Tecnologia

O que está por trás do embate entre Apple e Facebook sobre o uso de dados

As duas gigantes da tecnologia estão envolvidas em uma discussão que pode moldar o futuro da economia de empresas que lucram com o uso de dados coletados dos usuários

Mark Zuckerberg e Tim Cook: troca de farpas e polêmica de dados (David Ramos/ Justin Sullivan/Getty Images)

Mark Zuckerberg e Tim Cook: troca de farpas e polêmica de dados (David Ramos/ Justin Sullivan/Getty Images)

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Rodrigo Loureiro

Publicado em 29 de janeiro de 2021 às 14h23.

Última atualização em 29 de janeiro de 2021 às 15h16.

Uma frase conhecida do dramaturgo William Shakespeare diz que há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia. E há mais coisas entre os embates públicos de Facebook e Apple do que Mark Zuckerberg e Tim Cook revelam em suas entrevistas. De lado opostos, as duas gigantes da tecnologia – que juntas somam valor de mercado de mais de 3 trilhões de dólares – trazem novamente os holofotes para o debate a respeito do uso de dados de usuários por empresas de tecnologia e como esses titãs digitais estão moldando uma sociedade cada vez mais exposta.

É preciso contextualizar. Em agosto do ano passado, a Apple lançou uma atualização para o sistema operacional iOS. A versão 14 da plataforma trazia melhorias ao sistema como um todo. Mas não foi o novo visual e nem as novas funcionalidades que roubaram a atenção. A partir do update, a fabricante do iPhone informou que iria adicionar uma camada extra de proteção aos dados de usuários. Em breve será preciso autorizar que os aplicativos instalados no smartphone coletem dados de rasteio do celular para serem usados com fins publicitários.

Isso afeta diretamente os negócios de diversas empresas de tecnologia que coletam dados, com base no que é permitido pela lei, como forma de ajudar os anunciantes a direcionar melhor suas postagens.  Com mais de 3,3 bilhões de usuários espalhados em suas plataformas digitais (Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp), o Facebook é a principal empresa que faz uso do artifício. Da receita de quase 86 bilhões de dólares da companhia de Menlo Park em 2020 (21% maior do que a obtida em 2019), uma fatia de 97% (84,1 bilhões de dólares) veio de publicidade.

Durante a última conferência de resultados do Facebook, Mark Zuckerberg mostrou que estava preocupado com o futuro de sua companhia frente aos avanços recentes de outra gigante da tecnologia. “Enxergamos a Apple como um dos nossos maiores concorrentes”, afirmou o executivo na quarta-feira, 27. A justificativa é de que a Apple usa sua plataforma dominante (o iPhone) para interferir em como os aplicativos funcionam a partir do momento em que passa a solicitar aos usuários a autorização para que esses aplicativos coletem e enviem os dados do telefone para as empresas.

A preocupação de Zuckerberg com seu negócio é válida. Por mais que a Apple venha aumentando sua receita obtida com outras fontes além do iPhone – como com a área de serviços que faturou 15,7 bilhões de dólares e já representa 14% do total –, ainda é o telefone com o símbolo de uma maçã na parte traseira o responsável pela fortuna da empresa criada por Steve Jobs. Somente no último trimestre de 2020, a Apple comercializou 90,1 milhões de iPhones e ultrapassou a Samsung na venda de celulares nos três últimos meses de 2020.

O aumento nas vendas vai ajudar o iPhone a ganhar mais participação no mercado em sua batalha contra celulares que utilizam o sistema operacional Android – adotado por praticamente todas os rivais da Apple. Uma pesquisa da consultoria GlobalStats aponta que, em dezembro de 2019, os celulares Android dominavam 74,1% do mercado global de smartphones contra uma fatia de 24,8% do iPhone. Ao fim do ano passado essa diferença caiu para 72,5% contra 26,1%. Nos Estados Unidos, a Apple conseguiu aumentar sua participação no mercado de 55,5% em dezembro de 2019 para pouco mais de 61% no mesmo mês do ano passado.

A conta, portanto, é simples: uma maior regulação da Apple em relação aos dados prejudica o negócio de empresas que trabalham com essas informações, como o Facebook. E isso fica ainda pior quando a Apple mostra que tem força para não apenas se manter como uma das principais fornecedoras de um dos aparelhos que permite o acesso às redes sociais, mas também para crescer e roubar a participação de outras concorrentes que não apresentaram medidas tão rígidas em relação ao controle de dados enviados para fins de publicidade. Como o Google, no Android.

O Facebook já age nos bastidores. Conforme reportado pelo The Information, a empresa está planejando processar a Apple por práticas anticompetitivas sob a alegação de que a companhia da maçã estaria prejudicando propositalmente uma concorrente direta, já que o WhatsApp e o iMessage, o serviço de mensagens disponível no iPhone, podem ser considerados rivais. Mas há uma diferença crucial entre as duas plataformas. O mensageiro da maçã não é munido de qualquer ferramenta para exibir publicidade, ao contrário do WhatsApp.

Motivado ou não por isso, Tim Cook, presidente da Apple, afirmou na quinta-feira, 28, durante um painel sobre o Dia Internacional da Proteção de Dados que “se um negócio é construído com base em usuários enganados, na exploração de dados e em escolhas que não são escolhas, então ele não merece elogio. Merece uma reforma”, disse o executivo sem citar explicitamente alguma empresa. No contexto atual, a crítica cabe perfeitamente ao Facebook que novamente está envolvido em polêmicas em relação ao uso de dados.

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