Discussão sobre como filmar um vídeo não é recente, mas tem ganhado cada vez mais força nas redes sociais (David Paul Morris/Bloomberg)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de julho de 2018 às 10h32.
Última atualização em 5 de julho de 2018 às 10h34.
A discussão sobre como filmar um vídeo não é recente, mas tem ganhado cada vez mais força nas redes sociais. De um lado, há os que defendem a tradição do cinema, da TV e até do YouTube. Do outro, estão os que acreditam na simplicidade de "uma ideia na cabeça e um celular na mão". Nas últimas semanas, o argumento do segundo time ganhou força com o lançamento da IGTV, a televisão do aplicativo de compartilhamento de fotos e vídeos Instagram.
Nessa nova TV online, só é possível assistir a vídeos na vertical."Sempre sentimos que havia algo errado em ver vídeos no celular na horizontal", disse o brasileiro Mike Krieger, cofundador do app. Há dez dias no ar, ela inverte uma tradição de mais de um século. "Nós temos os dois olhos alinhados na horizontal", explica o diretor de cinema e TV Philippe Barcinski (da série 3% e da novela Velho Chico). "O cinema e a TV saíram disso: é algo que dá conforto para o espectador".
Na internet, a tradição se manteve. O YouTube, fundado em 2005, apostou no formato, vendendo a ideia de que qualquer um poderia ter seu próprio canal na web. Mas treze anos e 1,9 bilhão de usuários ativos depois, o "faça você mesmo" nem sempre funciona mais, porque a plataforma ficou mais sofisticada."Os vídeos estão muito profissionais. Não é mais uma plataforma amigável para quem está começando", diz PC Siqueira, youtuber pioneiro do País. "Já não cabe mais fazer um conteúdo sem compromisso, falando do dia a dia, como eu fazia."
O Instagram tenta crescer em cima de uma mudança no consumo de vídeos, promovida pela explosão do uso de smartphones nos últimos anos - e um dos principais fatores que levou o próprio YouTube a crescer. "O público vê meus vídeos deitado na cama com o celular, não na TV", diz Pedro Rezende, o RezendeEvil, que tem 17,7 milhões de inscritos no YouTube - hoje, a maioria das visualizações na plataforma é feita em dispositivos móveis.Usar o celular não só para ver, mas para produzir seus próprios vídeos também se tornou corriqueiro.
"Já defendi que só se podia filmar na horizontal", diz Barcinski. "Hoje, só digo isso se a pessoa quiser que seu vídeo vá para TV ou cinema." Há quem seja contra. "As pessoas não estão dispostas a virar o telefone", avalia Luli Radfahrer, professor da Universidade de São Paulo (USP). "O vídeo na vertical não é uma proposta estética, é uma resignação." A IGTV pega carona no sucesso de outro recurso do Instagram dedicado ao conteúdo "vertical": o Stories, que permite publicar fotos e vídeos de até 15 segundos, que somem após 24 horas.
Inventado pelo Snapchat, o recurso se popularizou e deu espaço para vídeos mais curtos, simples e pessoais - na IGTV, porém, os vídeos podem ter até uma hora de duração."É algo para a pessoa assistir enquanto faz outras coisas, é mais simples", diz PC Siqueira, que usa a IGTV desde a estreia. "Quando eu vejo um vídeo na horizontal, sinto que eu tenho que me concentrar para vê-lo."
Por enquanto, o IGTV ainda não representa uma ameaça direta ao YouTube, segundo especialistas. A plataforma do Google também não vê a "TV do Instagram" como rival. "Hoje, nós somos uma grande enciclopédia; há espaço para outras plataformas com atuação segmentada", diz Fernanda Cerávolo, diretora do YouTube no Brasil.
Já os influenciadores apostam que a IGTV pode ser uma alternativa à "guerra" de produtores de conteúdo dentro do YouTube, reduzindo a barreira de entrada para iniciantes. "A IGTV vai abrir a oportunidade para quem nunca fez vídeo", diz Marina Viabone, do canal Primeiro Rabisco, que pretende gravar versões de seus vídeos para ambas as plataformas.Ideia parecida é a de Osmar Portilho, o Josmi, cujo canal traz dicas para quem quiser produzir seu próprio conteúdo.
"Meu plano é manter o foco no Youtube, mas aproveitar a IGTV para fazer um conteúdo exclusivo", diz ele, que reclama da limitação. "Para quem faz audiovisual, gravar na vertical é terrível." Em um de seus vídeos para a IGTV, ele até comenta a sensação de estar "espremido na tela", sem poder gesticular direito.
Por enquanto, os youtubers que têm produzido conteúdo para a IGTV veem a plataforma como um investimento em médio prazo: querem chamar a atenção do público agora para ganhar dinheiro depois. Isso porque a IGTV ainda não exibe anúncios. "Queremos que seja algo equilibrado entre os influenciadores, nós e as marcas", disse Krieger.
O histórico do Instagram mostra que se trata de uma preocupação genuína: desde que começou a ter anúncios no app, em 2015, a empresa ajusta o conteúdo de marcas para que não destoem das fotos bonitas, cheias de filtros, publicadas por lá. O resultado é uma experiência diferente da existente no YouTube, onde anúncios são exibidos no início ou no meio dos vídeos, sem adaptações.
Há ainda um longo caminho até a IGTV dar dinheiro. Até lá, o debate sobre formato pode mudar de rumo. "O vídeo na vertical faz sentido no celular hoje", diz Luiz Peres-Neto, professor de comunicação Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Talvez em 10 anos, essa discussão não tenha a menor pertinência, seja porque o smartphone se tornou onipresente ou porque perdeu espaço para um novo gadget."