EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h30.
O consultor Adrian Slywotzky, vice-presidente e membro do Conselho de Administração da Mercer Management Consulting, adora música clássica. Chega a dedilhar o piano nas horas vagas. Se ele se dedicasse ao instrumento com a mesma devoção que tem pelos clientes, poderia muito bem deixar Mozart no chinelo. Aos 50 anos, tem quatro livros publicados, incluindo o recém-lançado How Digital Is Your Business? (Quão digital é o seu negócio?), e uma coluna na revista americana Fortune, além de já ter cuidado da saúde digital de empresas de setores tão diversos como comunicação, comércio, farmacêutico, químico, aço, financeiro e de bens de consumo. Slywotzky mora em Boston e diz ter pouco tempo para a mulher e os três filhos, de 21, 19 e 15 anos. "Não sei o que eles serão quando crescerem. Mas todos tocam violino muito bem", afirma.
Como desmistificar a crença de que "ser digital" é sinônimo de "comércio eletrônico"?
Ser digital não é ter um site ou empresa ponto-com no portfólio. O negócio digital não começa com a tecnologia, vmas com as seguintes indagações: quais são as questões mais importantes que minha empresa enfrenta? Quais as melhores escolhas para poder tratá-las? Quais atividades relacionadas a essas questões são físicas e envolvem átomos e quais envolvem bits de informações -- e por que não estou usando esses bits de uma maneira adequada? Ser digital é pegar um negócio que já está bem e torná-lo ainda mais eficiente para o consumidor -- e ainda mais produtivo ao substituir por bits de informação eletrônica atividades desnessárias ligadas a átomos. O aspecto mais importante é começar pelo negócio, e não pela tecnologia. E então analisar como a tecnologia ajuda a resolver as questões.
Então é preciso fazer uma faxina na empresa antes de trazer a tecnologia...
Exato. O melhor exemplo disso foi dado por Michael Dell, da Dell Computers, que disse: "Se você pegar um negócio ruim e colocá-lo online, ele vai continuar sendo um negócio ruim; a diferença é que será um negócio ruim online".
Quais seriam os benefícios de trazer o pensamento digital para uma empresa?
O primeiro é incrementar a produtividade. A média de giro no estoque da Dell pulou de sete para 70 vezes. O tempo que a Cemex levava para atender os clientes diminuiu de três horas para 20 minutos. O custo de serviço ao consumidor tradicional, para a Oracle, é de 350 dólares, mas, quando o consumidor responde às questões pela internet, cai para 20 dólares. Para a FedEx, a resposta sobre o status da encomenda via telefone custa 2,14 dólares; se o consumidor verificar a mesma informação pela internet, o custo é de apenas 10 centavos. Normalmente temos entre 10% e 30% de economia de custos com cortes convencionais, mas a digitalização pode significar dez vezes isso. O segundo aspecto, e o mais importante: a digitalização oferece a diversos tipos de negócios a oportunidade de redefinir a relação com o consumidor. Ele pode montar seu próprio produto.
O que é um bom negócio digital?
É o que permite ao consumidor se auto-servir, conferir preços, status de entrega, obter respostas técnicas, comparar. Nele, o consumidor faz o que a própria empresa faria a um alto custo, além de ter a possibilidade de uma resposta mais rápida, com nível mais alto de satisfação.
O senhor já deu consultoria a diversos setores. Há uma
forma comum de aplicar o pensamento digital?
Cada empresa deve criar as próprias soluções para se adaptar com eficiência. Empresas como GE, Cemex, Cisco e Dell criaram formas diferentes de ganhar dinheiro com tecnologia digital porque seus setores, clientes e modelos de negócios eram diferentes. As empresas podem aprender muito com o que as outras fazem, mas o exemplo não passa de material para a criação de sua própria solução.
Por exemplo...
Para a Cemex, a grande questão era a demanda imprevisível. A Dell buscava redução no custo de estoque. A GE queria diferenciar produtos que deveriam transformar-se em commodities. Essas empresas pertencem a um grupo internacional que, de 1995 a 1999, olharam para oportunidades digitais não como um instrumento de um novo negócio, mas como uma maneira de incrementar os negócios já existentes.
Como o senhor orienta clientes que não pisaram na nova era?
Levo-os a pensar na forma como fazem negócios. Na maior parte dos casos, tanto o lucro como a relação com os clientes estão pressionados pela concorrência. A tecnologia digital permite novas formas de reduzir custos, servir clientes e competir com mais eficiência. Entre 1995 e 1996 as empresas começaram a abraçar as oportunidades da tecnologia digital -- mas só em 1999 e 2000 fomos capazes de ver o resultado financeiro que a digitalização trouxe. E esses resultados foram magníficos. As empresas que fizeram a transição -- que durou de três a quatro anos -- tiveram lucro de 10 pontos percentuais acima dos concorrentes e índices de crescimento entre 10 e 15 pontos percentuais superiores.
A que se deve a crise que afetou as empresas ponto-com? Falta de bons exemplos? De boas estratégias? De ação?
Foi tudo isso e mais o fato de que, a cada cinco ou dez anos, passamos por uma grande bolha no mercado de ações. No fim dos anos 60, foi a fase dos conglomerados. Nos anos 80, a época dos PCs e do software, além de uma fase da biotecnologia. A bolha ponto-com foi a seguinte, numa longa série de bolhas. O segundo aspecto é esse que você levantou: as pessoas estavam focadas na tecnologia e não nas questões fundamentais. Estavam mais focadas nela que nos fundamentos do negócio.
Além da pressa desenfreada de abrir o capital...
No mundo do capital de risco, antes de as empresas ponto-com existirem, uma companhia levava de quatro a cinco anos para deixar de ser uma start-up e se tornar uma empresa lucrativa. Só depois abria o capital. No fim dos anos 90, as regras para fundos de capital de risco foram suspensas, e as empresas passaram a ser financiadas no segundo ou terceiro ano de vida na esperança de que seriam bem-sucedidas. Isso, claro, não tinha sentido nenhum. O resultado foi ruim não só para as ponto-com mas para a economia toda. Agora o mercado vai voltar a ser o que era antes.
Mas o boom foi inflado por especialistas e consultores. Eles não previram o fracasso adiante?
Uma minoria previu e alertou o mercado. Dei um bocado de palestras nas quais usei a analogia da indústria de software de 1992 e 1993, quando desapareceram centenas de empresas que haviam chegado ao topo na época. A Microsoft sobreviveu. Apenas uma em cada dez empresas ponto-com focou nas inovações da tecnologia -- nesse imenso grupo incluíam-se investidores, comentaristas e jornalistas que estavam tão animados com a nova idéia que taparam os olhos para questões econômicas. Algumas grandes instituições financeiras gastaram centenas de milhões de dólares para construir um banco online sem perguntar primeiro aos consumidores quantos queriam um banco somente online. A reposta foi menos de 10% -- e eram os consumidores mais lucrativos. Gostaria de dizer que esses exemplos são uma segurança para o fim das bolhas. Mas dentro de sete anos algo do gênero vai acontecer novamente e tudo será esquecido.
E quais foram as empresas que passaram pelo ciclo, sobreviveram e continuaram lucrativas?
São AOL, eBay e Yahoo! Em cada caso, houve aspectos importantes. O valor da proposta para os clientes se diferenciava da concorrência. As três empresas desenvolveram uma maneira de criar lucratividade desde o começo, e criaram estratégias para proteger essa lucratividade.
O que devemos esperar da Nova Economia nos próximos anos?
Para cada mercado há uma porcentagem de consumidores que já são digitais -- são os que querem interagir, obter informações e comprar digitalmente. Mas isso varia de setor para setor. Para a Cisco, 80% ou 90% dos consumidores são digitais. Para a Schwab, devem ser uns 50%. E, para outros negócios, isso deve girar em torno de 10% ou 15%. As empresas mais bem-sucedidas são as que entendem qual o percentual de clientes digitais, quem são eles e como lhes dar formas de fazer negócios digitalmente.