BOLSA DE NOVA YORK: os relatórios de contabilidade das empresas já não cumprem sua função a contento. Os relatórios são praticamente os mesmos há 110 anos / Spencer Platt/ Getty Images
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2016 às 17h45.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.
O americano Eric Ries ficou conhecido com “A Startup Enxuta”, publicado há cinco anos. Misturando o tom sério das publicações acadêmicas com a experiência de quem já esteve nas trincheiras, o livro rapidamente foi comparado a clássicos da inovação, como o sempre citado “O Dilema dos Inovadores”, do professor de Harvard Clayton Christensen. Mas Ries não vem da academia nem tinha a intenção de escrever um tratado. Seu objetivo era explorar o estranho mundo das startups, que muitas vezes parecem operar sob regras diferentes das que valem para as outras empresas. Por mais belas e inspiradoras sejam as histórias de empreendedores obstinados, que tentaram, tentaram e tentaram até ter sucesso, a realidade é que a imensa maioria das empresas iniciantes, especialmente no setor de tecnologia, vai morrer pelo caminho.
Agora, Ries está mirando num alvo diferente e mais complexo – a bolsa de valores. E botando a mão na massa, pois ele é acima e antes de tudo um empreendedor. A nova startup de Ries quer criar o que ele chama de Bolsa de Valores de Longo Prazo (long-term stock exchange, ou LTSE, na sigla em inglês). A equipe é enxuta, naturalmente. São cerca de 20 engenheiros, executivos especializados em finanças e advogados. Mas os mais de 30 investidores que colocaram dinheiro na ideia estão entre os nomes mais estelares do Vale do Silício, incluindo Marc Andreessen, um dos criadores do navegador Netscape e sócio do fundo de capital de risco Andreessen Horowitz. A ideia, como deixa claro o nome, é criar um mercado de ações que não seja obcecado com o curto prazo e que, portanto, seja mais racional (ou, no mínimo, menos irracional).
“Dizem para todo mundo: ‘Não abra o capital’”, afirmou Ries à Bloomberg. “O senso comum agora é que, se você abrir o capital, não vai mais conseguir inovar.” Ries se refere às empresas chamadas unicórnios, companhias privadas com valor de mercado acima de 1 bilhão de dólares e cujo caminho natural seria um IPO. Como sabem tantos empreendedores, fazer uma oferta inicial de ações na bolsa pode levar a um comportamento “autodestrutivo”. Depois do IPO, diz Ries, “os funcionários conferem o valor das ações todos os dias, e é palpável como isso afeta a tomada de decisão dos executivos”, mesmo os de nível médio. Como o mercado de ações tende a recompensar o crescimento, o reflexo instintivo das empresas é sacrificar a inovação no altar das metas trimestrais.
Segundo o plano de Ries, para ser listada na LTSE a empresa teria de se adequar a alguns critérios. Um deles tem a ver com a remuneração dos funcionários, que não pode estar atrelada ao desempenho das ações. Uma das ideias é que parte das opções de compras de ações (stock options) só possam ser executadas depois que os executivos deixem a empresa, o que os incentivaria a trabalhar pensando no longo prazo. Outra ideia é atribuir mais peso aos votos dos acionistas que detenham os papeis da companhia há mais tempo, para tirar o incentivo de aquisições.
O objetivo é nobre, mas existem alguns obstáculos básicos para superar. O primeiro é efetivamente lançar a bolsa de longo prazo. Ries afirmou à Bloomberg que já está em conversas com a Securities and Exchange Commission, o órgão que regula os mercados mobiliários americanos. De qualquer modo, serão necessários anos até que se resolvam todas as questões regulatórias para o lançamento da LTSE.
Em segundo lugar, existe uma questão filosófica. E se, em vez de estimular o planejamento de longo prazo, a bolsa recompensar executivos complacentes e conservadores? “A ameaça de uma aquisição talvez seja a maior responsável por garantir que as empresas se comportem direito”, disse à Bloomberg Larry Harris, professor de finanças da escola de administração da Universidade do Sul da Califórnia. A ideia de Ries, no fim das contas, poderia acabar tendo o efeito contrário ao esperado.
Finalmente, há o problema do modelo de negócios. Ries afirma que as receitas viriam da venda de ferramentas de software e comissões – mas aí entra a concorrência dos dois grandes mercados de ações americanos, a New York Stock Exchange e a Nasdaq. Ele afirma que não está procurando candidatos naturais a um IPO, como Airbnb ou Uber, ambas companhias de capital fechado avaliadas em dezenas de bilhões de dólares, mas sim startups de tamanho médio. Segundo Ries, listar a empresa na LTSE seria um selo de qualidade extra. “Você está anunciando para o mercado que está disposto a ser avaliado de acordo com padrões mais exigentes”, afirmou ele. “Esse é o padrão-ouro, a versão de mais longo prazo, mais hardcore de abrir o capital.” Quem será a primeira?
(Sérgio Teixeira Jr., de Nova York)