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Leia na íntegra a entrevista com Robert Gordon

  EXAME - O senhor tinha uma visão cética sobre o impacto dos computadores na produtividade, mas mudou de opinião. Por quê? Robert Gordon Foi a partir dos dados que começaram a aparecer no final de 2001. No começo daquele ano, o crescimento da produtividade diminuiu, como seria de esperar. Houve uma componente cíclica no […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h35.

 
EXAME - O senhor tinha uma visão cética sobre o impacto dos computadores na produtividade, mas mudou de opinião. Por quê?

Robert Gordon Foi a partir dos dados que começaram a aparecer no final de 2001. No começo daquele ano, o crescimento da produtividade diminuiu, como seria de esperar. Houve uma componente cíclica no final da década de 90 e foi essa a posição que adotei ao longo de todo o período até o final de 2001, mas aí tivemos todo um período com crescimento rápido. A produção estava crescendo apenas modestamente e, usando comparações e estatísticas do passado, parecia que era um fenômeno novo, inconsistente com as recuperações anteriores. Os dados falaram e eu mudei de idéia.

EXAME - O senhor afirma que foi o casamento entre computadores e comunicações um dos principais fatores por trás dessa elevação na produtividade. O senhor poderia dizer por que, então, isso não ocorreu antes?

Gordon - A maior parte do que aconteceu no final da década de 90 foi um casamento de comunicações, computadores e software que funcionou de ambas as maneiras. As comunicações foram essenciais para os computadores se comunicarem uns com os outros e para a Web ser inventada. E os chips também eram necessários para os celulares funcionarem como funcionam em todo o mundo. Por que demorou tanto? Há duas respostas. Uma: tivemos progresso constante ao tornar os chips mais potentes e menores na era do Pós-Guerra. E simplesmente era preciso ter uma determinada quantidade de poder de processamento nas máquinas para tornar essas invenções possíveis. A outra: o software não era muito bom. O marco foi o lançamento do Windows 95, saudado com grande entusiasmo por todos. Foi um salto adiante. Ele já veio com um navegador de internet. Essa foi realmente a transição. E foi quando o uso do computador se tornou fácil o bastante para quase todos quererem ter um em casa. Agora estamos em um ponto em que muitas casas têm vários computadores ligados por redes sem fio. De novo, isso não existia dez anos atrás. Enfim, foi uma combinação da evolução do hardware e do software.

EXAME - O senhor parece endossar a hipótese de que leva alguns anos para as pessoas usarem as inovações.

Gordon - Sim. Eu não endossava originalmente. Mas estamos obtendo agora inúmeros benefícios retardados com as invenções do final da década de 90. Uma das invenções de mais destaque que teve um efeito de aumentar a produtividade é a máquina de check-in automático nos aeroportos. Aparentemente, ela não exige a Web, mas foi tornada possível por uma tecnologia do mesmo tipo para ligar as máquinas. Por que não poderíamos ter isso dez anos atrás? Bem, estamos começando a ter caixas automáticos em supermercados e varejistas. Isso também tem um potencial muito grande de contribuir para o aumento da produtividade.

EXAME - Ainda há pessoas como Stephen Roach, o economista-chefe do banco Morgan Stanley, que afirmam que, embora os computadores tenham aperfeiçoado alguns processos, eles também tendem a deixar as pessoas mais disponíveis. Trabalhamos mais horas hoje. Mas o fato de trabalhar mais horas reduz a produtividade, certo? Como medir o equilíbrio entre as duas forças?

Gordon - Eu digo exatamente isso em um trabalho que escrevi algumas semanas atrás. Temos muitas histórias para defender ambos os pontos de vista. Temos Stephen Roach, afirmando que as pessoas estão trabalhando muito mais fora do local de trabalho, em casa ou viajando. Também há um número igual de histórias sobre funcionários nos escritórios usando a internet para consumo próprio, comprando coisas no eBay, ou até brincando com joguinhos ou fazendo planos de viagem para as férias. É muito duro conceber o tipo de pesquisa que pudesse fornecer a resposta correta. Por um lado é preciso conhecer qual era o equilíbrio dez anos atrás com respeito ao consumo durante o trabalho. Se as pessoas dez anos atrás fofocavam no café durante um determinado tempo, talvez agora elas estejam sentadas diante do computador e comprando no eBay. É muito difícil descobrir o tipo de informação que teríamos de pesquisar para resolver esse debate.

EXAME - Há uma outra linha de argumentação, defendida por pesquisadores do MIT, que tenta analisar os dados dentro das empresas e descobrir se, individualmente, elas sabem como usar computadores. Às vezes eles dizem que só agora algumas empresas estão aprendendo a usar os computadores que compraram nos anos 90. E isso representaria uma espécie de bolha de produtividade.

Gordon - Eu analisei isso em detalhe. O problema é que as ordens de magnitude simplesmente não são grandes o bastante para explicar o que estamos testemunhando. Uma explicação plausível é que, além dos computadores e programas, também há "investimentos intangíveis", em processos de negócio e reorganização. Depois que os investimentos em computadores caíram há três anos, os benefícios desse capital intangível de efeito retardado ainda está lá. Esses métodos aperfeiçoados é que estão impulsionando a produtividade a crescer tão rápido. Se você tentar colocar números nessa hipótese e medir o tamanho desse capital intangível, a rapidez com que ele cresce, quanta diferença ele faz, isso pode representar até meio ponto percentual de produtividade subestimada no final dos anos 90 por não contar os investimentos em intangíveis ou superestimada recentemente. Isso é parte da história, claro, mas ainda deixa muito por explicar.

EXAME - Em relação à produtividade, qual a diferença entre os Estados Unidos e a Europa, tão criticada nos seus artigos?

Gordon - Há vários investigadores que substituíram os índices e métodos europeus pelos americanos no cálculo de produtividade. Para a Alemanha, por exemplo, isso resulta em uma diferença de apenas 0,2 ponto percentual. Não é suficiente para explicar a evolução diferente. Claro que há algumas questões de medidas. Por exemplo, nós mudamos o modo como calculamos a produtividade dos bancos e do mercado financeiro. Agora contamos o número de ações trocadas ou cheques descontados ou compensados, e antes não fazíamos isso. Isso poderia ser uma direção melhor para verificar inconsistência nas medidas. Mas parece que o setor varejista é que explica a diferença. Já que os europeus estão usando a mesma tecnologia que nós, parece que a diferença cultural e política os levam a proteger velhos vendedores nos centros de cidades e torna mais difícil a construção de grandes hipermercados nos subúrbios.

EXAME - Como o senhor descreveria o fenômeno Wal-Mart?

Gordon - O Wal-Mart está na dianteira e lemos sobre ele todo dia. A última notícia foi sobre o dono de uma fábrica na China que está sob constante pressão do Wal-Mart para reduzir preços. Não são apenas os computadores, mas é toda uma filosofia de derrubar os preços em toda a parte. E isso aparece como maior volume de vendas. Mas temos várias outras empresas que também adotaram o modelo do hipermercado em todos os lugares que agora, como está acabando o espaço nos subúrbios, estão montando suas lojas no centro das cidades, empresas como a Home Depot ou a Best Buy. Eu vivo numa cidade pequena, Evanston, que tem uma população de 80 mil pessoas e, dez ou vinte anos atrás, tinha uma área central com lojas. Agora temos Home Depot e coisas do tipo, mas ainda não um Wal-Mart. Por outro lado, todas as lojas de ferramentas faliram por causa da Home Depot. Estamos substituindo lojas locais de baixa produtividade por outras de alta produtividade. É um processo que tanto no Japão quanto na Europa os políticos não gostariam de ver. Há várias medidas para proteger os pequenos varejistas. Essa é a grande diferença.

EXAME - No Brasil, a discussão sobre produtividade está focada na taxa de investimento, que é muito baixa se comparada ao que precisaríamos para manter o crescimento. Há pouca discussão pública sobre produtividade etecnologia, como nos países mais ricos. O que o senhor teria a dizer aos brasileiros sobre a importância dessa discussão?

Gordon - Meu primeiro impulso é dizer que vocês deveriam fazer tudo o que for possível para encorajar o investimento externo. Se as empresas brasileiras não investem o bastante, talvez seja importante tornar o país atraente para outros investidores externos, como o Wal-mart. Vocês não deveriam apenas se concentrar na indústria, pois todas as atividades econômicas têm o mesmo valor, independente de criarem exportações ou de apenas melhorarem a produtividade em um nível local. A rocha que sustenta o crescimento econômico é o crescimento da produtividade. E isso é verdade quase por definição. O único modo de obter crescimento econômico sem aumento de produtividade é se cada um trabalhar mais horas. Mas há um limite natural a esse processo. Não sei o bastante sobre o Brasil para ir além disso e dizer como vocês poderiam estimular mais investimentos.

EXAME - O senhor acha que o fato de as pessoas terem mais mobilidade e facilidade de acesso hoje terá um impacto tão grande na produtividade quanto outras inovações como a Web no passado?

Gordon - A transferência de informações mais barata, como essa chamada telefônica, deveria trazer mais rápido as tecnologias de alto nível aos países emergentes. Como você disse, isso ainda requer dois ingredientes. Um é o investimento físico para comprar o computador e as bugigangas que tiverem embutidas essa tecnologia. O outro é o capital humano. É preciso que a população tenha a educação necessária para usar esses dispositivos. O que estamos vendo nos países desenvolvidos é que os adolescentes e estudantes têm tanta destreza para lidar com os computadores que, em quase todos os casos, qualquer jovem de 18 anos sabe mais sobre computadores que os seus pais. É uma inversão de valores. Os países emergentes deveriam fazer todo o possível para encorajar isso investindo em os computadores para todas as escolas e fazendo o tipo de coisa que fizeram os países ricos há alguns anos. Talvez seja até o caso de subsidiar os computadores nas casas de estudantes. Mas tudo é interativo. Esse é o segredo do crescimento econômico. É preciso multiplicar todos esses fatores: capital humano, capital físico, um bom sistema legal, liberdade, fim da corrupção. Cada item individualmente não basta.

EXAME - Há dois tipos de impacto que a tecnologia pode ter na produtividade. Um é por meio da produção da própria tecnologia, que tende a beneficiar a indústria que vende tecnologia. O outro é pelo uso dessa tecnologia. O impacto na produção tem sido maior que no uso?

Gordon - Isso era o que eu achava no final dos anos 90, mas agora, com esses estudos sobre varejo, atacado e o mercado financeiro, está claro que estamos testemunhando os grandes benefícios de investimentos anteriores em computadores para esses setores usuários de tecnologia. Nenhum deles produz tecnologia. O Wal-Mart é maravilhoso no uso dela, mas compra o hardware e o software de outras empresas.

EXAME - Que dizer de sua previsão de que podemos obter crescimento de produtividade da ordem de 3% nos próximos anos?

Gordon - Tivemos uma grande surpresa positiva no último ano e meio. Agora a economia deve se estabilizar em um período de crescimento mais lento, e as empresas devem começar a contratar. Se você fizer as contas, parece-me que poderíamos estabilizar em um ritmo de 3%. Mas estou projetando, para as próximas duas décadas, algo como 2,5%. Isso ainda é muito bom, comparado com o que era. Se você tiver um crescimento de produtividade de 3%, então o nível de produtividade dobra a cada 23 anos. No final dessas duas décadas é possível que tenhamos uma economia completamente diferente. É um grande desafio para a Europa e o Japão manterem esse nível.

EXAME - Nenhuma outra grande inovação será necessária para isso?

Gordon - Provavelmente a inovação mais dramática na próxima década não estará nos computadores, mas na biotecnologia, com novos remédios e tratamentos prolongando a longevidade.

EXAME - Isso também poderia aumentar a produtividade da economia?

Gordon - Sim, e seria muito difícil medir esse efeito. Nesse tipo de desenvolvimento, também, poderíamos deixar de perceber muitos dos benefícios da produtividade. Sempre que há uma mudança, digamos, de uma cirurgia para uma droga ao curar uma doença, há uma economia de todos os recursos dos cirurgiões. Isso é aumento de produtividade. Não acredito que estejamos medindo isso de modo adequado. Ainda estamos medindo o número de pessoas operadas ou de leitos de hospital, sem corrigir corretamente com respeito à qualidade do que está sendo feito.

EXAME - Em relação à tecnologia da informação, portanto, a taxa de inovação tende a cair agora?

Gordon - Há um limite natural a tornar as coisas menores. A invenção de dispositivos sem fio vai sustentar o crescimento no uso dos computadores que já existem. O fato de poder se conectar sem fio e estar acessível de todas as partes, que ainda está ocorrendo de modo gradual, vai encorajar todos a ter um ou mais computadores disponíveis. E estão os tornando mais fáceis de usar. Mas não vejo isso como um salto quântico, como o que foi o software dos anos 90. Se você usa o Excel e o Word, eles são praticamente os mesmos programas que eram em 1997.

EXAME - São o mesmo que eram em 1987...

Gordon - (Risos) Acho que houve alguma mudança. Eu era um grande fã do WordPerfect.

EXAME - O senhor ainda o usa?

Gordon - Sim, embora cada vez mais eu tenha de convertê-lo para o Word e o trabalho não fica tão bom.

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