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Relatório da CPI dos Crimes Cibernéticos sugere censura

Comissão divulgou relatório final da CPI com propostas de censura e mutilação do Marco Civil da Internet


	Internet: há pelo menos oito projetos de lei sugeridos no relatório de mais de 200 páginas, os quais são voltados para o controle da internet
 (Getty Images)

Internet: há pelo menos oito projetos de lei sugeridos no relatório de mais de 200 páginas, os quais são voltados para o controle da internet (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2016 às 21h29.

Com o Brasil focado na disputa política entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e os seus opositores no Congresso Nacional, na luta para ver se o impeachment sai ou não, outros projetos e iniciativas parlamentares seguem avançando, alguns deles quase que ‘anonimamente’, longe dos olhares da opinião pública. Um exemplo é o relatório final da CPI dos Crimes Cibernéticos.

No fim da semana passada, a comissão presidida pela deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) e com relatoria do deputado Esperidião Amin (PP-SC), divulgou o relatório final da CPI que pretendia abordar a fundo a criminalidade na rede mundial de computadores. Porém, em meio às discussões sobre pedofilia e revenge porn, propostas de censura e mutilação do Marco Civil da Internet foram implementadas.

De acordo com comunicado do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro (ITSRio), há pelo menos oito projetos de lei sugeridos no relatório de mais de 200 páginas, os quais são voltados para o controle da internet. Segundo a entidade, as propostas “atacam diretamente direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, o direito à privacidade”, e alterar o Marco Civil nas “partes mais importantes, justamente aquelas que protegem os internautas contra a vigilância e a censura”.

“O objetivo é criar um sofisticado sistema de controle e censura da rede”, escreveu o advogado e diretor do ITSRio, Ronaldo Lemos, em sua coluna desta segunda-feira (4) no jornal Folha de S. Paulo. Abaixo, uma explicação rápida sobre as seis mais polêmicas propostas, compiladas pelo ITSRio:

1 – Transformar as redes sociais em órgãos de censura para proteger a honra de políticos. Se alguém falar mal de um político em uma rede social, a rede social será obrigada a remover o conteúdo em no máximo 48 horas. Se não remover, a empresa será co-responsabilizada por aquele conteúdo e terá de indenizar o político ofendido. Em outras palavras, as redes sociais se tornarão agentes de vigilância e censura permanentes dos seus usuários;

2 – Mandar para a cadeia por dois anos quem simplesmente violar os “termos de uso” de um site. Entrou em um site ou aplicativo e desrespeitou alguma cláusula daquele documento enorme que todo mundo clica sem sequer ter lido: cadeia para você por 2 anos;

3 – Reservar 10% dos arrecadados pelo Fistel, que têm por objetivo melhorar a qualidade das telecomunicações no Brasil, para financiar a polícia. As telecomunicações que já são caras e precárias no Brasil ficarão ainda piores. O recurso que é arrecadado para fiscalizar a qualidade do acesso à internet, telefonia e outro serviços será desviado para financiar a polícia. É claro que esse financiamento é importante. Mas para isso já pagamos nossos impostos. Não precisa desviar recursos essenciais para isso;

4 – Atribuir competência à Polícia Federal para qualquer crime praticado usando um computador ou celular. Em outras palavras, o garoto ou a garota que baixar uma música da internet poderá receber a visita do Japonês da Federal. Alguém que escrever algo considerado “difamatório” ou “injurioso” contra um político nas redes sociais poderá ter de se explicar à Polícia Federal. Em outras palavras, vários milhões de brasileiros que fazem essas atividades todos os dias poderão ser vigiados e até mesmo presos pela Polícia Federal sob suspeita de de terem cometido “crimes mediante uso de computador”, mesmo que sejam crimes de baixo potencial ofensivo;

5 – Obrigar os provedores de internet a revelarem automaticamente quem está por trás de cada endereço de IP na rede, informando para a polícia o nome, filiação e endereço domiciliar da pessoa, sem a necessidade de ordem judicial prévia. Em outras palavras, todos serão presumidamente “culpados” na internet brasileira e poderão ser constantemente vigiados. Se falou mal de um político na internet, na hora será possível saber a sua identidade e a Polícia Federal poderá ser acionada contra você;

6 – Estabelecer a censura pura e simples na internet. O projeto de lei altera o Marco Civil, que proíbe a censura, criando um novo artigo que permitirá “determinar aos provedores de conexão bloqueio ao acesso a aplicações de internet por parte dos usuários” para “coibir serviços que sejam considerados ilegais”. Em outras palavras: qualquer site poderá ser derrubado da internet brasileira. Lembra do bloqueio do WhatsApp? Isso será fichinha perto do que irá acontecer. Qualquer aplicativo, site ou serviço poderá ser bloqueado e censurado diretamente pelos provedores de internet e os brasileiros ficarão privados de acessá-lo sem qualquer defesa, afetando a vida de milhões de pessoas.

Não, você não entendeu errado: seja você um crítico de Dilma e Lula, seja você um crítico de Michel Temer (PMDB) e Aécio Neves (PSDB) – para falar de ícones da polarização vigente no País –, a sua postagem dará poder para que você seja identificado e punido, com direito a uma ida da Polícia Federal até a sua casa ou trabalho. Se não retirada do ar, a postagem que for considerada “ofensiva” pode levar a um bloqueio semelhante ao visto com o WhatsApp no Brasil.

Além de Mariana Carvalho e Esperidião Amin, assinam o relatório os deputados Sandro Alex (PSD-PR), Rafael Motta (PSB-RN), Daniel Coelho (PSDB-PE) e Rodrigo Martins (PSB-PI). Uma petição online já conta com mais de 7 mil assinaturas contra o documento produzido pela CPI. Para especialistas, ao criminalizar a internet, os deputados responsáveis pelo documento “farão inveja” a países conhecidos pela censura, como Rússia, Coreia do Norte, Irã e Turquia.

Mais punição, prega relator

No total, o relatório da CPI traz 19 medidas para o combate de delitos pontuados pelos deputados como recorrentes na internet. As discussões serão retomadas nesta quinta-feira (7) e o documento deve ser votado entre os dias 12 e 13 de abril, quando termina o prazo para o funcionamento da comissão na Câmara. Segundo a Agência Câmara, desde o início da CPI – em agosto de 2015 – até agora, foram realizadas 30 audiências públicas e ouvidos mais de 100 convidados e convocados.

“Ficou claro nos depoimentos a necessidade de melhorar dispositivos legais, tipos penais, além de procedimentos de investigação e o próprio aparelhamento das autoridades de investigação, bem como a educação dos internautas. A rápida identificação de agressores é de fundamental importância para limitar os danos causados à vítima”, afirmou Amin.

Para o relator, o Marco Civil da Internet dificulta a identificação do usuário, por isso é preciso modificá-lo. Uma das ideias é trocar o atual protocolo usado no País, o IPv4 que permite que diversos usuários compartilhem o mesmo endereço IP, pelo IPv6, mais moderno e que não possui as limitações de IPs do atual protocolo.

Ainda segundo Amin, a facilidade de acesso e a gratuidade da internet “trouxe como efeito colateral o aumento das ofensas contra a honra das pessoas”.

Vice-líder do PSDB na Câmara, Daniel Coelho bateu boca com internautas no fim de semana – entre eles estava Ronaldo Lemos – justamente por defender a “obrigação de registro do IP” dos usuários, uma premissa que já consta no artigo 13 do Marco Civil, este aprovado em 2014. “Estou aberto a qualquer crítica ou sugestão”, disse o tucano, após tentar em vão desconstruir os apontamentos dos internautas.

À Folha, Amin também negou a tentativa de censura da internet no Brasil. “Nós queremos preservar o limite entre o direito individual e coletivo”, disse o deputado do PP catarinense. Na mesma reportagem, o presidente da ONG SaferNet, Thiago Tavares, afirmou que não concorda com o relatório produzido pela CPI que se propunha a investigar cibercrimes no País.

“Redes como Facebook e Google já possuem mecanismos de remoção. O Marco Civil trata disso com precisão. O que falta no Brasil é a aplicação das leis e a estrutura necessária para aumentar a eficácia de órgãos que combatem os crimes cibernéticos, como Polícia Federal e delegacias especializadas”, avaliou.

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