Evento realizado em 2019 no campus do Google for Startups em São Paulo (Google for Startups Brasil/Reprodução)
Laura Pancini
Publicado em 9 de março de 2021 às 18h00.
Última atualização em 9 de março de 2021 às 18h34.
Pela primeira vez, o Google for Startups Accelerator anuncia uma nova edição de seu programa com uma turma totalmente formada por empresas brasileiras lideradas por mulheres.
As dez startups selecionadas para a primeira turma de 2021 vão contar com sessões de mentoria com especialistas do Google e empresas parceiras durante os próximos três meses, em formato 100% online, que serão dedicadas a resolver desafios técnicos e de liderança.
As startups selecionadas foram Gupy, Safe Space, Justto, Datarisk, DealerSites, Hygia Bank, Redação Nota 1000, Manipulaê, Grão e Leads2b. Três das dez selecionadas já fizeram parte dos programas do Google for Startups. A Gupy foi residente na segunda e na terceira turma do Accelerator, em 2018. Já a Datarisk e a Leads2b participaram do programa Immersion, em 2019, voltado para startups com sede fora do estado de São Paulo.
No Google for Startups Accelerator, a solução é desenvolvida a partir do problema. As dez startups definem um projeto antes do programa começar, focando em um grande desafio que está sendo difícil de resolver internamente. Os problemas variam desde complicações técnicas até dificuldades com o produto e a estruturação da tecnologia.
Para participar, é necessário que a startup já esteja em um estágio mais maduro de desenvolvimento, para que o time consiga focar no programa sem deixar de lado a rotina do trabalho. Alguns ex-participantes das primeiras edições, quando ainda eram globais, são Nubank, Loggi e QuintoAndar. O CTO e fundador do QuintoAndar, André Penha, é, inclusive, um dos mentores mais presentes nos novos programas.
Um caso de sucesso do programa é a Liv Up, que se inscreveu em 2018 com a intenção de melhorar a retenção dos clientes. Após três meses, a startup com foco em alimentação saudável conseguiu aumentar seu tempo de resposta em 50%, a taxa de conversão pelo Android em 200% e a taxa geral em 900%.
Durante o programa, que tem duração de três meses, as equipes têm mentorias com foco em liderança e o suporte e ferramentas para aprimorar o uso de cloud, machine learning ou Ads, dentre outras tecnologias. O mês é dividido em uma semana, na qual todos os encontros acontecem, e as três semanas restantes são reservadas para pôr em prática os aprendizados.
“A nova edição do programa contará com um módulo específico de liderança feminina”, diz Fernanda Caloi, gerente de programas do Google for Startups Brasil e uma das responsáveis pela execução desta edição do programa. Nele, a ideia é conversar sobre autoconhecimento e adversidades que mulheres líderes tendem a enfrentar, como dificuldade para falar sobre seus sucessos, ser assertiva e realizar negociações.
Quem completa do programa é convidado para fazer parte da rede alumni, onde muitas das 88 startups que já fizeram parte das antigas edições participam de eventos de desenvolvimento de liderança anuais.
“O mundo mudou nos últimos anos e todo mundo percebe como é importante ter a diversidade como parte de seu programa”, afirma Caloi. “Estamos superanimados de ter startups avançadas que estão resolvendo grandes problemas nas áreas de saúde, educação e finanças.”
A Gupy é uma startup com um software de recrutamento, seleção e admissão que ajuda outras empresas a contratar de forma efetiva. Ela foi fundada em 2014 pelas profissionais de recursos humanos Mariana Ramos Dias e Bruna Guimarães, Robson Ventura e Guilherme Henrique Dias, e começou com uma startup bootstrapped, ou seja, que utiliza recursos próprios.
Hoje, a startup conta com 260 colaboradores e mais de 700 empresas, como Ambev, Renner, Via Varejo, Santander, GPA e Lojas Americanas, já utilizaram seu software para recrutar novos funcionários. De acordo com o site da marca, um recrutador gastaria por volta de 50 horas e 313 reais para analisar 1.000 currículos sem qualquer auxílio. Com a Gupy, estes números abaixam para 13 horas e 81 reais.
Em entrevista à EXAME, a cofundadora Mariana Ramos Dias afirmou que o objetivo da startup desde seu início era tornar os processos seletivos “mais ágeis, justos e encantadores”. Sua inteligência artificial (IA), chamada Gaia, tem um dos maiores bancos de dados do mundo de palavras em português para RH e torna o processo seletivo mais fluido, tanto para candidatos quanto para gestores.
“Os processos seletivos são cheios de vieses inconscientes, com pré-requisitos como idade ou faculdade. Por meio de vários experimentos, percebemos que não necessariamente as pessoas que tinham aquilo como pré-requisito realmente performaram bem ou ficaram na empresa”, diz Dias. A Gaia não avalia pré-requisitos como os mencionados, mas sim estuda quais candidatos têm mais aderência com o fit da vaga. “Se a IA não for desenvolvida de forma ética, ela vai impactar a diversidade”, afirma.
Esta é a terceira vez que a Gupy participa do Google for Startups. Na primeira vez, a empresa contava com menos de dez funcionários e o programa ajudou a dar o impulso e a credibilidade que ela ainda não tinha na época. “Nós precisávamos aprender com os outros, então só de conviver com outras startups no mesmo estágio, tivemos muitas trocas”, afirma Dias.
Na edição de 2021, os desafios que serão enfrentados pela Gupy são de otimização de seus softwares de recrutamento, seleção e admissão. Sobre o foco em liderança feminina, a cofundadora reflete: “Quando comecei, tinha pouca experiência como empreendedora. Tive o privilégio de me encontrar com muitas pessoas que me ajudaram a crescer, mas hoje percebo que todos eram homens. Nunca tive uma referência feminina que estava passos na minha frente”.
“Quero que a Gupy seja uma empresa maior e melhor para dar exemplo para essa mulherada e mostrar que dá para fazer, sim. O Brasil está lotado de problemas, mas cheio de oportunidades. As mulheres que estão cada vez mais famintas para entrar neste ecossistema, podem vir e ajudar!”, finaliza.
A preocupação com o bem-estar no local de trabalho é uma demanda crescente de profissionais e de empresas, que muitas vezes não estão preparadas para lidar com denúncias e abusos. Foi pensando em mitigar esse problema que nasceu a SafeSpace, startup focada em prover soluções de ouvidoria e denúncia.
O assunto não é simples e muitas vezes tem dificuldade de caminhar ou de resolver em canais analógicos e processos pouco transparentes. A solução da SafeSpace passa não só por uma plataforma tecnológica, que permite relatos anônimos ou identificados, mas também por um acompanhamento das empresas durante a implementação do canal: há apoio na comunicação, no ensino de administração da plataforma e no processo de construção de confiança junto com os funcionários.
“Isso ajuda a empresa a demonstrar para os funcionários que é um movimento verdadeiro. Por muito tempo, canais de denúncias foram implementados ‘para inglês ver’, por pressões de investidores, regulamentação, pedidos externos. E os funcionários não confiavam. Isso mudou, as empresas estão entendendo que é prejudicial não enxergar onde estão os problemas de comportamento”, afirma Rafaela Frankenthal, uma das fundadoras da SafeSpace.
Além de Frankenthal, outras duas mulheres estão por trás da fundação da startup, Giovanna Sasso e Natalie Zarzur. Claudia Farias se juntou ao grupo depois, como líder de tecnologia e sócia.
A SafeSpace promove ainda conversas com as empresas para tornar o ato de falar sobre os problemas internos menos estigmatizados. São realizadas ativações, workshops e espaços de debate para discussão.
De acordo com Frankenthal, a tecnologia e a maneira como a SafeSpace funciona permitem aumentar as chances de alguém relatar problemas, ao mesmo tempo que ajudam a reduzir a incidência de fraudes. Ela afirma que, estatisticamente, relatos fraudulentos são mínimos. O grande problema é que as pessoas não reportam.
“Por isso, tentamos diminuir fricções. Vamos guiando a pessoa ao longo do fluxo, fazendo perguntas, para que ela possa entender o que aconteceu, dar exemplos. Esse fluxo estruturado ajuda a evitar relatos fraudulentos, porque a mentira precisa ser mais elaborada. O processo é transparente e dificulta ir adiante com uma mentira”, afirma.
Atualmente, o crescimento da plataforma é acelerado, 49% ao mês. Depois de um primeiro aporte no ano passado, o foco tem sido no desenvolvimento tecnológico, do produto e trazer pessoas experientes para o time. Com a aceleração do Google for Startups, a SafeSpace quer aproveitar a expertise em inteligência artificial para usar a tecnologia e deixar o processo dos relatos menos engessado.
Em média, levam-se oito anos para resolver um conflito na Justiça Brasileira. Uma estimativa da Associação de Magistrados Brasileiros aponta que 40% dos conflitos poderiam ser resolvidos de outra forma, fora dos fóruns jurídicos. Mas apenas 12%-13% deles são. A Justto é uma lawtech que trabalha para ampliar esses números.
A startup dispõe de uma plataforma para que empresas possam fazer resolução de conflitos com mais tecnologia, dados e informações. Segundo Michelle Morcos, cofundadora e CEO da Justto, há três grandes problemas a solucionar.
O primeiro é a coleta de dados: ajudar as empresas a entender com quem e por quanto podem fechar um acordo, e as pessoas físicas a entender qual é a zona ótima de negociação. Coletar e estruturar esses dados dos sistemas informacionais dos tribunais brasileiros já é um desafio por si só. A segunda frente é o ganho de escala: Morcos explica que para algumas empresas, como do ramo de telecomunicações, por exemplo, é inviável operacionalizar entre 5.000 e 10.000 negociações, e precisam de automação no processo. O terceiro ponto é integração de sistemas, para melhorar conversas de diferentes áreas da empresa com o departamento jurídico e identificar fraudadores.
“Ajudamos a automatizar grande parte do trabalho que envolve uma negociação de acordo. Não substitui o negociador, mas ajuda o profissional, seja um advogado ou mediador, a conseguir negociar 2.000 casos ao passo que ele conseguiria negociar 200”, diz Morcos em entrevista à EXAME.
A ideia de realizar e intermediar a resolução de conflitos é antiga, explica a CEO, mas sempre encontrou problemas de assimetria de informações e coleta de dados. “A Justto atua nessas três frentes. O Judiciário gasta menos, diminui de tamanho; as empresas conseguem se organizar para fechar mais acordos; e a pessoa física não precisa ficar anos no Judiciário resolvendo um conflito."
A operação é complexa e a Justto foca no algoritmo de negociação, usando soluções de lawtechs do mercado como ferramentas adicionais. O faturamento triplicou em 2020 e um crescimento de 2,5 vezes é esperado para este ano.
Com a aceleração do Google, a startup espera receber mentoria para melhorar infraestrutura de inteligência artificial e chatbots, aprimorando a identificação e as ações tomadas, tornando o processo mais assertivo e humanizado.
Morcos explica que, no final do dia, o objetivo é mostrar que o investimento em tecnologia jurídica pode ser um investimento, com retornos, não apenas como custo.