Tecnologia

Impressoras 3D já são realidade no país

Por menos de 2 mil reais, é possível fazer uma impressora em casa e usá-la para fabricar outras para seus amigos – ou para revender

Impressora 3D: tanto quem adquire uma pronta como quem se aventura a produzi-la pode fazer protótipos em poucas horas, sem sair de casa (Bart Dring / Wikimedia Commons)

Impressora 3D: tanto quem adquire uma pronta como quem se aventura a produzi-la pode fazer protótipos em poucas horas, sem sair de casa (Bart Dring / Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 16 de agosto de 2012 às 16h29.

São Paulo - Um campeonato inusitado vai acontecer em breve. O estudante Henrique Rossi Altero e o escultor Kiko Azevedo estão organizando uma corrida de carrinhos, impulsionados por balões de ar. Coisa de criança? Mais ou menos.

Só vão competir veículos de plástico impressos por seus donos. Altero, um estudante de engenharia ambiental de 24 anos, e o artista plástico Azevedo, de 57, são donos de impressoras 3D. Eles têm como hobby fazer experimentos variados com as máquinas.

Recentemente, Azevedo fabricou um crânio de dinossauro e depois fundiu a peça. Altero planeja construir a maquete de uma estação de tratamento de água. Histórias semelhantes tendem a se repetir. Antes restritas a empresas e universidades, as impressoras 3D começam a se popularizar. O preço dessas máquinas despencou, nos últimos dois anos, no mundo e no Brasil. Muitas startups têm produzido versões de custo mais baixo e já é possível encontrar modelos por cerca de 4 mil reais. Quem tem habilidade manual pode até se arriscar a montar uma.

Por menos de 2 mil reais, é possível fazer uma impressora em casa e usá-la para fabricar outras para seus amigos – ou para revender. Tanto quem adquire uma pronta como quem se aventura a produzi-la pode fazer protótipos em poucas horas, sem sair de casa. Na prática, cada pessoa passa a ser dona de uma fábrica de inovação.

As impressoras 3D foram inventadas há mais de 25 anos, mas só recentemente se tornaram acessíveis. Segundo o professor Adrian Bowyer, da Universidade de Bath, no Reino Unido, o fim das patentes permitiu essa mudança. “As patentes estão expirando. Até pouco tempo, seus donos detinham o monopólio da tecnologia. Essas empresas quase não investiram em desenvolvimento e preferiram vender poucas máquinas, a preços altíssimos”, afirmou Bowyer a INFO.

Mas a reviravolta só se tornou possível por conta da RepRap, uma invenção de Bowyer. O modelo é uma impressora 3D de baixo custo, capaz de reproduzir todas as suas peças plásticas.


Quase todas as iniciativas de startups têm inspiração na RepRap, cujo projeto começou em 2005. “Sempre me interessei pela ideia de máquinas que se autorreplicam e percebi que as impressoras 3D tinham a tecnologia ideal para isso”, diz Bowyer. O primeiro modelo é de 2008 e, com o tempo, vieram outros, com adaptações sugeridas por colaboradores de diferentes países.

O pesquisador inspirou-se no movimento do software livre e criou uma impressora open source, ou seja, que pode ser alterada livremente. Todas as mudanças têm de ser compartilhadas com a comunidade, garantindo que uma inovação surgida, por exemplo, no Japão, possa ser aproveitada por todos.

Cópias permitidas - A versão mais popular da RepRap, a Prusa Mendel, é resultado de uma série de modificações feitas em 2010 por Josef Prusa, um estudante checo que tinha 20 anos na época. Por causa das melhorias incorporadas, ela foi carinhosamente apelidada de Ford T, referência ao veículo que popularizou os automóveis.

Assim como o carro, a máquina tornou-se muito mais fácil de fabricar, consertar e aprimorar. Ainda assim, Bowyer se esforça para criar configurações cada vez mais simples. Ele não se importa que as RepRaps sejam copiadas, adaptadas e revendidas. “Fico contente. Meu interesse maior é ver como elas se espalham. Não quero controlar isso”, afirma. Pelo menos duas startups começaram a fabricar opções mais baratas de impressoras 3D no Brasil.

No ano passado, o estudante de engenharia de controle de automação Rodrigo Krug, 25 anos, descobriu que existia demanda no país. Resolveu, então, produzir um modelo de baixo custo e fundou a Cliever (cliever.com.br). A pequena empresa, que por enquanto tem três funcionários, fica hospedada na incubadora Raiar, ligada ao Parque Científico e Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre.

O primeiro modelo fabricado, a Cliever CL-01, tem como base a tecnologia da RepRap. Sua chegada ao mercado estava prevista para o início do mês. “Vamos oferecer um produto pronto, para pessoas que não querem ou não têm tempo de montar uma impressora”, diz Krug. “Desenvolvemos a parte eletrônica e toda a estrutura mecânica.

Nada foi copiado, mas inspirado em equipamentos que existem no mercado.” Vai custar 4.500 reais, virá com um quilo de material de impressão e terá como público-alvo empresas que precisam produzir protótipos rapidamente. Segundo Krug, o principal obstáculo para baratear ainda mais o produto é a carga tributária.


Uma outra startup, a Metamáquina (metamaquina.com.br), de São Paulo, surgiu da iniciativa de três jovens, os estudantes Rodrigo Rodrigues da Silva, 25 anos, Felipe Sanches, 28, e Filipe Moura, 29.

Eles resolveram fabricar e vender impressoras 3D inspirados pelas visitas a hackerspaces, oficinas colaborativas cada vez mais comuns nos Estados Unidos e na Europa, em que inventores se reúnem para criar o que imaginarem. “Durante muito tempo trabalhamos como ativistas do software livre. Queríamos uma forma de ganhar dinheiro que não conflitasse com nossos valores éticos”, diz Sanches.

Inovação para todos

O trio decidiu fabricar um modelo com tecnologia aberta, por isso a escolha natural foi a RepRap Prusa Mendel.

Primeiro, adquiriram uma Thing-O-Matic, impressora 3D fabricada pela startup americana MakerBot. Com ela, imprimiram as peças e montaram o protótipo da versão da RepRap que pretendem comercializar, batizada de Metamáquina 3D.

Faltava, no entanto, dinheiro para começar a produção. Para concretizar a ideia, em fevereiro os três colocaram o projeto no site de crowdfunding Catarse, com o objetivo de arrecadar recursos. Conseguiram 30 mil reais para começar. Alguns dos colaboradores contribuíram para receber, como recompensa, kits de peças ou aparelhos montados.

O trabalho da startup é quase artesanal. Na linha de produção há apenas uma Metamáquina 3D e a Thing-O-Matic. “Conseguimos fabricar sem ter uma estrutura industrial”, afirma Rodrigo Silva. O grupo, contudo, pretende ampliar o número de impressoras funcionando paralelamente, com o objetivo de acelerar o ritmo e reduzir os preços. Um modelo testado e calibrado da Metamáquina 3D custa 3.700 reais.

Também é possível adquirir todas as peças necessárias para a montagem por 2.900 reais.

Existem ainda kits mais baratos, sem a parte eletrônica. Até o fim de junho, o trio tinha vendido sete máquinas e 16 conjuntos de peças. Entre os interessados estão entusiastas, ativistas digitais, arquitetos, estúdios de design, empresas de software e universidades.


Empreendedor acidental

Quem tem uma impressora 3D dificilmente a deixa encostada num canto. A consequência é que, de uma hora para outra, pode-se virar um microempresário. Foi o que aconteceu com o estudante Henrique Rossi Altero, o Muringa, um dos idealizadores da corrida de carrinhos impressos por seus donos. “Acho muito interessante a ideia de pegar um objeto criado no computador e trazê-lo à realidade”, diz Muringa.

Bastou que construísse uma impressora para que se tornasse produtor e revendedor das partes plásticas das máquinas. Sua história mostra que ninguém precisa ser um técnico experiente para se aventurar nesse novo mundo.

Os principais requisitos são a curiosidade para montar e desmontar coisas, uma boa dose de paciência e relativa desenvoltura com ferramentas.

Movido pela vontade de ter um novo hobby, Muringa começou a montar sua impressora 3D em julho de 2011. Apesar de não ter conhecimentos avançados de mecânica, o estudante não se intimidou. Buscou dados e tutoriais na web, trocou e-mails com aficionados e importou algumas peças. O modelo feito por ele também é uma RepRap Prusa Mendel. O estudante levou quatro meses e gastou cerca de 2 mil reais. “Hoje, acho que levaria só um mês”, diz.

A impressora de Muringa já produziu 30 kits completos de peças de si mesma e prepara-se para fazer mais dez. Se tudo correr como planejado, terá se replicado em 40 novas impressoras, que também tendem a se multiplicar.

A comunidade de colaboradores da RepRap estimula quem construiu um equipamento a ajudar a fazer outros. O estudante segue a recomendação, mas a demanda tem sido tanta que ele teve de parar de aceitar pedidos até receber mais matéria-prima e dar conta da fila.


O sucesso levou-o a transformar seu blog em loja online (reprapbr.blogspot.com.br). Com as encomendas que recebeu, já conseguiu recuperar todo o dinheiro gasto para fabricar a primeira máquina.

O processo de funcionamento de uma impressora 3D é relativamente simples. Primeiro, usa-se um software de modelagem tridimensional para desenhar o que será impresso. Boa parte dos programas trabalha com arquivos no formato STL, comuns em projetos 3D. O computador envia, então, as instruções para a impressora, que aquece a matéria-prima a uma temperatura de até 230 graus e a deposita, em camadas, sobre uma superfície plana, dando origem à forma desejada.

O processo todo leva algumas horas. Pode parecer uma eternidade, mas nunca foi tão rápido criar um protótipo. Também dá para imprimir objetos prontos, como armações de óculos, esculturas ou peças de reposição – um puxador quebrado, por exemplo –, disponíveis em sites como o Thingiverse (thingiverse.com).

Existem, contudo, limitações. As impressoras 3D mais populares trabalham com dois tipos de termoplástico, por isso só dá para criar objetos que possam ser confeccionados com esses produtos. As matérias-primas mais usadas são o ABS, derivado do petróleo (é com ele que são feitas as peças de Lego, por exemplo), e o PLA, que é biodegradável e pode ser produzido a partir de fontes renováveis, como milho e batata.

Ambos têm de vir em fios com espessura de 2,9 milímetros, com variação máxima de 0,1 milímetro, para não enroscar e interromper a impressão, fazendo o trabalho se perder. Se encomendado nos Estados Unidos, um quilo de material custa 280 reais. A boa notícia é que tanto o ABS como o PLA estão começando a ser vendidos no Brasil. A empresa Movtech Technologia (movtech.com.br) iniciou a produção de ABS, e um quilo custa 100 reais. A Cliever promete vender ABS e PLA importados, pelo mesmo preço.

Graças à RepRap e a iniciativas de empreendedores pioneiros, o preço das impressoras também despencou. Hoje é possível construir uma impressora 3D em casa por 1 700 reais. A estimativa inclui impostos e frete dos componentes importados. Nos Estados Unidos, já existem modelos por 500 dólares.


Cuidado com a mão - As impressoras ainda são equipamentos perigosos. Para operá-las, é preciso cuidado, pois não há proteção para evitar contato com o bico extrusor, o equivalente ao cabeçote das impressoras jato de tinta.

A peça aquece o filamento plástico a altas temperaturas, derretendo-o para formar os objetos. Encostar em algum componente durante o funcionamento pode provocar ferimentos graves. Por isso, algumas empresas decidiram fabricar modelos que qualquer pessoa possa usar com segurança – e que também sejam simples de operar.

Um deles, o Cube, foi anunciado nos Estados Unidos em maio. “Foi desenvolvido para ser amigável, intuitivo e acessível”, disse a INFO Rajeev Kulkarni, vice-presidente de negócios para o consumidor da 3D Systems. A empresa foi a primeira a fabricar e vender uma impressora 3D, nos anos 1980, e resolveu competir com os modelos mais baratos disponíveis hoje no mercado.

A Cube parece um brinquedo. Conecta-se ao computador por Wi-Fi, dispensando cabos, e usa cartuchos de encaixe fácil, com dez cores diferentes. “Nosso alvo é a família. Achamos que as pessoas podem se juntar para criar e se expressar em 3D”, diz Kulkarni.

O software adotado é bem mais intuitivo que os de modelagem tridimensional compatíveis com outros equipamentos. Mas os arquivos dos modelos 3D usam um formato proprietário, o que dificulta muito o aproveitamento do enorme acervo de objetos na web. A impressora é vendida por 1.299 dólares e, por enquanto, a empresa pretende fazer entregas só para Estados Unidos, Canadá e Europa.

Faça você mesmo - A maior desvantagem de adquirir um modelo como o Cube são as limitações para modificá-lo. Criar projetos ousados também fica mais difícil.

Aqueles que se aventuram a montar uma RepRap em casa costumam aprimorar algumas peças ou criar versões alternativas da máquina. Há até quem vá além e se arrisque a criar uma impressora 3D do zero.

Com a ajuda de outros aficionados, Alain Mouette inventou a Mesa X-Y-Z. “Essas atividades são uma maneira de manter a minha sanidade mental”, diz, brincando, o empresário e engenheiro eletrônico de 57 anos, que mora em São Paulo. Ele não pretende vender a máquina, e sim estudar as tecnologias envolvidas.


O ponto de encontro virtual de Mouette, Muringa e outros que têm esse mesmo hobby é a lista de discussão RepRapBR (bit.ly/RepRapBR). Lá, iniciantes conseguem ajuda e dicas para montar sua primeira máquina, enquanto os mais experientes debatem sobre suas invenções e dificuldades.

O fórum funciona como um grupo de estudos e recebe mais de mil mensagens por mês. “Insisto muito para que os participantes criem blogs e publiquem fotos. Isso ajuda a aumentar as informações”, diz Mouette, criador de um bico extrusor feito só com peças disponíveis no país.

Foi com o auxílio dos integrantes do fórum que Leonardo Tuorto, 16 anos, montou sua impressora 3D. “Ficou pronta em fevereiro. Agora estou terminando a calibragem, que é um processo bem difícil”, diz.

As informações trocadas na RepRapBR também ajudaram o empresário Paulo Fernandes, 42 anos, a fazer sua RepRap. “Levei 45 dias, do momento em que li sobre o projeto até a primeira peça, uma moedinha com cara de pirata”, diz. “O futuro é a popularização da impressora 3D doméstica. O Lego vai perder espaço.”

Quebra-cabeça difícil - Há também quem passe por apuros para montar e operar sua 3D. Evandro Stein, de Belém (PA), comprou uma impressora SeeMeCNC H1 nos Estados Unidos. O modelo veio desmontado. “Não é como uma máquina que você compra pronta e já começa a imprimir. Tem gente que leva meses e não consegue terminá-la”, afirma.

Algumas das dificuldades são comuns. Depois de pronta, é preciso calibrar a máquina. A impressão de cada objeto também depende de vários parâmetros definidos pelo usuário, como a altura de cada fatia de plástico, a temperatura e a velocidade.

A tendência, no entanto, é que tudo isso se torne tão fácil quanto imprimir um texto em uma folha de papel. O professor Adrian Bowyer acredita que as impressoras 3D poderão se tornar eletrônicos comuns nas casas em cinco anos.

Para ele, o impacto dessa nova realidade na sociedade será imenso. Quando as impressoras 3D se multiplicarem, qualquer ideia se transformará em um objeto. Será o começo de uma nova Revolução Industrial?

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