoas já utiliza outros meios de pagamento. Sejam os cartões de débito, de crédito e pré-pagos ou novidades mais recentes, os meios de pagamentos digitais.

A Casa da Moeda do Brasil sentiu os efeitos de todas as mudanças nos hábitos de consumo. Tanto que ela chegou a perder por um tempo o monopólio de fabricação do real, e ainda pode ser privatizada. Na contramão, surge uma outra discussão: qual é o futuro do dinheiro? No Examinando de hoje nós vamos te mostrar o avanço dos novos meios de pagamento e analisar se o dinheiro em papel pode ou não acabar um dia.

Qualquer pessoa que for na Casa da Moeda, precisa passar por um rígido procedimento de revista. Mesmo com todo esse sistema de segurança, a instituição pública criada no país em 1694 por Dom Pedro Segundo, está em perigo.

Mas a maior ameaça não são os assaltantes. Em 2019, a Casa da Moeda registrou o terceiro ano seguido de prejuízo. O governo também editou em novembro de 2019 uma norma que retirava a exclusividade do órgão na produção do real. Mas como era uma medida provisória, ela precisava da aprovação do Congresso, o que não aconteceu. No fim, a MP perdeu a validade. Mas além disso, a Casa da Moeda também está na lista das empresas que o governo pretende privatizar, ou seja, vender para a iniciativa privada.

Já deu para perceber que a “casa do dinheiro”, apesar de fabricar, no fim não dá muito dinheiro. Mas será que todo esse prejuízo significa que o dinheiro vai acabar e que ninguém nunca mais vai usar uma cédula? Claro que não dá pra ser tão exagerado e supor que o papel moeda vai sumir de uma hora para a outra. Mas também não dá pra negar que há um tempo as empresas vêm desenvolvendo, e as pessoas usando, outras formas de pagar as coisas. Portanto, no meio de tanta inovação, não dá para descartar um cenário onde a economia funciona de maneira totalmente digital.

Vai dizer que você nunca usou um cartão pra fazer uma compra pessoalmente ou na internet? Ou que você nunca usou o aplicativo do banco para pagar algo? Ou experimentou um aplicativo de carteira digital para pagamento? Muito provavelmente você já fez alguma dessas coisas. Há algumas décadas, era comum ouvir das pessoas que em futuro muito tecnológico e superdesenvolvido, não se usaria mais dinheiro em papel. Existiria um cartão de plástico que ia servir para comprar tudo o que você quisesse. E pudesse pagar, claro. Se você pensar bem, até que é uma ideia bem maluca mesmo. E agora você deve estar se perguntando como alguém poderia achar um cartão, que hoje usamos quase todos os dias, algo tão revolucionário e desenvolvido. Mas a verdade é que esse integrante da sua carteira não é tão velho assim. Ele foi criado há exatamente 100 anos, mas começou a ser usado mesmo apenas na década de 50. Ou seja, quase ontem.

Mas ainda há outra questão: o custo de produzir dinheiro. No caso do Brasil, a maioria das moedas custa mais para serem feitas do que seu valor real. Para fazer uma moeda de 5 centavos, o custo é de 30 centavos. A moeda de 10 sai por 40 centavos cada unidade. E a de 25, custa 49 centavos. Mas se fazer dinheiro é mais caro do que ter aquele dinheiro, porque ele é produzido? Acontece que a produção das outras moedas e das cédulas compensam esse prejuízo.

Mas apesar de a conta fechar no final, as moedas feitas de aço e de cobre, bem como o papel-moeda, também já estão sendo substituídas por uma versão digital, as chamadas moedas digitais de bancos centrais, ou CBDCs, na sigla em inglês. Elas surgiram a partir da tecnologia criada pelas criptomoedas.. Você já deve ter ouvido falar no Bitcoin. Embora ele seja o mais conhecido, existem várias outras criptomoedas. Na realidade, muitas delas são muito mais que moedas. Até por isso, a nomenclatura mais indicada é criptoativos, dado que eles possuem características diferentes de qualquer outra superclasse utilizada como mecanismo de preservação de valor no tempo.

Mas então qual é a diferença? 

A principal delas é, sem sombra de dúvidas, a descentralização, que significa que essas moedas não precisam de um banco central ou do Estado para serem regulamentadas e sequer precisam do aval do governo para funcionarem. Com isso, as suas oscilações de preço ocorrem de acordo com a própria dinâmica de mercado por trás da moeda e não por uma interferência estatal, por exemplo.

Mais do que isso, quando você tira do Estado o monopólio sobre o dinheiro, você elimina a existência de fronteiras geográficas e isso faz com que o capital possa circular livremente pelo mundo.

Outra questão importante é o pseudo-anonimato. Algumas transações com criptomoedas não exigem nenhum tipo de informação pessoal para acontecerem, especialmente se o usuário opta pelas transações de pessoa para pessoa. Mas essa questão geralmente é endereçada por meio das corretoras, que são plataformas de negociação desse tipo de ativo e já seguem, em sua maioria, as melhores práticas de conformidade com reguladores de todo o mundo. Vale destacar que, atualmente, a maioria das movimentações com criptoativos é feita por meio desse canal.

Mais do que isso, já existem empresas especializadas em rastreamento de transações, como a Elliptic e a Chainalysis, que auxiliam as autoridades com a ciência forense por trás das movimentações financeiras nas redes de criptoativos.

Por fim, uma parcela importante desse tipo de ativo possibilitam a criação dos chamados smart contracts ou contratos inteligentes. Com eles, é possível dar uma sequência de instruções para o seu dinheiro seguir. Isso cria um número inimaginável de novos modelos de negócios.

Falando em novos modelos de negócio, o Banco Central do Brasil também está fazendo sua parte na inovação dos meios de pagamento. Surgindo como uma alternativa às transferência via DOC e TED, temos o PIX, um novo arranjo de pagamentos com transferências instantâneas que funcionará 24 horas por dia, sete dias por semana. Vale notar que ele representa o primeiro passo na direção da substituição do papel moeda pelo real digital, a CBDC brasileira, que, segundo Roberto Campos Neto, atual presidente do banco central, deverá estar em circulação já em 2022.

Aproveitando a deixa, quero convidar você para o evento que vamos fazer aqui na Exame, o Future of Money, que lançará uma editoria de mesmo nome. A ideia é fazermos o maior evento da América Latina abordando o tema, com os maiores especialistas do Brasil e do mundo debatendo os mais diversos tópicos ligados ao futuro do dinheiro, como PIX, blockchain, open banking, criptoativos e LGPD muitos outros. Serão oito semanas de painéis, começando no dia 15 de outubro. Então, não deixe de se inscrever.

Olhando em retrospecto, a evolução dos meios de pagamentos foi rápida. Logo que surgiram as compras pela internet e os pagamentos precisaram ser não só digitais, mas também online. Além das maquininhas de cartões, ferramentas para pagar em e-commerces começaram a surgir. E empresas donas de aplicativos como Mercado Pago, PayPal, PagSeguro e PicPay ganharam força e hoje registram bons resultados.

Ainda tem também os pagamentos feitos apenas por aproximação do celular, por meio de aplicativos como o samsung pay ou apple pay. Mais recentemente ainda surgiu mais um forma de pagamento, o WhatsApp. O aplicativo anunciou que os usuários poderiam fazer transferências entre si para pagar produtos ou serviços. A ferramenta ainda não foi liberada pelo Banco Central, mas é uma das opções promissoras e um dos potenciais concorrentes dos superapps chineses Alipay e Wechatpay.

Um estudo feito no final do ano passado mostra que seis em cada dez brasileiros das classes A, B e C utilizam meios digitais de pagamentos. E que quase 74% das pessoas no país disseram ter cartões de crédito e de débito. Os dados estão em uma pesquisa chamada “Como fintechs e bancos podem democratizar os serviços financeiros na América Latina”. O levantamento ainda mostrou que o Brasil é o país sul-americano que mais usa os meios digitais de pagamentos.

A troca do papel-moeda e dos cartões pelos meios digitais já vinha acontecendo em vários países, cada um em seu ritmo. Mas existe o consenso entre as empresas do setor financeiro e os próprios consumidores de que a pandemia apressou essa transição. Com a quarentena adotada em diversas partes do mundo, as compras presenciais tiveram uma forte queda.

Mas especialistas acreditam que mesmo quando a rotina voltar a algum tipo de normalidade, as formas de pagamento por aproximação (aquela que usa o próprio chip do cartão ou até mesmo o celular) terão um crescimento explosivo. Manusear cédulas, inserir cartões em maquininhas e digitar a senha ou ir ao caixa eletrônico são grandes oportunidades de contágio para um vírus. E isso é algo que ninguém quer, principalmente logo após uma pandemia.

A combinação do desenvolvimento tecnológico dos últimos anos e os meses de quarentena, dão um impulso para os pagamentos digitais. Os novos meios devem crescer ainda mais nos próximos anos. Isso significa que o dinheiro em papel vai acabar pra sempre? Muito provavelmente não. Especialmente porque a adoção de pagamentos totalmente digitais coloca às margens do sistema financeiro pessoas que não tem acesso a um smartphone ou a um computador, como as classes menos privilegiadas. Mas a tendência é que o uso das cédulas continue diminuindo. Até porque, produzir dinheiro, custa dinheiro.

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