IBM Watson: o computador busca informações em 200 milhões de páginas de livros (IBM/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2012 às 11h45.
São Paulo — O computador Watson, da IBM, entrou para a história da inteligência artificial ao derrotar oponentes humanos no programa de TV Jeopardy, de perguntas e respostas, em 2011. Agora, Watson usa sua inteligência no diagnóstico do câncer e em análises financeiras.
Jim de Piante, que atuou como gerente de projeto no desenvolvimento do Watson, conversou com EXAME.com durante uma visita a São Paulo nesta semana. Ele falou sobre o a criação do Watson, sua preparação para competir no Jeopardy e o futuro dessa tecnologia. Leia a entrevista a seguir.
EXAME.com – O que o Watson faz agora, um ano e meio depois do Jeopardy?
Jim de Piante – O Jeopardy foi interessante para demonstrar a capacidade do sistema e para forçar um desenvolvimento rápido da tecnologia. Mas o objetivo mais importante do Watson é encontrar respostas para qualquer pergunta analisando uma massa de dados em linguagem natural.
Há uma variedade de aplicações nas áreas de medicina, comércio, finanças. E temos um programa chamado Ready for Watson para empresas que querem organizar informações de modo que possam ser analisadas pelo Watson. Muitas novas aplicações vão surgir daí.
EXAME.com – Qual é o próximo passo?
Jim de Piante – A IBM criou uma divisão para oferecer soluções baseadas no Watson em medicina e finanças. Uma das primeiras aplicações é voltada para diagnóstico do câncer e recomendação de tratamentos. Temos um convênio com o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, de Nova York, para isso. Eles têm uma imensa base de dados com o histórico de muitos pacientes. O Watson analisa essas informações e ajuda os médicos a explorá-las.
EXAME.com – Qual será a próxima grande disputa entre humanos e máquinas?
Jim de Piante – Há um desafio em que um computador vai competir com humanos tocando piano. Pode ser o próximo marco nessa disputa. Esse projeto não é da IBM Research, mas é fascinante. Há quem diga que o computador nunca terá a emoção e a paixão de um humano. Mas o pianista só pode expressar esses sentimentos por meio dos sons que produz. E tenho certeza de que esses sons podem ser sintetizados pelo computador.
EXAME.com – A tecnologia do Watson vai permitir que as pessoas conversem com carros e dispositivos móveis?
Jim de Piante – A maneira como o Watson entende as frases é analisando uma quantidade massiva de informações e estabelecendo relações entre elas. Há um processo de aprendizado de máquina que o leva a perceber o que cada pergunta significa. Isso é muito mais complexo do que simplesmente reconhecer palavras faladas.
Um sistema de reconhecimento de voz não tem essa inteligência. Ele converte as palavras em texto, mas não sabe o que esse texto significa. A grande diferença entre o Watson e a Siri (da Apple) é que o Watson pode responder a qualquer pergunta sobre qualquer assunto. E, na maior parte do tempo, ele acerta.
Já um sistema de comando por voz para automóveis, por exemplo, só precisa lidar com um pequeno número de potenciais perguntas. E essas perguntas são previsíveis. Isso não exige, nem de longe, o nível de sofisticação do Watson.
EXAME.com – O enorme poder de processamento exigido é um obstáculo ao uso do Watson em dispositivos pessoais?
Jim de Piante – Não. O Watson é um sistema que responde perguntas. Tanto a entrada como a saída desse sistema – a pergunta e a resposta – são sequências de caracteres simples. Não precisamos carregar o computador conosco. Podemos usá-lo à distância por meio de um smartphone. Basta transmitir a pergunta pela internet e receber a resposta pelo mesmo caminho.
E o hardware também fica menor e mais poderoso com o passar do tempo. Quando o Watson foi construído, ele exigiu 10 gabinetes, cada um do tamanho de um refrigerador. Meses depois, já seria possível construí-lo com um quinto desse tamanho.
Outro detalhe é que, se conseguimos reduzir à metade a quantidade de informação que o Watson vai analisar, podemos trabalhar com menos da metade do poder computacional. O Watson tinha de ser muito poderoso porque ele deveria responder a perguntas sobre qualquer assunto no Jeopardy. Se tivermos um escopo de perguntas reduzido, como num call center, o poder computacional exigido será muito menor.
EXAME.com – Quem teve a ideia de criar um computador para competir no Jeopardy?
Jim de Piante – Em novembro de 2004, Charles Lickel, um executivo da IBM Research, estava jantando num restaurante em Nova York quando várias pessoas começaram a se levantar e ir ao bar anexo, onde havia um televisor. Elas queriam ver o campeão Ken Jennings em sua trajetória vencedora no Jeopardy.
Impressionado pela cena, Lickel propôs o desenvolvimento de um computador para competir no Jeopardy. Seria uma continuação do que a IBM tinha feito com o Deep Blue, o computador que derrotou Gary Kasparov no xadrez em 1997.
Era um enorme desafio. O computador teria de entender a linguagem humana e responder a qualquer pergunta com rapidez. Sua missão seria vencer os melhores competidores humanos. A ideia de Lickel encontrou muita resistência. Alguns achavam que não era possível. Outros argumentavam que o xadrez, um jogo sofisticado, combinava com a IBM, mas um programa de TV não.
Mas Paul Horn, que dirigia a IBM Research, gostou da ideia e levou-a a David Ferrucci, que aceitou a missão de montar um time para realizá-la. O desenvolvimento começou em 2007. Em 2008, nós assumimos o compromisso de competir no Jeopardy em 2011. Tivemos pouco mais de três anos para concluir o projeto.
EXAME.com – Quantas pessoas trabalharam no Watson?
Jim de Piante – O time de cientistas que desenvolveram o software tinha 25 pessoas, a maioria da IBM. Mas algumas eram de outras instituições de pesquisa. E havia muitas outras pessoas encarregadas de outros aspectos, como marketing, gerenciamento e os contatos com a produção do Jeopardy.
EXAME.com – O Watson é só software? Ou o hardware também é específico dele?
Jim de Piante – O hardware foi otimizado para que o Watson pudesse responder às perguntas rapidamente. Mas o Watson, em si, é software.
EXAME.com – Como vocês montaram a base de conhecimentos para o Jeopardy?
Jim de Piante – Obviamente, não podíamos colocar tudo nessa base. Há um volume ideal de dados. Acima dele, quando se acrescentam mais informações, o retorno é cada vez menor porque começa a haver muita repetição. Além disso, ampliar a base de conhecimento aumenta radicalmente as exigências de poder computacional.
A ideia era otimizar a base. O grupo acrescentava um novo lote de informações e, em seguida, rodava um conjunto de perguntas para avaliar o efeito do acréscimo. Se o grupo constatasse que as respostas do Watson haviam melhorado, esse lote de informações era mantido. Se tivessem piorado, ele era removido.
EXAME.com – O Watson errou algumas perguntas...
Jim de Piante – Sim. Isso foi embaraçoso. Como exemplo, há uma falha que os brasileiros vão entender melhor que os outros povos. A categoria era “pais” e, a pista, “o pai da bacteriologia”. A resposta, é claro, é o cientista francês Louis Pasteur. Mas Watson achou que a questão estava ligada a um filme brasileiro (dos anos 70) chamado “Como era gostoso meu francês”. Acabou dando uma resposta sem sentido.
EXAME.com – O Watson vai entender outras línguas, além do inglês?
Jim de Piante – Sem dúvida. No momento, Watson só entende inglês. Mas deveria entender português também. Isso vai levar algum tempo e depende de cada país, do interesse em usar essa tecnologia em outras línguas. Depende de considerações de marketing e de negócios.
EXAME.com – Que outros aperfeiçoamentos vocês pretendem fazer?
Jim de Piante – Nosso desafio, no momento, é encontrar empregos de verdade para o Watson, onde ele realmente seja útil e ajude às pessoas. O desafio seguinte é fazê-lo entender outros idiomas. Mas a parte mais difícil já foi feita. Agora, é só uma questão de transferência de conhecimento.
Para que o Watson trabalhe em outra língua, precisamos construir um repositório de informações nessa língua. Então, teremos de assegurar que os algoritmos funcionem bem naquele idioma. Isso vai exigir o trabalho de pessoas que sejam falantes nativos dessa língua.