Tecnologia

O futuro da Samsung

David Cohen Não há como disfarçar a derrota: menos de dois meses depois de lançar seu celular mais sofisticado, a Samsung foi obrigada a abandonar sua produção. Mas seis dias antes a companhia deu um sinal de grande vitalidade, que passou quase despercebido: com a compra de uma startup inovadora, posicionou-se para a grande batalha […]

GALAXY NOTE 7: após relatos de explosões do aparelho, Samsung decidiu parar de vender e fabricar o smartphone / George Frey/ Getty Images

GALAXY NOTE 7: após relatos de explosões do aparelho, Samsung decidiu parar de vender e fabricar o smartphone / George Frey/ Getty Images

DR

Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2016 às 21h19.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.

David Cohen

Não há como disfarçar a derrota: menos de dois meses depois de lançar seu celular mais sofisticado, a Samsung foi obrigada a abandonar sua produção. Mas seis dias antes a companhia deu um sinal de grande vitalidade, que passou quase despercebido: com a compra de uma startup inovadora, posicionou-se para a grande batalha do futuro dos smartphones – a inteligência artificial.

A derrota é o que chama mais a atenção. O Galaxy Note 7 foi planejado para ser o lançamento mais quente do ano. E foi – embora não do jeito que a Samsung tinha previsto. Na terça-feira, 11, a empresa anunciou o fim da produção do smartphone de 5,7 polegadas com a famosa caneta para facilitar o trabalho em alguns aplicativos, desempenho excepcional, uma câmera extraordinária, bateria de vida longa… Tudo por causa de um único defeito: o aparelho às vezes ficava tão quente que explodia.

Foram, segundo a empresa, apenas 92 casos notificados nos Estados Unidos. Era o suficiente para soar um alerta mundial. Foi convocado um primeiro recall que atingiria 2,5 milhões de aparelhos. E agora – após a notícia da explosão de um telefone com bateria trocada pela empresa e ante a probabilidade de um segundo recall que mancharia a imagem da empresa – veio a decisão de eliminar o produto. Há rumores inclusive de que toda a linha Note — composta de outros smartphones e tablets — seja totalmente descartada.

É possível que a pressa de lançar o Note 7 em setembro, antes dos novos modelos da Apple, sua principal concorrente, tenha elevado os riscos de falha na produção. Mas ninguém sabe ainda qual foi o problema do celular. A princípio, a Samsung afirmou que era um defeito de bateria. Disse que a culpa era de um dos fornecedores (supostamente uma outra divisão da Samsung) e iniciou o movimento de recolher os aparelhos vendidos para trocar a bateria por outra, feita pela ATL, uma subsidiária chinesa do grupo japonês TDK, um dos principais fornecedores da Apple.

A um jornalista da revista Forbes, a empresa afirmou que tinha “plena confiança” de que o problema não se repetiria. Só que os relatos de aparelhos quentes demais, chegando a explodir, atingiram também os celulares revisados. Um avião da Southwest Airlines mandou que 75 passageiros desembarcassem depois que um smartphone da Samsung superaqueceu e começou a soltar fumaça – segundo os donos do telefone, era um dos aparelhos trocados no recall. Autoridades na China relataram 20 casos de problemas com o Note 7. O país havia ficado de fora do recall porque os aparelhos vendidos ali não tinham recebido baterias do fornecedor supostamente problemático.

Ante os novos casos, alguns analistas opinaram que o problema não tenha a ver com a bateria, e sim com alguma falha de projeto. “Talvez o design do aparelho coloque pressão demais na bateria”, afirmou Jan Dawson, da Jackdaw Research, firma independente de avaliação de produtos tecnológicos. “Os celulares são aparelhos complexos, você pode fazer 499 coisas certas entre 500 , mas se comete aquele um erro, o telefone vai ser problemático”, disse Daniel Kim, do banco de investimentos Macquarie, ao The Wall Street Journal.

Corroborando a impressão de que o defeito não era da bateria, na segunda-feira 10 a Samsung pediu aos revendedores que suspendessem as vendas do Note 7 até que os novos incidentes fossem esclarecidos. Um dia depois, anunciou o fim da linha.

“Tomando a segurança dos nossos clientes como nossa maior prioridade, nós decidimos parar as vendas e a produção do Galaxy Note 7”, comunicou a empresa. Uma porta-voz da empresa afirmou que o smartphone não voltará ao mercado, mesmo se os engenheiros conseguirem consertar o defeito que provocou a explosão de alguns aparelhos.

O anúncio levou a uma queda de 8% no valor das ações – um baque de algo como 19 bilhões de dólares no valor de mercado da companhia – que contribuiu para que o mercado sul-coreano recuasse 1,2% no dia. A perda de valor se seguiu a especulações de que a imagem da Samsung poderia ficar arranhada, o que afetaria a venda de outros aparelhos.

Segundo outro analista do banco Macquarie, o prejuízo com o fim do Note 7 pode chegar a 2,8 bilhões de dólares no último trimestre do ano, uma cifra que eliminaria todo o lucro da divisão de celulares no período. Até o ministro das Finanças da Coreia do Sul, Yoo Il-ho, se mostrou preocupado com o impacto na balança comercial – a venda de celulares da Samsung representa cerca de 2% do total de exportações do país.

O temor talvez seja exagerado. Primeiro, porque a empresa ainda tem a linha S para lhe sustentar – com vendas mais de três vezes maiores do que as da linha Note. No mercado sul-coreano, a Samsung está agindo para manter a clientela, com ofertas para que os compradores do Note 7 troquem o aparelho por algum outro modelo da marca.

Nos Estados Unidos, já há alguns sinais de contágio dos problemas do Note: as vendas do modelo S7 caíram na última semana, de acordo com uma rede de revendedores. Como o início dos problemas coincidiu com o lançamento do iPhone 7, a Apple se beneficiou do drama da Samsung. Uma pesquisa americana apontou que 26% dos compradores do Note 7 pretendiam usar o dinheiro da devolução para comprar um iPhone, ante 21% que pretendiam comprar um modelo diferente da própria Samsung e 18% que ficariam com uma versão consertada do Note 7 (a pesquisa foi feita antes do cancelamento das vendas).

As preocupações com a saúde financeira da Samsung podem ser desmedidas. Na semana passada, a Samsung divulgou seu relatório do terceiro trimestre, que apontava um aumento de 5,6% nos lucros em relação ao mesmo período do ano passado, apesar do impacto dos primeiros custos do recall.

O motivo é que a venda de componentes contrabalançou a decepção nos resultados do Note 7. As divisões de semicondutores e telas compensaram a projetada queda de 5,2% nas vendas de celulares. Como a sul-coreana é fornecedora de materiais para a Apple, especialmente telas, até o sucesso da rival, paradoxalmente, faz bem à Samsung.

A nova direção

Ainda assim, o baque é dolorido. O caso do Note 7 pegou a empresa justamente no momento em que ela se recuperava de dois anos de perda de mercado no segmento de smartphones de topo de linha. Mais do que no mercado americano, onde a liderança da Apple é bem estabelecida, a Samsung tende a sofrer no mercado chinês, onde compete com a Huawei.

A crise do Note 7 provavelmente apressou uma mudança na cúpula da Samsung. Lee Jae-yong, filho do presidente Lee Kun-hee (e neto do fundador da empresa), entrou no conselho de administração, uma movimentação apontada como sinal de sua próxima ascensão a líder da companhia. Lee, o pai, sofreu um ataque cardíaco em 2014.

“Mais de dois anos depois da hospitalização do presidente Lee Kun-Hee, o conselho da Samsung acredita que chegou a hora de nomear Lee Jae-yong como membro do conselho para permitir que ele assuma um papel mais ativo no processo de tomada de decisões estratégicas”, disse a empresa.

A mudança na diretoria coincide com uma mudança de direção nos rumos da companhia. Isso já havia ocorrido antes, quando ela passou de fornecedora de peças a produtora de celulares, competindo e irritando a Apple.

O próximo passo é mover-se para o terreno do conteúdo dos celulares. No dia 5 de outubro, a Samsung anunciou a compra da Viv Labs, uma startup de inteligência artificial fundada pelos inventores da Siri, o programa que funciona como assistente pessoal nos telefones (e agora também nos computadores) da Apple.

Com a aquisição, a Samsung entra na briga hoje travada entre os grandes gigantes de tecnologia, especialmente Apple, Google, Microsoft e Amazon. Assim como sua relação com a Apple é descrita como frenemy (mistura de friend e enemy, ao mesmo tempo amiga e inimiga), por seu duplo papel de fornecedora e concorrente, a Samsung tem se tornado cada vez mais uma competidora do Google.

Não à toa, o anúncio da compra da Viv, por um valor não revelado, foi feito um dia depois de o Google lançar sua nova versão de um assistente pessoal, o Google Home. A concorrência entre as duas empresas, aliás, é peculiar, porque se dá no próprio ambiente de cooperação. Um celular da Samsung opera no sistema operacional do Google, o Android, mas embarca aplicativos que competem com os do Google, como o Samsung Health, o Samsung Voice, o Samsung Gear e um Samsung Mail.

Um assistente pessoal é um passo adiante. E a Samsung está bem posicionada para dar um passo largo. Dag Kittlaus, um dos fundadores da Viv, afirmou ter ficado impressionado com a variedade de produtos da Samsung, de máquinas de lavar a smartphones e televisores, que poderiam ser impregnados com seu sistema. “Há uma série de produtos que podem ser trazidos à vida com essas interações na forma de conversa”, disse.

Tanto o Google quanto o Facebook haviam feito ofertas para a compra da Viv, mas Kittlaus e seu co-fundador, Adam Cheyer, preferiram as possibilidades da Samsung, que consideraram mais amplas. Os dois consideram que no futuro as pessoas não precisarão apertar botões para realizar suas tarefas. Uma assistente de voz nos moldes da Siri ou do Google Home (ou da Cortana, da Microsoft, ou Alexa, da Amazon) poderia tocar música a seu pedido, mas também fazer reservas num hotel e comprar a entrada no cinema.

Tudo isso seria feito numa longa conversa com o smartphone. Os assistentes pessoais hoje já conseguem fazer buscas e apresentar alternativas, mas cabe ao usuário clicar em suas opções. A Viv, porém, já fez parcerias com dezenas de empresas, incluindo hotéis, agências de viagens e floriculturas, além de cadeias de cinema e agências de shows, para equipar seu assistente com a lista de opções do cardápio de cada um. Assim, o aparelho pode entabular uma conversa com o usuário (“você prefere uma cama de casal ou duas de solteiro?”, “quantos dias você pretende ficar?”) até levar a operação a cabo.

Certamente os assistentes da concorrência também vão acabar chegando a esse ponto. Mas o importante, para a Samsung, é ter entrado no jogo. Também é claro que esse tipo de interação ainda pode demorar algum tempo para chegar ao mercado. Nessa hora, a Samsung já deverá estar em geração mais avançada do sistema. Mas para ter sucesso no futuro, será preciso que pouca gente se recorde do fiasco retumbante do Note 7.

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