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Snapchat: a foto desaparece, os dólares surgem

David Cohen O sucesso da startup Snapchat parecia destinado a ser tão efêmero quanto o serviço que ela presta — fotos, vídeos e mensagens que se auto-destroem depois de algum tempo. Os problemas que alguns analistas apontavam pareciam ser intransponíveis: uma base de assinantes pequena e formada majoritariamente por um público sem dinheiro (a garotada […]

SNAPCHAT: a consultoria eMarketer prevê que a receita da rede social chegue a 1,76 bilhão de dólares em 2018 / / Getty Images (Carl Court/Getty Images)

SNAPCHAT: a consultoria eMarketer prevê que a receita da rede social chegue a 1,76 bilhão de dólares em 2018 / / Getty Images (Carl Court/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 19 de outubro de 2016 às 20h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

David Cohen

O sucesso da startup Snapchat parecia destinado a ser tão efêmero quanto o serviço que ela presta — fotos, vídeos e mensagens que se auto-destroem depois de algum tempo. Os problemas que alguns analistas apontavam pareciam ser intransponíveis: uma base de assinantes pequena e formada majoritariamente por um público sem dinheiro (a garotada abaixo dos 20 anos), a quase completa ausência de receita e um produto que, se algum dia fizesse sucesso comercial, poderia ser facilmente copiado tanto pelas redes sociais já estabelecidas quanto por novos concorrentes.

A imagem agora é tão diferente que pouca gente duvida que a empresa seja capaz de atingir um valor de mercado entre 20 e 25 bilhões de dólares na abertura de capital anunciada na semana passada e prevista para acontecer por volta de março do ano que vem. Há quem diga que o Snapchat representa uma séria ameaça ao Facebook, ao Twitter, ao YouTube e até às redes de televisão.

O sucesso do IPO (iniciais de oferta pública inicial, em inglês) do Snapchat pode inclusive sinalizar o fim da seca de aberturas de capital nos Estados Unidos com a estreia em bolsa mais valiosa desde 2014, quando o site de compras chinês Alibaba atingiu a estrondosa cifra de 168 bilhões de dólares.

O que mudou tanto, em tão pouco tempo? Pouca coisa, e ao mesmo tempo quase tudo. Primeiro, o dinheiro: a companhia anunciou este ano que prevê faturar entre 250 e 350 milhões de dólares em 2016, e 1 bilhão de dólares no ano que vem. (De acordo com fontes do jornal The Wall Street Journal, o faturamento deste ano caminha para superar a estimativa mais otimista.) Para 2018, a consultoria eMarketer prevê que a receita chegue a 1,76 bilhão de dólares. É um salto e tanto em relação aos 60 milhões de dólares de 2015.

Mesmo assim, isso não significa que a empresa seja lucrativa – ela ainda está em fase de aposta no crescimento. O faturamento previsto para daqui a dois anos, mais de cinco vezes o atual, ainda representaria menos de 1% do mercado de publicidade digital no mundo, calculado em 185 bilhões de dólares. O Snapchat estaria atrás de outras 12 companhias.

O momento, porém, é de euforia: o Snapchat está bem posicionado para capturar anúncios em vídeo, a parcela de publicidade online que mais cresce no mundo.

Este é o resultado de duas estratégias que a startup adotou no último ano para monetizar seu serviço: permitiu que empresas patrocinem filtros e outros efeitos especiais para as fotos e vídeos que o usuário produz no aplicativo; e acrescentou comerciais em vídeo nos intervalos de histórias produzidas por companhias de mídia ou feitas pelos próprios usuários.

A inclusão dos vídeos de terceiros (que criam o ambiente propício para comerciais) foi justificada por Evan Spiegel, co-fundador e CEO da Snapchat, como uma forma de “mostrar conteúdo de que as pessoas possam gostar enquanto esperam pela resposta de seu amigo”. Em janeiro, os usuários do Snapchat já assistiam a 7 bilhões de vídeos por dia. Hoje, são 10 bilhões.

A conquista da Europa

O salto na receita foi possível porque a base do Snapchat ultrapassou os 150 milhões de usuários ativos em julho, um crescimento de 70% em pouco mais de um ano. A adesão em massa foi estimulada por um plano de expansão internacional iniciado em dezembro passado, com a abertura de um escritório em Londres. Em abril, foi a vez de Sydney, na Austrália, e em seguida Paris.

Um terço dos usuários do Snapchat hoje são europeus. “Nós estamos rapidamente expandindo nossa equipe de vendas global”, disse Imran Khan, o executivo responsável pela estratégia da companhia (contratado em 2014, logo depois de ter ajudado, como empregado do Credit Suisse, a fazer o IPO do Alibaba). “Queremos satisfazer a demanda em todos os mercados da Europa Ocidental.”

Mais que o número, a qualidade dos novos usuários está mudando. No Reino Unido, 77% deles têm mais de 18 anos e 43% são pais de família. Nos Estados Unidos, mais da metade dos novos usuários têm mais de 25 anos – afastando a imagem de que o Snapchat é um aplicativo restrito a adolescentes.

Segundo um estudo da consultoria de mercado Nielsen, feito em setembro do ano passado, o Snapchat atinge 41% de todos os americanos na faixa dos 18 aos 34 anos – a parcela da população mais valiosa para a publicidade. Até o final deste ano, uma pesquisa da eMarketer estima que a companhia atinja 58 milhões de americanos, quase um terço de todos os usuários de redes sociais.

Essas características têm posicionado o Snapchat como uma ameaça ao Facebook e seu serviço de mensagens com foto, o Instagram, tanto no apelo ao público jovem como na disputa pelas verbas publicitárias.
Pela disposição com que tem adicionado conteúdo ao aplicativo – e pelo fato de esse conteúdo ser efêmero – o Snapchat tem sido comparado à TV tradicional, com a qual também pode no futuro disputar verbas publicitárias.

Ficar mais adulto

Aparentemente, Spiegel decidiu que estava na hora de o serviço, criado em 2011 em Stanford com os colegas Bobby Murphy e Reggie Brown, ficar mais adulto. Do mesmo modo que o Google, que criou o Alphabet, em setembro ele anunciou um pai para o Snapchat: o Snap.

A ideia é que a empresa se torne um grupo, do qual o Snapchat seja um dos produtos. No mesmo dia em que anunciou o novo nome, Spiegel lançou – também lembrando o Google – um óculos equipado com uma câmera de vídeo, o Spectacles. A ideia não funcionou para o Google, mas pode dar certo para o Snapchat, porque em vez de um aparelho revolucionário ele é apresentado como um brinquedo divertido, apenas para gravar vídeos de dez segundos a cada toque nos óculos.

Sobre os motivos para se rebatizar, a companhia afirmou que o nome foi criado para atrair investidores. “Você pode buscar Snapchat ou Spectacles para as coisas divertidas e deixar Snap Inc para a turma de Wall Street”, dizia o blog da empresa. A “turma de Wall Street” começa pelos bancos Morgan Stanley e Goldman Sachs, apontados na semana passada como condutores principais do processo de IPO.

Provavelmente o Snap vai ter de mostrar mais do que o corte no nome para animar os investidores. A empresa pisou no acelerador mas, mesmo considerando a receita prevista para 2017, um IPO de 25 bilhões de dólares representaria uma relação preço/receita de 25. Para comparar, o Facebook tem uma taxa perto de 17 e o Google, abaixo dos 7.

O que explicaria pagar tanto pelas ações do Snap seria a crença de que o crescimento nas vendas mal está começando.

O movimento dos unicórnios

A rigor, 25 bilhões de dólares de valor de mercado não é assim tão distante dos quase 18 bilhões de dólares que o Snap já atingiu, como valor de mercado, de acordo com sua mais recente rodada de investimentos privados. Longe, bem longe, estão os idos de 2013, quando Spiegel foi tachado de tolo por não vender sua companhia para o Facebook, pela oferta (então considerada generosa) de 3 bilhões de dólares.

Há uma diferença crucial, porém. Nas rodadas privadas – e o Snap já levantou cerca de 2,5 bilhões de dólares nelas – o valor da companhia é estimado não pelo consenso do mercado, mas pela aposta de alguns poucos investidores. Na maioria das vezes, esses acordos de investimento trazem cláusulas de proteção para o fundo pagador. Por exemplo, se a empresa não atingir um valor mínimo, pode ter de compensar o investidor com uma participação maior. Por isso as estimativas obtidas em transações privadas precisam ser avaliadas sempre com algum ceticismo.
Isso explica, aliás, a disseminada desconfiança em relação aos unicórnios – a classe de empresas que não abriram capital mas já foram avaliadas, em rodadas de investimentos, para além do 1 bilhão de dólares. Raros no início da década, os unicórnios proliferaram nos últimos dois anos, em boa medida porque, ante os juros baixíssimos e os resultados pífios nas bolsas de valores, os fundos de investimentos tradicionais começaram a despejar dinheiro no mercado de private equity.

A percepção de que existe uma nova bolha entre empresas de tecnologia já alterou a dinâmica de investimentos. Não, eles não diminuíram; até cresceram no terceiro trimestre deste ano. Mas o número de negócios diminuiu. Quer dizer: mais dinheiro está indo para menos empresas.
A reticência dos investidores coloca mais pressão nas companhias para se tornar abertas – a forma tradicional de obter investimento. Além disso, os próprios investidores privados começam a ficar impacientes: depois de quatro ou cinco anos colocando dinheiro em algumas companhias, eles querem a abertura de capital para realizar os lucros.

Mas a percepção de bolha também inibe a sede de oferecer-se no mercado acionário. Até agora, só 84 companhias abriram capital nos Estados Unidos, uma queda de mais de 40% em relação ao ano passado. No setor de tecnologia, só 19 empresas fizeram IPO este ano, e levantaram 3,3 bilhões de dólares, uma queda de um terço em relação ao mesmo período no ano passado. A movimentação do Snap pode alterar esse quadro, especialmente se seu IPO for um sucesso.

Para cima do Facebook

A grande sombra para o Snap é o Twitter. Três anos atrás, a empresa estava na situação em que está hoje o Snap: sua base de assinantes crescia, ela era uma startup de mensagens com uma mensagem diferente. De lá para cá, no entanto, teve tantos problemas que Jack Dorsey, um dos fundadores, voltou ao comando da empresa – mas parece tão perdido que, segundo analistas, ela só não foi comprada por falta de interessados.
Nunca se pode garantir, mas a história do Snapchat parece diferente. A restrição dos 140 toques e o fluxo incessante de tweets traz confusão para muitos usuários. Já a restrição de tempo das mensagens do Snapchat, ao contrário, traz simplicidade.

A princípio, achava-se que mensagens que desaparecem só serviriam para namorados trocarem fotos com nudez e declarações picantes sem medo de ser perseguidos pela internet pelo resto da vida. Mas o efêmero tem ganhado cada vez mais adeptos. As conversas que desaparecem guardam mais semelhança com as que temos no dia a dia, enquanto trocas de email ou postagens nas redes sociais viram um arquivo permanente. Pode soar contraditório, mas a impermanência ajuda a criar a sensação de que o momento é único.

Ninguém melhor do que o próprio Spiegel para exemplificar os problemas potenciais de informações que nunca morrem. Em 2014, vieram a público mensagens que ele trocou com colegas da universidade em que trata as mulheres de cadelas e deseja que durante uma festa eles tenham recebido sexo oral de pelo menos seis garotas.

Spiegel se desculpou, disse que aquelas mensagens não refletiam quem ele é ou o modo como encara as mulheres hoje… mas o dano estava feito.
Há pouca dúvida de que o Snapchat nasceu justamente para prevenir embaraços em comunicações desse tipo. Mas cresceu. E começou a ameaçar os terrenos de outras redes sociais – especialmente a partir da criação das “histórias”, uma forma de guardar os momentos que você compartilha.

O incômodo é tanto que o Facebook tentou imitar as características do Snapchat – primeiro com uma ferramenta chamada “poke”, já abandonada, depois com o lançamento de “histórias” no Instagram e, mais recentemente, com um serviço chamado Messenger Day, de mensagens que desaparecem, testado no início deste mês na Polônia e, poucos dias depois, na Austrália.

Uma pesquisa recente apontou que o Snapchat já é considerado a principal rede social por adolescentes americanos de 16 a 18 anos. Há um ano, o Instagram era citado por 33% desse público como sua rede preferida, o Facebook vinha em segundo lugar, com 14%, e o Snapchat tinha 13%. Agora, o Snapchat tem 28%, o Instagram, 27% e o Facebook, 17%. É um público pouco relevante em termos de negócios – mas pode representar o futuro.

Uma porta se abre, outra se fecha

Ainda falta muito feijão com arroz para o Snap, é claro. O próprio Spiegel reconheceu, no ano passado, que não é um bom gestor – ele é autoritário, escuta pouco, sua opinião é a única que vale. Não por acaso, ele tem uma pintura de Steve Jobs em seu escritório. Assim como Mark Zuckerberg, do Facebook, ele é acusado de ter passado um dos cofundadores para trás. E, quando ele fala em melhorar, ainda revela traços de egocentrismo: “O processo de me tornar um grande líder não é tornar-me um grande CEO, mas tornar-me um grande Evan”, disse.

Com tudo isso, porém, ele tem crescido. Talvez não seja coincidência que seu público já não seja apenas o das fotos de nudez e dos comentários misóginos. A evolução que sua companhia teve no último ano parece dar razão a Spiegel por não tê-la vendido ao Facebook. Aos 26 anos, ele é o mais jovem bilionário da lista da revista Forbes. Com o IPO, sua parcela no Snap pode valer 4 bilhões de dólares. Uma pequena parte disso ele já gastou, em julho, quando propôs casamento à modelo Miranda Kerr com um diamante avaliado em quase 100.000 dólares. Em três meses, Spiegel anunciou dois movimentos complementares: abrir sua empresa, fechar sua vida afetiva.

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