Tecnologia

Rosie: a robô que denuncia quando um deputado é corrupto

Criado pelo programador gaúcho Irio Musskopf, de 23 anos, a Rosie já identificou quase R$ 380 mil em notas fiscais irregulares

Rosie: o objetivo do robô é analisar os gastos de políticos durante seus mandatos (Operação Serenata de Amor/Divulgação)

Rosie: o objetivo do robô é analisar os gastos de políticos durante seus mandatos (Operação Serenata de Amor/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 16 de fevereiro de 2017 às 16h55.

Última atualização em 16 de fevereiro de 2017 às 17h02.

No desenho animado Os Jetsons, sucesso na década de 1960, a robô Rosie ajudava a família futurista a administrar a casa.

Agora, um algoritmo criado no Brasil - que ganhou o mesmo nome em homenagem ao desenho animado - enfrenta um desafio ainda maior: manter o País em ordem.

Criado pelo programador gaúcho Irio Musskopf, de 23 anos, a Rosie analisa os gastos de políticos durante seus mandatos.

Ela já identificou quase R$ 380 mil em notas fiscais irregulares, que levaram a denúncias contra mais de 200 deputados federais.

"Durante as eleições municipais do ano passado, comecei a pesquisar e a analisar informações dos candidatos à prefeitura para escolher em quem votar", conta Musskopf, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo".

"Logo percebi que esse tipo de análise poderia ser feita em larga escala, por uma inteligência artificial."

A ideia levou o programador a se juntar a outros sete profissionais para desenvolver um algoritmo que analisasse notas fiscais entregues por políticos durante seus mandatos.

O robô virtual lê o histórico de gastos e alerta quando há duplicidade ou situações fora do normal. "Ela entende os padrões e nos alerta", explica Musskopf.

"Com isso, conseguimos descobrir casos de corrupção e de desvio de verba."

Primeiro alvo

Num primeiro momento, a equipe decidiu usar a Rosie para analisar apenas notas fiscais relativas a gastos com alimentação entregues por deputados federais.

Em apenas dois dias, o programa conseguiu identificar 849 casos suspeitos. Desses, 629 incluíam informações sem sentido, como almoços em cidades diferentes de onde o deputado estava ou notas fiscais em duplicidade.

Todos os casos foram denunciados para a Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar. Ela é responsável por controlar - por meio do Departamento de Finanças, Orçamento e Contabilidade da Câmara dos Deputados - os gastos de parlamentares com gasolina, envios postais e alimentação.

O deputado Celso Maldaner (PMDB-SC), por exemplo, foi denunciado por ter registrado doze almoços em um mesmo local, no mesmo horário e no mesmo dia, totalizando um gasto total de R$ 727,78.

Em documentos entregues à equipe da Rosie e obtidos pelo jornal, o deputado justifica que foi um "equívoco de sua assessoria" e afirmou que fez a restituição do valor para a Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar.

"É um órgão que não funciona", afirma o jornalista e integrante da equipe de desenvolvimento da Rosie, Pedro Villanova, de 23 anos. Até agora, apenas 30 denúncias receberam resposta. Alguns deputados dizem que as notas fiscais estão erradas.

Construção

O desenvolvimento da Rosie, apesar de rápido, não foi fácil. Após ter a ideia, Musskopf buscou meios de financiar o sistema e apostou no financiamento coletivo.

"Em dois meses, arrecadamos R$ 80 mil", conta o criador do sistema. "Foi o suficiente para desenvolver a Rosie e bancar três meses de trabalho".

Trabalho, aliás, não faltou: a equipe teve de baixar arquivos das notas fiscais, que ficam disponíveis na internet. Eles foram organizados por data, tipo de gasto e parlamentar.

"Eram mais de 2 milhões de documentos, que organizamos manualmente", conta Villa.

A rotina foi exaustiva, mas Rosie logo trouxe resultados animadores."A gente não dormia", diz Musskopf. "Mas foi um trabalho que nos deu orgulho."

Futuro

O próximo passo de Rosie será analisar gastos dos senadores. Ainda não há previsão, porém, para o início da nova fase. "O financiamento coletivo cobriu três meses de trabalho. Não temos como nos manter agora", explica o programador.

O grupo iniciou uma nova campanha em 1.º de fevereiro para levantar dinheiro. Até a última sexta-feira, o saldo era de R$ 15 mil. "Sabemos que não dá para fazer isso a cada dois meses."

Como funciona a Rosie?

1. A Rosie é um robô? Não é um robô físico, mas virtual. Trata-se de um sistema de inteligência artificial. Ela é um programa de computador. Os desenvolvedores a chamam simplesmente de robô para facilitar o entendimento das pessoas.

2. Como ela funciona? Assim como qualquer outro sistema inteligente, a Rosie aprende a identificar padrões. Quando um dado aparenta ser diferente, ela o sinaliza para seus criadores. No caso específico da Rosie, os programadores alimentaram o sistema com notas fiscais de gastos de deputados, pagas com cota parlamentar. Se alguma das notas está fora do padrão estabelecido pela Rosie, um alerta é emitido e os desenvolvedores analisam o gasto.

3.Como eles conseguiram os documentos? Todas as notas fiscais entregues por deputados federais para justificar o uso da cota parlamentar estão disponíveis para acesso de qualquer cidadão. Basta solicitar acesso ou entrar no site do órgão público responsável pela fiscalização.

4.Como foi o processo de comunicação com os deputados? Caso o gasto sinalizado pela Rosie seja, de fato, não permitido pela lei, os desenvolvedores denunciam o deputado na Coordenação de Gestão de Cota Parlamentar. Esse órgão público analisa a denúncia. Se comprovada a fraude, o parlamentar precisa fazer o reembolso dos cofres públicos.

5.A Rosie está disponível para uso de qualquer cidadão brasileiro? Não. Por enquanto, ela é de uso exclusivo de seus desenvolvedores.

Restituição de deputados após a Rosie

Happy hour: O deputado federal Vitor Lippi (PSDB-SP) emitiu nota fiscal com gasto de cinco cervejas. Ele restituiu o valor, de R$ 135, por não ser permitido gasto com álcool.

A Viagem: O deputado federal Rocha (PSDB-AC) teve dois gastos, em horário próximos, no Rio Grande do Sul e no Acre, geograficamente distantes. Restituiu R$ 148.

O Clone: Marco Maia, deputado federal pelo PT-RS, registrou duas contas de um mesmo restaurante no mesmo horário. Devolveu aos cofres públicos R$ 154,50.

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