Repórter
Publicado em 3 de fevereiro de 2025 às 14h30.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2025 às 15h13.
Quando surgiram os primeiros rumores de que Bill Gates estava escrevendo uma autobiografia, a expectativa era de que ele finalmente abordasse sua trajetória completa – incluindo seus escândalos pessoais e disputas judiciais acerca dos softwares que desenvolveu nos anos de 1980 e 1990. Mas Código-fonte: Como tudo começou, lançado no mercado brasileiro pela Companhia das Letras nesta segunda-feira, 3, não é exatamente esse livro.
Gates não revisitou as turbulências dos últimos anos, como o fim do casamento com Melinda em 2021, as acusações de assédios no ambiente de trabalho e as reuniões na ilha de Jefrey Epstein – que alegou terem sido apenas sobre filantropia, embora tenha admitido que foram um “erro” –, o bilionário optou por um recorte seguro: sua infância e juventude, antes da Microsoft dominar o mercado de computadores.
O resultado é uma obra que oscila entre nostalgia e construção de mito, trazendo algumas histórias inéditas, mas evitando cuidadosamente os temas mais espinhosos de sua biografia.
Desde pequeno, Gates já mostrava traços da obsessão por vencer que o tornaria um dos empresários mais implacáveis do setor de tecnologia. Sua avó materna, Gami, o ensinou a jogar cartas, e ele rapidamente percebeu que se tratava de um jogo de estratégia, não de sorte. "Ela treinou sua mente, e percebi que eu também poderia fazer isso", escreve.
O mesmo padrão se repetiu nos negócios. Durante sua adolescência, ele percebeu que programar poderia ser mais do que um hobby e começou a vender softwares para empresas locais. "Quando percebi que alguém estava disposto a pagar pelo que eu fazia por diversão, ficou claro que eu tinha encontrado um caminho", conta no livro.
Mas nem tudo foi trabalho em sua jornada. Gates descreve sua juventude com um tom descontraído, relembrando festas universitárias, consumo de drogas e suas infrações no trânsito. "Nos anos 70, Seattle era um lugar meio selvagem. Eu era curioso por tudo – e isso incluía experiências que hoje pareceriam irresponsáveis", admite.
Essa “curiosidade” o levou a pelo menos duas prisões. Em uma delas, foi detido por dirigir sem carteira de habilitação. Em outra, ignorou um sinal vermelho e não parou para a polícia. Sua foto na delegacia, de sorriso no rosto e cabelos desgrenhados, se tornaria uma das imagens mais icônicas da história da tecnologia.
Um dos trechos mais marcantes do livro trata da morte de Kent Evans, seu melhor amigo no colégio Lakeside. Evans era um parceiro na programação e um rival intelectual, alguém que desafiava Gates a pensar mais rápido. A relação dos dois era de competição e respeito mútuo, mas um acidente trágico interrompeu a parceria.
“A gente planejava dominar o mundo da computação juntos. Quando ele morreu, pela primeira vez senti que o futuro podia não ser como eu imaginava”, escreve Gates.
O impacto da perda o aproximou de Paul Allen, que assumiu o posto de parceiro nos negócios. Anos depois, os dois fundariam a Microsoft, mas a relação entre eles nunca foi fácil. O relato insinua, mas não aprofunda, os conflitos que levaram Allen a deixar a empresa e mais tarde acusar Gates de querer diluí-lo financeiramente após seu diagnóstico de câncer.
Gates encerra Código-fonte pouco antes de 1980, quando a Microsoft ainda era uma pequena empresa e o mercado de computadores pessoais dava seus primeiros passos.
Ele descreve os desafios da fase inicial da Microsoft, as primeiras contratações e o esforço para convencer fabricantes de hardware de que o software seria o verdadeiro motor da revolução tecnológica. Também relembra o momento em que, diante da rápida expansão da empresa, percebeu que não poderia fazer tudo sozinho e começou a estruturar sua equipe de gestão.
Gates, que completa 70 anos em breve, já anunciou que este é o primeiro de três volumes de suas memórias. Relatos filtrados, de uma vida cuidadosamente calculada – como tudo que Gates sempre fez.