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Vivemos a Renascença dos games, diz criador de Journey

Para o jovem designer chinês, os games vivem atualmente uma época dourada

Jenova Chen: Para o jovem designer chinês, os games vivem uma época dourada (Arquivo Pessoal)

Jenova Chen: Para o jovem designer chinês, os games vivem uma época dourada (Arquivo Pessoal)

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Da Redação

Publicado em 5 de agosto de 2012 às 13h09.

São Paulo - O jogo que vendeu mais rápido na história da Playstation Network tem uma particularidade curiosa: é um jogo sem diálogos. Journey, atualmente exposto no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE), exibição de arte em São Paulo, é mais uma obra com a marca registrada de Jenova Chen, designer chinês que já tinha criado games em que, em vez de comandar personagens, o jogador assumia controle de elementos como ventos e nuvens.

Nascido em Xangai, Jenova se mudou para os Estados Unidos logo após se formar Ciência da Computação e Design em seu país natal. Na Califórnia, se tornou um dos nomes mais celebrados da indústria de games. Em entrevista a INFO, o designer fala sobre o sucesso de seu game e o futuro da indústria de games.

Na sua avaliação, por que Journey se tornou o jogo de PSN que vendeu mais rapidamente? Existem muitas razões para isso. Uma delas é que a “thatgamecompany” (desenvolvedora de Chen) já lançou alguns jogos por lá antes e tem boa reputação. Os usuários estavam ansiosos para conhecer Journey e logo resenhas positivas viralizaram na rede PSN, tratando Journey como um jogo “triplo A”, termo usado para definir games de alta qualidade.

O jogo está sendo exibido em São Paulo na FILE, ao lado de obras de arte. Games são uma manifestação artística? Flow (2006) e Flower (2009), outros games que criei, também foram exibidos em edições da FILE – nós já viramos clientes de carteirinha (risos). Claro, me sinto honrado desses trabalhos serem considerados arte. Eu estudei Artes e sempre quis associar meus trabalhos a isso, por mais que eles sejam lançados comercialmente. Em 2009, Flower esteve no Museu de Arte Contemporânea de Xangai (MOCA), numa exposição de artistas chineses e belgas, ao lado de instalações e outras obras de arte digital – mesmo sendo um jogo. Essa foi uma experiência muito interessante. Em certo dia, cheguei mais cedo ao local e vi guardas do museu jogando Flower antes da exposição abrir. Pessoas que normalmente não jogariam videogames estavam interagindo com Flower.

Atingir pessoas que não são gamers é uma intenção sua? Minha filosofia é fazer jogos para seres humanos, não apenas para quem já joga. Acredito no videogame como uma mídia interativa, algo para todos. Hoje, todos usam navegadores, internet, vão a museus, interagem com muitas coisas, mas nem todos jogam videogames. Isso ocorre porque o conteúdo dos jogos ainda é muito limitado. A maior parte dos títulos é direcionada para o perfil de pessoas que já possuem consoles - homens entre 15 e 35 anos, provavelmente. São jogos relacionados a poder, fantasia e competição. Há muita testosterona. Se você pensar em fazer jogos para todos, então esse não é o sentimento que todos precisam. Por isso, busco emoções que não são normalmente exploradas na paisagem natural dos games. Coisas como relaxamento, por exemplo. Acho que isso pode interessar a qualquer pessoa, independente de sexo ou idade.

Os games são apenas diversão ou uma mídia importante, que ajuda a informar e educar? O videogame é uma mídia importante pela enorme quantidade de pessoas que está interagindo com os jogos todos os dias. Com as redes sociais, surgiram muitos jogadores casuais que nunca experimentaram propriamente um game de console – mas ainda assim, podem ser considerados gamers. Nesse território, até a distribuição entre homens e mulheres está equilibrada. Na minha visão, o que falta para os videogames serem respeitados como mídia universalmente é uma questão de conteúdo. Temas que possam emocionar e inspirar todo tipo de pessoa e proporcionar a elas uma nova forma de olhar o mundo.


Atualmente, você está envolvido em dois projetos audiovisuais sobre games, o filme “Us and the Game Industry” e a série de vídeos “Critical Path”. Cinema e games vão se aproximar? Não é por acaso que muitos cineastas estão interessados em filmar a cena atual de desenvolvedores de games. Com a ascensão dos desenvolvedores independentes e a queda no custo para criar jogos, nós estamos vivendo a Renascença dos videogames. Na indústria cinematográfica, os custos eram enormes e as produções eram limitadas a grandes estúdios, até surgirem produções independentes e estudantes de cinema exibindo seus filmes em festivais e salas menores. Muitas inovações no cinema surgiram nesse momento. Acredito que, no futuro, essa época será vista como o momento em que os games começaram a amadurecer. É uma época muito interessante com artistas igualmente interessantes.

Estar nos Estados Unidos é essencial para criar games de sucesso global? Você poderia fazer o mesmo trabalho a partir da China? Eu tive três convites de emprego nos Estados Unidos após me formar na China. Um deles era para ser programador na Microsoft, o outro para ser designer numa produtora de publicidade e um último para ser artista numa empresa de MMO. Era uma decisão difícil, eu queria fazer os três, então decidi vir para o Ocidente para aprender mais. Estudei Cinema por um tempo, mas sinto que isso serviu mais para adiar minhas escolhas profissionais. Mas isso me esclareceu bastante sobre a opção por games. Percebi que podia contribuir melhor no ramo de mídia interativa. Agora não me interesso mais por fazer filmes de forma alguma. Tenho amigos trabalhando nesse ramo, sei como é e considero a área de games muito mais interessante.

Seus jogos não prezam pelo uso de palavras. Por que enredos mínimos? Eu cresci na China, sem grande noção cultural sobre como as coisas funcionam no Japão ou nos Estados Unidos. Se eu fizesse jogos normais de console, eu não teria vantagem nesse aspecto. Tive que escolher coisas que poderiam ter apelo tanto para ocidentais quanto para orientais e achei que os roteiros enxutos cumpririam essa função. Eu também não uso palavras por ser péssimo em literatura. Eu não leio muito, eu não escrevo muito, mas sei que posso usar imagens e sons para me expressar, passando sentimentos e significados. Em Journey, busquei transmitir uma sensação de estranheza e de ser pequeno diante do mundo, para que todos pudessem interagir e cooperar.

Você disse que é péssimo em literatura, mas você constrói boas narrativas. Narrativa não é literatura. Narrativa é dominar o arco de intensidade das emoções. Isso nós sabemos fazer bem, ainda que sem palavras.Os jogos precisam de momentos catárticos? Todo artista, seja você um escritor, um cantor, um dançarino, um diretor, um músico, um designer de games, todos estão em busca do momento catártico porque é a única forma pela qual você pode tocar um adulto. Eu não diria que consegui isso em todos meus jogos, mas Flower e Journey foram feitos especificamente para provocar a catarse.

Seu nome de batismo é Xinghan e você adotou o nome Jenova em função de um personagem de Final Fantasy VII?
Meu melhor amigo se apelidou de Cloud (protagonista de FFVII). Nós fazíamos aula de inglês juntos e todos na sala tinham que criar um apelido. Eu tinha dificuldade para pronunciar Sephiroth (vilão de FFVII), então pensei sobre o que poderia fazer para superar esse amigo. Jenova tinha relação com a origem das células que Cloud e Sephiroth tinham. Cloud é uma espécie de clone de Sephiroth e ele, por sua vez, é uma espécie de filho de Jenova. Então, de certa forma, Jenova é a vó (ou vô) de Cloud. Achava isso muito legal (risos). Depois, fui pesquisar a real origem da palavra e vi que ela poderia significar “o novo Deus”. Claro, se eu soubesse disso antes, eu não teria escolhido o nome.

O que podemos esperar do seu próximo trabalho, agora que o contrato de sua devenvolvedora com a Sony acabou?
Já pensou em criar games para o console movido a Android, Ouya? Os criadores do Ouya fizeram contato comigo, para que eu promovesse o console – mas ele nem está disponível ainda. Assim que ele estiver no mercado e provar que tem força, claro, gostaremos de trabalhar com eles. Mas ele tem que existir primeiro.

Li que você considera que videogames ainda são muito caros. O que você pensa sobre pirataria?
Acho que a pirataria é justamente um sinal de que os jogos são muito caros. Mas a pirataria está começando a ser superada pela indústria por meio de demos e outros tipos de promoção, como os conteúdos exclusivos para download, os pacotes de jogos, entre outros. São opções com custos menores e maneiras mais flexíveis de pagar. Acho que isso tende a minimizar o problema da pirataria com o tempo.

Uma vez você disse que a Sony tem jogos mais artísticos e adultos. Você acha que encontrará esse tipo de público agora que está fora da Sony? As pessoas já sabem quem é Jenova Chen? Essa notícia foi muito estúpida. Alguém da imprensa me mandou um e-mail perguntando o que eu tinha a dizer sobre a PSN, agora que nosso contrato com a Sony estava terminado. Eu queria dizer algo bom sobre nossa época com eles e ressaltei que eles se preocupam com esse lado artístico e maduro em jogos e, sendo assim, quem tinha acesso à PSN, teria mais chance de abraçar títulos como os nossos. Minha intenção era encorajar desenvolvedores que queriam fazer jogos dessa linha. Mas o jornalista apenas publicou algo como “Jenova Chen diz que PS3 tem mais títulos maduros que X360 e Wii”. Essa foi uma invenção ridícula.

O que você recomendaria de jogos clássicos para aqueles que gostam de Flower e Journey? Eu acho que é bom conhecer toda a história clássica dos videogames, coisas como Pac-Man e Mario, e coisas recentes como Shadow of the Colossus e ICO, que foram grandes influências para mim.

Mas essa é uma pergunta difícil, por não saber quem é o público exato de que estamos falando aqui. Às vezes, você está triste e quer consumir algo feliz. Há um leque incrível de produtos que você pode adquirir para isso. Você pode ir a um parque de diversões, você pode ouvir música feliz, você pode assistir a um seriado, até ler um livro de autoajuda. E certamente há algum jogo que você pode jogar para se sentir feliz – provavelmente Katamari Damacy (risos). Essa deve ser a felicidade pura se tratando de games, não é? Mas existem outras necessidades e desejos humanos de emoção. Algumas pessoas gostam de se sentir tristes, então há tragédias; outras gostam de ter pensamentos profundos sobre acontecimentos da vida real, então há documentários.

Portanto, acho que para recomendar algo para qualquer segmento de pessoas, é necessário saber pelo que estão famintos. Se for empolgação ou sensação de alcançar objetivos, acho que muito dos videogames modernos podem fornecer isso. Acho inclusive que para a sensação de alcançar objetivos, o videogame é o que há de melhor hoje em dia. Mas se for nostalgia, romance e drama, acho que o cinema ainda é uma linguagem mais forte nesse momento. Mas não é possível indicar algo para todos.

O que restou para você atingir a seguir em sua carreira? Eu nunca atingi o que eu queria. Nós começamos a “thatgamecompany” porque muitas pessoas nos escreviam pedindo que mostrássemos ao mundo o tipo de jogos que estávamos fazendo enquanto estudávamos. Isso ajudaria as pessoas a ver os games de forma diferente, não sendo limitados apenas a violência, sexualidade e competição. Sinto que ainda não cumpri esse dever – mudar a opinião do público sobre o que é videogame. Eu quero que qualquer pessoa possa enxergar videogames como algo com que ela possa se relacionar e ter na sua rotina.

E o que você produzirá a seguir para alcançar isso? Bom, eu não posso falar para você (risos). Mas sonho com um jogo a que o mundo inteiro, ou pelo menos a maior parte dele, tenha acesso e posso jogar comunitariamente.

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