Tecnologia

Por que o Brasil tem de liderar a corrida pelo 5G na América Latina

Adotar a tecnologia vai permitir que os países da região se modernizem, evitem atrasos econômicos e ganhem impulso no desenvolvimento

Torre de celular em São Paulo: adoção do 5G é essencial para atrair e reter setores de alta intensidade tecnológica, como as indústrias automobilística, aeroespacial, biotecnológica e de bens eletrônicos (Germano Lüders/Exame)

Torre de celular em São Paulo: adoção do 5G é essencial para atrair e reter setores de alta intensidade tecnológica, como as indústrias automobilística, aeroespacial, biotecnológica e de bens eletrônicos (Germano Lüders/Exame)

TL

Thiago Lavado

Publicado em 22 de setembro de 2021 às 08h00.

A utilização da nova tecnologia de comunicação móvel 5G já é uma realidade disseminada globalmente. Ela cresce ao ritmo de um milhão de novas linhas por dia, e deve encerrar 2021 com cerca de 700 milhões de assinantes — concentrados, sobretudo, na China, seguida pelos mercados da América do Norte, de outros países da região Ásia-Pacífico e da Europa.

A China encerrou o primeiro semestre deste ano com a marca de 500 milhões de assinaturas do 5G, acompanhadas por mais de 1,4 milhões de estações-base instaladas em todo o país pelas três grandes operadoras: China Mobile, China Unicom e China Telecom. Enquanto isso, os Estados Unidos contam com serviço 5G para cerca de 50 milhões de assinantes, em 280 cidades, oferecido por empresas como Verizon, T-Mobile e AT&T. A Europa segue um pouco atrás nessa tecnologia, e espera chegar à marca de 40 milhões de assinaturas até o fim de 2021, tendo à frente operadoras como Vodafone, Deustche Telekom, Telefónica, TIM e outras.

Por trás dos números citados acima está a guerra tecnológica entre Estados Unidos e aliados, de um lado, e a China emergente de Ji Xinping, do outro. A maioria dos países europeus deu as costas para a Huawei, companhia chinesa campeã em equipamentos de telecomunicações. Essas nações priorizaram produtos de líderes locais do setor de telefonia, como Ericsson e Nokia — mesmo cientes de que ambas essas companhias perdem para os chineses em tecnologia e preço. Da mesma maneira, países como o Reino Unido fizeram valer as boas relações com os irmãos norte-americanos (honrando, também, os estreitos laços mantidos entre as duas regiões no que diz respeito a segurança e inteligência). Essa decisão veio a custo de perder muito dinheiro ao expulsar a Huawei das ilhas britânicas: calcula-se que a rescisão de contratos com o gigante de Shenzhen tenha representado um prejuízo de mais de 33 bilhões de dólares para um país que estava pronto para liderar a troca de tecnologia – e, consequentemente, obter uma importante vantagem competitiva.

O que está acontecendo na América Latina? Do ponto de vista comercial, o panorama latino-americano é bem menos atraente para a adoção do 5G. As nações da região estão diante de outros problemas, bem mais urgentes do que essa mudança tecnológica. Mesmo assim, estados industrialmente mais desenvolvidos não devem descuidar da transição para o novo modelo, pois isso poderia custar caro a médio prazo. É extremamente importante que países como Brasil, México e Argentina adotem o 5G o mais rápido possível, para continuar sendo opções competitivas nas cadeias globais de produção: a Internet das Coisas está logo ali na esquina, e vai exigir o 5G.

Por que as economias latino-americanas deveriam avançar para o 5G — e rápido? A mudança tecnológica imposta pela Quinta Geração da comunicação móvel é uma ótima oportunidade para que indústrias regionais se posicionem de forma estratégica no quebra-cabeças competitivo resultante da localização (e da recolocação e reconsideração) de atividades produtivas de maior valor agregado. Ou seja: atrair e reter setores de alta intensidade tecnológica, como as indústrias automobilística, aeroespacial, biotecnológica e de bens eletrônicos de consumo, é uma corrida disputada pelas economias mais desenvolvidas – que, em muitos casos, querem reverter os deslocamentos de setores para outras regiões, ocorridos no início do século 20. O movimento de atração inclui ainda países em desenvolvimento, com grande capacidade de absorção tecnológica. E, na América Latina, quem desponta nesse xadrez são Brasil, México e Argentina.

Por que, para as operadoras, é menos atraente fazer avançar o 5G na América Latina? Nessa região, a realidade mostra que ainda é possível progredir muito nos serviços 4G, que ainda não alcançam toda a população e podem melhorar bastante. As operadoras hesitam em realizar os enormes investimentos exigidos pela rede 5G, e querem enxergar as perspectivas comerciais com clareza. Por serem mercados sobretudo de varejo, onde a receita se encontra em agregar cada vez mais indivíduos, esses países têm o Brasil como o local mais interessante para as “telcos” (devido ao tamanho da população), acompanhado pelo México e, bem à distância, pelas demais nações. Além disso, esses são mercados de renda média ou média-baixa, o que contribui para o atraso na adoção.

Para além do panorama geral, o Brasil apresenta nichos para a chegada do 5G, sobretudo em setores como agronegócio e manufatura, seguidos pelo varejo em regiões de maior poder aquisitivo (as cidades de São Paulo e Rio, por exemplo).

As operadoras ainda aguardam o leilão do 5G no Brasil. Enquanto isso, prestam um serviço virtual chamado “5G DSS”. A Claro já está usando espectros de radiofrequência existentes e tecnologia da Ericsson para levar adiante esse serviço virtual – ainda em escala limitada e em poucas áreas do Rio e de São Paulo. Enquanto isso, a TIM avança nesse mesmo sentido em cidades como Bento Gonçalves (Rio Grande do Sul), Itajubá (Minas Gerais) e Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), com equipamentos de Nokia, Ericsson e Huawei. A Vivo, por sua vez, utilizaria o 5G DSS por meio da Huawei. O caso da Oi no 5G, ao lado de Nokia e Huawei, é bem particular: a despeito da recuperação judicial da empresa, ela avança em sua rede de fibra, a mais importante do Brasil.

Para além das vontades nacionais de desenvolvimento e adoção de novas tecnologias, os países da região fazem parte do tabuleiro internacional do 5G. Nesse jogo, o Brasil é a peça mais valiosa do Cone Sul, e deve apostar na tênue linha de manobra envolvendo suas relações tanto com Estados Unidos quanto com a China. Brasília mantém uma estreita aliança com Washington na área de segurança – e, por outro lado, tem fortes laços com Pequim, evidentes nos números do comércio bilateral: como destino comercial, o mercado chinês representa mais que o dobro do americano, e responde por mais de 40% da exportação de soja.

O governo brasileiro está, portanto, numa encruzilhada entre os dois adversários nessa guerra tecnológica. Nesse cenário, o governo chinês induziu o Planalto a não se manifestar contra a livre concorrência da Huawei em futuros leilões locais de fornecimento de equipamento para o 5G. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) já agiu nesse sentido, e publicou um protocolo de segurança cibernética que deve ser cumprido por qualquer possível provedor ou concessionária participante do certame. O texto não cita qualquer proibição ou restrição a empresas específicas. Após a recente visita ao Brasil do assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, enviado pela Casa Branca, a pressão aumentou. Agora, Brasília se vê diante da possibilidade de limitar a participação da Huawei em redes do governo — o que seria uma forma elegante de manter equidistância nessa disputa.

Mesmo com essa espécie de “apoio” à Huawei, a estreita relação entre Brasília e Washington sugere que a decisão sobre os provedores que serão definitivamente responsáveis pelos equipamentos do 5G continuará sendo adiada. O atraso nos leilões das frequências para operar a nova tecnologia joga a favor do desenvolvimento da arquitetura alternativa OpenRAN, na qual trabalham os Estados Unidos. O OpenRAN poderia substituir a tecnologia RAN (arquitetura proprietária), dominada pelas chinesas Huawei e ZTE. Vale lembrar que o OpenRAN seria uma opção de padrão aberto, permitindo concorrência entre diversos provedores. Nesse caso, não se espera que o desempenho seja tão bom quanto o de tecnologias proprietárias – ao menos não no curto prazo.

De todo modo, as decisões que precisam ser tomadas têm impactos consideráveis, tanto para as relações internacionais como para a indústria. Adotar a nova tecnologia o quanto antes vai permitir que os países da região se modernizem, evitem atrasos para suas economias e ganhem impulso no caminho de um desenvolvimento que é necessário. O cálculo, porém, precisa ser o mais preciso possível: os ganhos obtidos de um lado podem ter consequências negativas do outro. Será um trabalho árduo para legisladores.

Gabriel Balbo é analista de relações internacionais econômicas, tecnologia e geopolítica, diretor da ESPADE e autor do livro “5G, La Guerra Tecnológica del Siglo” (5G, A Guerra Tecnológica do Século).

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