Intel: empresa enfrenta crise e pode ter encontrado tábua de salvação em Nvidia e Apple (David Paul Morris/Bloomberg via/Getty Images)
Publicado em 29 de setembro de 2025 às 05h56.
A atual crise da Intel (INTC) deixou de ser apenas um problema corporativo e virou uma questão estratégica para toda a indústria de semicondutores — e uma empresa dificilmente se sustenta apenas um bom histórico.
Em 2024, a companhia registrou sua primeira perda anual em quase 40 anos, com um prejuízo de US$ 18,8 bilhões e queda acumulada de 60% nas ações.
O desempenho financeiro refletiu uma série de falhas que foram desde atrasos tecnológicos até decisões estratégicas mal calculadas, o que colocou em xeque a liderança histórica da empresa no setor. Ao mesmo tempo em que a Intel perdia espaço, outras gigantes do setor cresciam, como é o caso da Nvidia (NVDA).
Em meio à deterioração financeira, neste ano a empresa demitiu 25 mil funcionários, cortou dividendos e cancelou planos de novas fábricas na Europa. O CEO Pat Gelsinger, que havia retornado em 2021, deixou o cargo em dezembro de 2024 após perder o apoio do conselho.
Desde então, dois executivos ocupam a liderança interinamente, agravando a percepção de instabilidade interna.
A estratégia de competir com a TSMC por meio da divisão de fundição também fracassou. O projeto Intel Foundry Services acumulou perdas operacionais de US$ 2,8 bilhões em 2023 e mais US$ 2,3 bilhões no quarto trimestre do ano passado.
Mas, agora, a situação parece estar prestes a ser revertida. No ano até agora as ações da Intel acumulam alta de 77,06% — e a companhia ensaia uma recuperação que envolve gigantes como Nvidia, Apple e até mesmo o governo dos Estados Unidos.
Para analistas do mercado, o início do colapso da Intel pode ser traçado aos problemas no desenvolvimento de seus processos de fabricação.
A prometida transição para chips de 10 nanômetros, programada para 2016, sofreu atrasos contínuos e só foi parcialmente resolvida três anos depois.
O mesmo ocorreu com os chips de 7 nanômetros, que enfrentaram um "modo de defeito" que degradava os rendimentos, como admitiu o então CEO Bob Swan em 2020.
Outro golpe veio do setor mobile. Em 2006, a Intel recusou a oportunidade de fabricar os chips do iPhone — uma decisão que abriu caminho para o domínio da Qualcomm e da arquitetura ARM no setor.
Tentativas posteriores com os processadores Atom não renderam frutos, e os bilhões investidos em subsídios para tablets e smartphones resultaram apenas em prejuízos. Hoje, a ARM controla 99% do mercado de processadores para smartphones.
Na área de inteligência artificial, a Intel também ficou para trás.
Enquanto a Nvidia consolidou o domínio com seu ecossistema CUDA e placas H100, responsáveis por 80% do mercado de aceleradores de AI, a Intel reagiu tardiamente com os chips Gaudi.
Embora os preços fossem competitivos, a receita de Data Center e IA da Intel foi de US$ 12,82 bilhões em 2024, contra US$ 26,3 bilhões obtidos pela Nvidia apenas no segundo trimestre fiscal de 2025 e US$ 115,2 bilhões em todo o exercício fiscal de 2025.
Fundada em 18 de julho de 1968, a Intel nasceu da insatisfação de dois grandes nomes do Vale do Silício antes do local ser o polo de tecnologia que se tornou anos depois: Robert Noyce e Gordon Moore.
O encontro que selou o futuro da companhia aconteceu em um domingo ensolarado, em maio daquele ano, no quintal da casa de Noyce em Los Altos, na Califórnia.
Enquanto aparava a grama, ele conversava com Moore sobre os impasses que enfrentavam na Fairchild Semiconductor, empresa que haviam ajudado a erguer e que se tornara símbolo da primeira geração do Vale do Silício.
No centro da discussão estava o controle excessivo da Fairchild Camera and Instrument, que, segundo eles, drenava os lucros da divisão de semicondutores sem reinvestir no setor. A ideia era construir uma empresa do zero — e evitar os desafios da anterior.
Moore voltou para casa e, no dia seguinte, ligou para confirmar que estava dentro. Os dois então recrutaram o investidor Arthur Rock e o engenheiro químico Andrew Grove, e deram início ao que anos mais tarde se tornaria um império de chips.
A Intel foi oficialmente incorporada em Mountain View em julho de 1968 sob o nome provisório “NM Electronics”.
O nome definitivo, “Intel”, surgiu como abreviação de Integrated Electronics, mas exigiu uma negociação incomum: ele já pertencia a uma rede hoteleira, e os fundadores tiveram de pagar US$ 15 mil para adquiri-lo.
A ideia inicial — “Moore Noyce” — foi descartada por soar como more noise (“mais ruído”, na tradução literal), algo pouco apropriado para uma empresa de eletrônicos.
A primeira sede da Intel funcionava em uma sala de conferências no antigo prédio da Union Carbide, na Middlefield Road.
Com pouco mais de uma dúzia de engenheiros e capital inicial de US$ 2,5 milhões em debêntures conversíveis, a empresa partiu para seu objetivo: transformar a memória de semicondutores em padrão industrial, substituindo a então dominante memória de núcleo magnético.
Entre seus primeiros produtos, estavam o 3101 Schottky TTL, lançado em 1969, e o Intel 1103, que em 1970 se tornou a primeira memória DRAM comercialmente disponível. Em 1972, já era o chip de memória mais vendido do mundo.
O divisor de águas veio em 1971 com o lançamento do Intel 4004, o primeiro microprocessador comercial do mundo, fruto de um contrato com a japonesa Busicom. Compacto, o chip de 4 bits executava cerca de 92 mil instruções por segundo, e abriu caminho para a criação de computadores pessoais e dispositivos portáteis.
Robert Noyce e Gordon Moore já carregavam uma boa reputação desde a década de 1950, quando integraram os “Oito Traidores” — grupo que abandonou a Shockley Semiconductor para fundar a Fairchild.
Esse movimento estabeleceu a cultura de spin-offs característica do Vale do Silício. Estima-se que 70% das empresas de tecnologia listadas na Nasdaq ou NYSE na região da baía podem ser rastreadas até a Fairchild, segundo a Endeavor Insight.
Ao abrir capital em 1971, a Intel levantou US$ 6,8 milhões e foi uma das primeiras listadas na recém-criada bolsa Nasdaq (hoje pesada em tecnologia).
O sucesso da empresa ajudou a impulsionar o desenvolvimento tecnológico global e transformou a região da Califórnia no polo de inovação que hoje movimenta US$ 14,5 trilhões de dólares em valor de mercado combinado, segundo o relatório Lonergan SV150 de 2024.
O envolvimento do governo de Donald Trump passou a dar ainda mais cara à crise da empresa.
Segundo o The New York Times, Washington se tornou um dos maiores acionistas individuais da companhia, após a conversão de bilhões de dólares em subsídios em participação direta.
Essa movimentação foi interpretada como uma intervenção rara em uma gigante de tecnologia, comparável apenas às ações do governo na crise financeira de 2008.
Segundo o jornal, a estratégia da Casa Branca tem como objetivo reduzir a dependência de chips fabricados na Ásia e preservar uma empresa considerada essencial para a segurança nacional.
O secretário de Comércio, Howard Lutnick, chegou a discutir com a TSMC a possibilidade de assumir parte da divisão de manufatura da Intel, numa articulação que poderia ser reforçada com aportes de empresas como Apple e Nvidia.
A Nvidia, por exemplo, anunciou um investimento de US$ 5 bilhões na Intel para o desenvolvimento de um novo chip voltado para sistemas de inteligência artificial. O acordo não envolve apenas dinheiro, mas também cooperação tecnológica.
A parceria inclui o desenvolvimento de CPUs customizadas pela Intel que funcionem de forma integrada com os chips da Nvidia, especialmente em data centers e computadores pessoais.
No meio disso tudo, a Apple também pode, em breve, se tornar uma investidora da Intel.
A movimentação não mira uma retomada da parceria antiga entre as duas empresas, mas sim uma resposta a pressões geopolíticas, riscos de fornecimento e exigências do governo Trump por mais produção nacional de semicondutores.
Segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, a Apple avalia participar da rodada de capital que já conta com os US$ 5 bilhões da Nvidia, US$ 2 bilhões da SoftBank e US$ 8,9 bilhões do governo americano, que adquiriu uma fatia de 10% da Intel.
O investimento teria foco na divisão de fundição da empresa, não em processadores de uso principal.
A lógica é reforçar a resiliência da cadeia de suprimentos, especialmente em um momento em que a Apple busca reduzir sua dependência da China.
Embora já tenha transferido parte da montagem dos iPhones para Índia e Vietnã, a empresa ainda depende da TSMC, em Taiwan, para a fabricação de seus chips mais avançados.
Tim Cook já indicou abertura para essa diversificação, afirmando que “gostaríamos de ver a Intel de volta” e que “concorrência é saudável para a indústria de chips”.
O investimento também atende a um cálculo político.
A gestão Trump vem ameaçando impor tarifas de até 100% sobre chips fabricados fora dos EUA, com exceções para empresas que comprovarem fabricação nacional.
A Apple, que já prometeu US$ 600 bilhões em investimentos locais até 2028, ainda depende majoritariamente da produção asiática.
Ao investir na Intel, a empresa poderia sinalizar apoio à política industrial americana e garantir acesso preferencial às cadeias domésticas de suprimento de semicondutores.
A parceria não envolveria o uso de processadores Intel nos produtos da Apple.
Desde a adoção dos chips M1, baseados na arquitetura ARM, a Apple ganhou autonomia total sobre o design de seus processadores.
O papel da Intel seria atuar como fornecedora de chips auxiliares, como sensores para dispositivos de realidade aumentada, componentes automotivos ou controladores de rede.
Mesmo que não lide com os nós mais avançados, a Intel ofereceria capacidade de produção em solo americano, algo cada vez mais valioso em meio às tarifas de Trump.