PROBLEMA INDUSTRIAL: mesmo que Trump consiga trazer as fábricas de volta aos EUA, o país ainda enfrentará um problema: os produtos serão feitos por robôs chineses / Doug Chayka/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 12h56.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h01.
Farhad Manjoo © 2017 New York Times News Service
As fábricas desempenham um papel central no show de horrores do presidente Donald Trump. Do seu ponto de vista, a globalização deixou nossas fábricas “fechadas”, “enferrujadas” e “espalhadas como lápides pela paisagem da nação”.
Eis aqui o que se pode chamar de fato alternativo: as fábricas americanas ainda fazem um monte de coisas. Em 2016, os EUA atingiram um recorde, produzindo mais bens do que nunca, mas não se fala muito sobre isso porque os fabricantes produzem tudo sem muita gente. Graças à automação, nós agora produzimos 85 por cento mais bens do que em 1987, mas com apenas dois terços do número de trabalhadores.
O que sugere que, mesmo que Trump possa intimidar as indústrias a permanecer nos EUA, não pode forçá-las a contratar mais funcionários. Ao contrário, é provável que as empresas invistam em montes e montes de robôs.
E há outra questão nessa história: eles não vão ser feitos nos EUA. Poderão ser feitos na China.
Os robôs industriais – que têm muitas formas e executam vários trabalhos em fábricas, desde os braços enormes e precisos usados para construir carros até as máquinas graciosas que empacotam pães delicados – foram inventados nos Estados Unidos. Porém, nos últimos anos, o governo chinês vem gastando bilhões de dólares para transformar a China no país das maravilhas robóticas.
Em 2013, ela se tornou o maior mercado mundial de robôs industriais, de acordo com a Federação Internacional de Robótica, grupo comercial do setor. Agora o país trabalha em outro grande objetivo: tornar-se o maior produtor de robôs industriais, agrícolas e de várias outras aplicações.
Os especialistas disseram que a meta poderia estar a uma década de distância, mas veem poucos obstáculos ao domínio chinês final.
“Se examinarmos as comparações no investimento entre a China e os EUA, vai dar para perceber que vamos perder. O investimento chinês é de bilhões e mais bilhões. Não vejo o mesmo acontecendo nos Estados Unidos E sem isso, vamos ficar para trás, não há dúvida”, disse Henrik Christensen, diretor do Instituto de Robótica Contextual da Universidade da Califórnia, San Diego.
Há uma maneira de resolver esse problema, mas é politicamente perigosa: os EUA devem investir em robôs. Mark Cuban, empreendedor da internet e dos esportes (e o pesadelo de Trump), recentemente pediu que o presidente liberasse uma verba de US$ 100 bilhões para a robótica. Frank Tobe, que edita e publica uma revista sobre o setor chamada The Robot Report, disse que o investimento do governo era absolutamente necessário.
“É melhor fazermos alguma coisa ou ficaremos numa posição delicada. Temos que entrar no ramo da robótica para não sermos apenas usuários de robôs estrangeiros”, disse ele.
Especialistas da área dizem que, se não o fizermos, os planos do presidente para o renascimento industrial podem dar completamente errado. Hoje, compramos um monte de coisas feitas na China pelos chineses; amanhã, compraremos coisas feitas nos EUA… por robôs chineses.
O processo que fez a China abraçar os robôs é instrutivo. Durante anos, seu ponto forte de venda foi a mão de obra barata, mas, nas últimas duas décadas, a população foi ficando mais velha e mais rica e os salários dos trabalhadores subiram mais rápido do que a taxa de crescimento econômico. O governo começou a se preocupar com o fim da competitividade da manufatura. Da mesma forma que os EUA perderam fábricas para a China, os fabricantes chineses perderiam para a Índia, o Vietnã e outras economias asiáticas em desenvolvimento.
Então, os chineses fizeram o que fazem melhor: o planejamento centralizado de um renascimento. Ao longo de cinco anos e uma sucessão de planos econômicos, o governo impôs uma série de reformas no setor industrial, sendo que uma das ideias centrais é a automação. Os governos locais ofereceram bilhões de dólares em subsídios às empresas para que comprassem e fabricassem robôs. O governo estava especialmente interessado na produção daqueles que pudessem ser instalados em fábricas de automóveis, criticadas pela baixa qualidade de sua produção. E robôs que constroem carros não se limitam a diminuir os custos trabalhistas – o governo também acredita que podem construir carros melhores. Em 2014, Xi Jinping, o presidente da China, pediu uma “revolução robótica”.
Como outras iniciativas centralizadas, nem tudo é um mar de rosas na iniciativa robótica chinesa. Houve excesso de investimento e desperdício e muitas empresas não estão fazendo robôs muito bons.
“Muitos são de baixa qualidade e as normas de segurança e de design não são muito boas. Há talvez um pouco mais de 100 empresas robóticas na China. Eu diria que cerca de 50 delas conseguirão sobreviver”, disse Dieter Ernst, pesquisador do Centro East-West, organização que visa melhorar as relações entre a Ásia e os EUA.
Mas o governo chinês e suas empresas são persistentes. Ernst espera ganhos lentos, mas constantes nesse setor. E, de cinco a 10 anos, ele prevê que o setor robótico da China estará produzindo robôs industriais comparáveis aos da Alemanha e do Japão.
Incentivar o ressurgimento da robótica nos EUA seria mais difícil do que no país asiático, onde não há tanto clamor dos trabalhadores contra a adoção da automação pelo governo.
“Na China, não há um debate público sobre os prós e contras da automação. Ninguém fala sobre quem sairá perdendo com a globalização ou a potencial automação”, disse Scott Kennedy, especialista em China do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Nos Estados Unidos, por outro lado, parece que, basicamente, só falamos nisso. Trump assumiu o poder em parte porque incentivou entre os eleitores o sentimento de que perdemos nossa grandiosidade para a China. Prometeu trazer empregos de volta aos EUA. Em um clima político delicado e sem nuances, o investimento em robôs seria visto como uma traição aos operários de fábricas que ele prometeu salvar.
Mas isso seria um erro. Christensen, da Universidade de Califórnia, San Diego, mencionou que mesmo as fábricas mais automatizadas ainda empregam gente. Na medida em que um investimento em robótica pode facilitar a construção de fábricas nos Estados Unidos e não na China, isso poderia muito bem criar novos postos de trabalho para os americanos.
Além do mais, os EUA possuem muito mais vantagens que a China no setor de robótica. Alguns dos principais roboticistas do mundo trabalham em universidades americanas. Os EUA têm uma cultura de startups que sabe como criar novas empresas grandes. E os EUA estão à frente em termos de tecnologia robótica mais avançada. Por exemplo, suas empresas são os principais fornecedores de robôs cirúrgicos e estão na vanguarda da “robótica colaborativa”, em que os robôs podem trabalhar lado a lado com os humanos.
“Toda essa tecnologia foi inventada nos Estados Unidos, mas nós basicamente deixamos outras empresas usá-la e barateá-la, e agora compramos delas. Em certo sentido, não estamos fazendo nada para garantir que permanecermos competitivos em áreas que lideramos”, disse Christensen.
E é aí que o grande financiamento governamental pode ajudar, disseram os especialistas da área. Como na China, o investimento de Trump pode transformar algumas das ideias mais ousadas da robótica em uma vantagem estrutural para a economia americana.
“O que podemos aprender com o exemplo chinês é que o governo desempenha um papel de provedor e incentivador no desenvolvimento da indústria robótica. Podemos fazer o mesmo. Temos que fazer o mesmo”, disse Ernst.