Crianças no TikTok: documentos da empresa vistos pelo NYT revelam que em julho um terço dos usuários tinha menos de 14 anos (Education Images / Colaborador/Getty Images)
Thiago Lavado
Publicado em 14 de agosto de 2020 às 15h26.
Última atualização em 14 de agosto de 2020 às 16h11.
Se a Microsoft — ou qualquer outra companhia que demonstrou interesse — comprar o TikTok, pode estar se envolvendo numa enrascada regulatória. De acordo com documentos internos do TikTok vistos pelo New York Times, uma quantidade grande de usuários da rede social pode estar próxima do limite legal para coleta de informações nos Estados Unidos.
Segundo o jornal, em julho o TikTok classificou 18 milhões de usuários como menores de 14 anos. Os dados apontam que o aplicativo teve 49 milhões de usuários diários no período. Cerca de 20 milhões dos usuários tinham mais de 14 anos e o restante foi classificado como tendo idade desconhecida. De acordo com ex-funcionários da empresa ouvidados pelo NYT, o TikTok não mede a idade dos usuários por autodeclaração, mas por comportamento dentro do aplicativo e por algoritmos de reconhecimento facial que varrem imagens e vídeos.
Que os adeptos do TikTok são mais jovens não é novidade, mas há um limite mínimo de idade para o uso de redes sociais por adolescentes nos Estados Unidos. O Ato de Proteção da Privacidade Online de Crianças (COPPA, na sigla em inglês) estabelece que é necessária autorização parental antes que um aplicativo ou serviço, o que inclui as redes sociais, colete dados de usuários menores de 13 anos. A lei estabelece que, se uma empresa tem conhecimento que um usuário é menor de 13 anos, fica obrigada a conseguir o consenitmento dos responsáveis ou deletar as informações pessoais.
Ex-funcionários do TikTok afirmaram ao jornal que vídeos desses usuários permaneciam online durante semanas e que o uso primário dessas informações era traçar estratégias e criar regras para moderadores de conteúdo da empresa seguirem. Em comunicado enviado ao jornal, o TikTok afirmou que conduz "modelagem de idade de alto nível para entender os usuários e permitir ao time de segurança proteger os adolescentes mais jovens em particular."
O COPPA já atuou sobre o Musical.ly, aplicativo de dublagens e vídeos curtos que foi incorporado ao TikTok em 2018. No ano passado, os operadores da companhia pagaram uma multa de 5,7 milhões de dólares em um acordo com a Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) sobre a quebra desse ato em específico.
Até o YouTube já foi afetado pela legislação. No ano passado, o site de vídeos, que pertence ao Google, foi multado em 170 milhões de dólares por coletar dados de uso de crianças em vídeos — a companhia chegou a mudar a política de publicidade em vídeos de conteúdo infantil para evitar novos entraves legais. No Facebook e no Instagram, contas de pessoas com menos de 13 anos são desativadas para evitar problemas legais.
A possibilidade da venda do aplicativo para empresas americanas surgiu depois que o governo de Donald Trump deu um ultimato sobre a empresa, que precisa ter suas operações nos Estados Unidos adquiridas por uma companhia local ou será proibida de funcionar. O TikTok tem até 15 de setembro, segundo Trump, para ser comprado.
Os motivos para comprar o aplicativo são desconhecidos, mas a Microsoft, em comunicado veiculado quando declarou a intenção, falou em "garantir que todos os dados privados dos usuários americanos do TikTok sejam transferidos e permaneçam nos Estados Unidos.” A quantidade de informações e dados de usuários pode ser atrativa para a empresa, que tem apenas uma incursão no mercado de redes sociais, o LinkedIn, com um perfil mais corporativo.
Em entrevista recente à revista Wired, Bill Gates, fundador da Microsoft, afirmou que é difícil saber o que será dessa negociação e que é um "cálice de veneno". "Ser grande no negócio de mídias sociais não é um jogo simples", disse Gates. Se a idade de boa parte dos usuários fica abaixo do limite legal, Gates está coberto de razão.