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TV com laranja

O que está por trás da definição sobre o padrão da televisão digital no Brasil

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h23.

A troca de todos os televisores analógicos do mundo por digitais poderá custar, se as previsões estiverem corretas, até 6 trilhões de dólares nos próximos dez anos. Mesmo que custe um décimo disso, dá para entender perfeitamente a pressão dos fabricantes de equipamentos eletrônicos pela escolha dos seus padrões tecnológicos preferidos nos países que ainda não fizeram sua opção, como o Brasil. O que é bem mais difícil de entender é a verdadeira confusão geopolítica que parece ter sido armada em cima de uma opção técnica até certo ponto trivial.

Há uma série de definições necessárias para que um televisor digital funcione: como receber o sinal das emissoras e transformá-lo num fluxo contínuo de bits, como dividir esses bits nos diversos programas de TV e interpretar os serviços e, finalmente, como decodificar a imagem e o som de cada programa ou serviço. São, ao todo, quatro padrões. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) promete para este mês de agosto uma consulta pública sobre os dois últimos estudos que precedem a escolha de todos eles para a TV digital brasileira. "A Anatel está fazendo a modelagem para a escolha dos padrões e a exigência de contrapartidas comerciais. Com base nessa modelagem, o governo tomará as decisões", disse a EXAME o ministro das Comunicações, Juarez Quadros. Como a escolha era prometida para 2001, o mercado está impaciente. "Os elementos necessários já estão na mesa. Não há motivo para adiar a decisão", afirma um dos envolvidos.

É o primeiro padrão, o de transmissão e recepção, que tem gerado mais celeuma. Na disputa, há três concorrentes: o japonês (ISDB-T), o europeu (DVB-T) e o americano (ATSC). Cada um tem seus pontos fortes e fracos. Grosso modo, o japonês oferece o paraíso tecnológico e o inferno comercial. O americano, o inferno tecnológico e o paraíso comercial. E o europeu, uma espécie de purgatório em ambas as áreas (leia o quadro comparativo ao lado).

As emissoras de TV, que promoveram testes de todos os três, têm feito pressão pela adoção do padrão japonês, que só entrará em funcionamento no próprio Japão em 2003. Nos Estados Unidos, a TV digital aberta, baseada em alta definição, é um fracasso. Embora já tenham sido vendidos 2,6 milhões de receptores ATSC e 325 estações já transmitam digitalmente para 80% do território americano, apenas 250 000 televisores, ou 0,1%, são usados para receber os sinais abertos (a TV paga atinge mais de 90% das residências). Na Europa, a britânica ITV Digital e a espanhola Quiero TV foram à falência por tentar competir com a TV paga. Só há outros seis países no mundo com TV digital aberta funcionando. Por que, então, a pressa das emissoras para uma escolha que deve custar a elas 9 bilhões de dólares nos próximos anos, com retorno incerto?

A explicação está na necessidade de expansão para outros negócios. Com o padrão japonês, o preferido das redes de TV, seria possível oferecer TV móvel e competir de alguma forma com o celular de terceira geração. Só que, enquanto as operadoras de celular pagaram bilhões de dólares pelo direito de operar seus serviços, o segundo canal digital será concedido às emissoras de TV de graça durante um período de transição com transmissão analógica simultânea que, sendo otimista, ficaria em dez anos. Depois, o canal analógico será devolvido. É fato que, nos Estados Unidos e na Inglaterra, tal transição deverá ultrapassar a data-limite. E os americanos já protestam contra os 70 bilhões de dólares em espectro distribuídos de graça às emissoras para oferecer TV de alta definição a 1% da população.

A Anatel terá de optar por um modelo que garanta a produção de conversores a preços acessíveis, para assegurar uma migração mais rápida. "No Brasil, um modelo baseado em alta definição não teria penetração superior a 50% e multiplicaria por quatro o custo do conversor", diz um dos envolvidos na escolha. Para o consumidor, o modelo é a decisão importante. "O padrão de transmissão se resume a um chip na caixa conversora que não chega a 20% do custo", afirma Olímpio José Franco, presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET). Qualquer empresa pode fabricar aparelhos em qualquer padrão. "Vamos produzir no país, independentemente do padrão", diz Carlos Alberto Cardoso, vice-presidente no Brasil da Philips, que defende o sistema europeu.

Para o país, porém, há outra questão. O Brasil tem tido superávits crescentes na balança comercial com a venda de TVs em cores -- foram 112 milhões em 2001, contra 10 milhões em 1998. "Isso tem de ser mantido", diz o ministro Quadros. As oito fábricas que produzem TVs no país teriam de investir 200 milhões de dólares para começar a produzir o aparelho digital. Mas como garantir que os componentes importados (hoje 40% do produto) não pesarão na balança comercial? Dá para ter contrapartidas em troca da escolha do padrão? A dificuldade é que as patentes pertencem a empresas, não a governos. É fundamental tentar criar no Brasil competência técnica para produção de TVs digitais. Só não dá para cometer dois erros: 1) trocar a escolha por incentivos a setores que nada têm a ver com TV, como aço ou laranja; 2) acreditar que a tecnologia não é importante. Esse tipo de consideração vale também para a definição da concorrência para a compra de 12 novos caças da FAB (veja a reportagem da pág. 80). Se houver equívoco técnico, só uns poucos comprarão TV digital. Portanto poucos fabricarão, e qualquer contrapartida não passará de ilusão.

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