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O "Desafio dos 10 anos" no Facebook é realmente uma cilada?

Autora alerta sobre os riscos do #10yearchallenge e lembra: seus dados podem ser muito valiosos

Desafio dos 10 anos encheu os feeds das redes sociais nesta última semana (Getty Images/Getty Images)

Desafio dos 10 anos encheu os feeds das redes sociais nesta última semana (Getty Images/Getty Images)

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Gustavo Gusmão

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 14h04.

Última atualização em 17 de janeiro de 2019 às 14h39.

São Paulo — Se você ainda não viu, é muito provável que logo apareça em seu Facebook (ou Instagram, ou Twitter) uma sequência de duas fotos de alguém. Uma mais antiga, de 2009, e outra mais recente, de 2019. É o chamado #10yearchallenge, o desafio dos 10 anos, última sensação viral nas redes sociais. Mas o que poderia ser só mais um meme virou centro de uma polêmica relacionada à privacidade nesta semana: o desafio de compartilhar fotos poderia ser só mais artifício de empresas de tecnologia para alimentar algoritmos de reconhecimento facial, deixando-os cada vez eficazes.

Pelo menos foi essa a hipótese que levantou a autora e especialista em tecnologia Kate O’Neill, em um artigo publicado no site da revista Wired. Ela não apresentou provas de que alguma companhia esteja por trás da ação ou da hashtag. Mas levantou um ponto interessante: graças ao viral, qualquer um agora tem acesso a uma seleção de fotos cuidadosamente separadas pelas próprias pessoas, mostrando como elas eram há 10 anos e como estão agora.

Esse conjunto de dados “curados” é valiosíssimo para alguém que esteja desenvolvendo um algoritmo de reconhecimento facial. Tudo porque ele poupa uma boa parte do trabalho que é juntar e “limpar” as informações usadas para alimentar e treinar um software do tipo, como explicou o pesquisador de aprendizado de máquina BIll Hart-Davidson. “O objetivo de uma campanha como essa seria essencialmente compartilhar o esforço para melhorar o aprendizado de máquina sem supervisão”, escreveu em seu Facebook.

Em termos de aplicações práticas, as fotos poderiam ser usadas para “ensinar” um software a identificar melhor padrões de envelhecimento nas pessoas. E um programa do tipo, acredita a autora O’Neill, teria alguns usos benignos e outros nem tanto. A Índia, por exemplo, adotou um sistema de reconhecimento facial assim em 2018 para identificar e resgatar mais de 3 mil crianças perdidas.

Por outro lado, a China poderia aplicar esse conhecimento todo no seu programa de vigilância da população. Assim, conseguiria monitorar as pessoas com ainda mais eficiência, sem perder ninguém de vista no decorrer dos anos. Isso sem contar as possíveis aplicações de um algoritmo do tipo para direcionar mais publicidade ou, em um futuro distante, até para vender seguros ou planos de saúde de acordo com o padrão de envelhecimento da pessoa.

É motivo para pânico? Devo apagar minhas fotos?

São muitas as hipóteses levantadas por O’Neill e também por Hart-Davidson. Mas a resposta curta para as duas perguntas é “não exatamente”, como a própria autora ressaltou. “Não estou dizendo que alguém deva entrar em pânico ou se sentir mal”, escreveu ela em seu Twitter, concluindo o pensamento. “Só vale a pena entender melhor como seus dados podem ser usados. Não precisamos ter medo de tudo, só pensar de forma mais crítica e aprender mais sobre o potencial que nossas informações têm quando usadas em larga escala.”

Fora isso, apagar as fotos agora não ajudaria muito a reverter todo o trabalho que as empresas de tecnologia já fizeram nesse campo de reconhecimento facial. O Facebook — que ressaltou não ter nada a ver com a ação dos 10 anos, vide o posicionamento abaixo — já é bem capaz de identificar os rostos de seus usuários nos mais diversos ângulos e situações graças ao grande volume de fotos publicadas. “Se a sua neura é com o que o Facebook poderia fazer com as fotos do desafio, você não tem com o que se preocupar”, escreveu Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) em seu blog, o Tecfront.

O Google, por sua vez, já tinha mais de 3.720 terabytes de imagens de usuários em seus bancos de dados em 2015 graças ao Google Fotos. E como o serviço é gratuito e tem espaço ilimitado para guardar fotos, é de se imaginar que o volume tenha crescido muito de lá para cá. Material de sobra, portanto, para aperfeiçoar o sistema de reconhecimento facial do aplicativo, que hoje é capaz de identificar até animais pelo rosto.

O lado do Facebook: Esse é um meme criado pelos usuários das nossas plataformas e que viralizou espontaneamente. O Facebook não começou essa onda, e o meme geralmente usa fotos que já estão no Facebook. Nós não ganhamos nada com esse meme (além de nos lembrar das tendências questionáveis de moda de 2009). Como lembrete, vale dizer que as pessoas no Facebook podem escolher se querem deixar o reconhecimento facial ativo ou não a qualquer momento.

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