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Pesquisa analisa registro espontâneo feito por crianças

Imagens captadas em câmeras e tablets por crianças de até 3 anos inspiram reflexões sobre educação e viram curta-metragem produzido por pesquisadores da Unesp

Criança com câmera: 45 crianças envolvidas na experiência produziram mais de 3.500 fotos digitais e 10 horas de filmagens (Getty Images)

Criança com câmera: 45 crianças envolvidas na experiência produziram mais de 3.500 fotos digitais e 10 horas de filmagens (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2014 às 11h32.

São Paulo – Pesquisadores do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp) têm utilizado fotos e vídeos produzidos por crianças para propor novas reflexões sobre o desenvolvimento infantil. O resultado pode ser conferido no curta-metragem “O que pode a imagem?”, que apresenta análises dos pesquisadores sobre os registros.

A iniciativa fez parte da pesquisa “Infância, pesquisa e experiência: reflexões e olhares para o desenvolvimento infantil a partir de produções imagéticas de professores e crianças”, coordenada por César Donizetti Pereira Leite, professor adjunto da Unesp, e realizada com apoio da FAPESP. O trabalho prático foi realizado em uma creche da rede pública de Rio Claro.

As visitas à creche ocorreram uma vez por semana, com duração média de 2 horas, ao longo de sete meses do ano letivo de 2012. As 45 crianças envolvidas na experiência produziram mais de 3.500 fotos digitais e 10 horas de filmagens.

Foram oferecidos a meninos e meninas de um a três anos de idade equipamentos de gravação digital: câmeras fotográficas e de vídeo e tablets. Houve o envolvimento dos professores, mas sem qualquer orientação que pudesse influenciar a espontaneidade do manuseio.

O objetivo, de acordo com Leite, foi descobrir novas percepções sobre o universo infantil por meio do registro espontâneo feito pelas crianças. “A maneira como as gravações foram feitas possibilitou reflexões importantes sobre os modos como o corpo e a memória criam e orientam sentidos”, disse.

Isso porque os equipamentos acabavam sendo usados não como câmeras, mas como brinquedos ou extensões do próprio corpo, levando a um registro muito próximo da maneira como as crianças veem os objetos e as pessoas que as cercam no dia a dia.

“As imagens produzidas abrem uma perspectiva de olhar, do ponto de vista da criança, detalhes nunca percebidos, como botões de camisas, a sujeira no nariz, a baba, além de minúcias dos movimentos, com os olhares rápidos, desfocados, os cortes bruscos e as pausas longas”, disse Leite.

Para o pesquisador, a experiência sugere uma inversão no olhar do profissional que trabalha com crianças. “Em vez de oferecer técnicas, conhecimentos, teorias e sentidos para educar nosso olhar sobre as crianças, os vídeos lançam o corpo em uma aventura”, disse.

A pesquisa analisou a percepção dos professores sobre os vídeos. Para Leite, há uma “ditadura dos sentidos e da cognição” que as gravações desafiam. “Para os adultos, todas as imagens, por mais borradas, por mais vertiginosas que sejam, precisam dizer algo, precisam fechar em um sentido final”, disse.

Segundo o pesquisador, os professores tendem a associar as imagens produzidas com maior nitidez ou clareza, mesmo que causalmente, às crianças tidas por eles como mais inteligentes ou espertas, assim como os registros mais caóticos foram atribuídos às que apresentam maior dificuldade no universo escolar. “Um entendimento que reflete nossa falta, muitas vezes, de sensibilidade em perceber o mundo com os olhos das crianças”, avaliou.

Novas abordagens

Entre as possibilidades de abordagens para a educação infantil que a experiência inspirou está uma nova visão de passagem do tempo. “Nossos currículos, práticas educativas e modos de pensar e viver a educação estão pautados em um tempo cronológico, presente nas teorias de desenvolvimento humano no campo da Psicologia – as ideias de fases, períodos, estágios ou ainda a ideia de que evoluímos, tudo isso se organiza em uma esfera de uma modalidade de tempo: o tempo cronológico e linear. Com as imagens nos vemos em outro deslocamento”, observou Leite.

Para o pesquisador, as imagens rápidas, disformes e confusas captadas pelas crianças sugerem uma ideia não linear de tempo, o “tempo kairológico” – em referência a “kairós”, do grego antigo, que significa “momento oportuno”.

“Trata-se do tempo da oportunidade, quando estamos completamente absorvidos pelo momento presente”, disse Leite. Essa noção de tempo, segundo o pesquisador, é fundamental ao entendimento do universo da criança no processo de desenvolvimento infantil.

É importante também outra noção de tempo relacionada à intensidade do momento, não à sua duração. “Esse é o tempo aiônico, da experiência. Uma brincadeira, por mais banal que pareça a um adulto, pode tomar toda a concentração de uma criança. E, naquele momento em que nada a distrai, ela vivencia mais essa dimensão do tempo, que precisa ser considerada no processo de educação”, disse.

O curta-metragem produzido com as gravações das crianças é um desdobramento de experiências que vêm sendo realizadas desde 2010 na rede pública de ensino de Rio Claro e que já resultaram em possibilidades de políticas educacionais para o município, de acordo com Leite.

O projeto “Ação, câmera, luz: entre imagens e olhares – experiência de infância e montagens”, também conduzido com o apoio da FAPESP, levou a Secretaria de Educação de Rio Claro a criar um grupo de estudos sobre o tema composto por professores, diretores e coordenadores de escolas de educação infantil. Há ainda um projeto com a prefeitura para a formação docente orientada pela temática da imagem e do cinema na educação.

Na Unesp, as experiências deram origem ao Laboratório de Estudos e Pesquisa da Imagem, Experiência e Criação (Imago).

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