O fundador da SingularityNET, Ben Goertzel, durante o Web Summit Rio 2023, no Rio de Janeiro (Eugenia LOGIURATTO/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 6 de maio de 2023 às 14h03.
Última atualização em 6 de maio de 2023 às 14h04.
Nos próximos anos, a inteligência artificial (IA) poderá substituir "até 80%" dos empregos e isso "é algo bom", provoca o cientista americano Ben Goertzel, destacado pesquisador sobre o tema.
De cabelos longos, estilo informal e chapéu com estampa 'animal print', este matemático nascido no Brasil desperta a atenção em conferências como a Web Summit do Rio, onde apresentou, esta semana, a última versão de seu robô humanoide Grace, uma enfermeira criada para cuidar de idosos em asilos e hospitais.
Responsável por cunhar o termo "Inteligência Artificial Generativa" (IAG), aquela com habilidades cognitivas humanas que ainda não foi desenvolvida, Goertzel, de 56 anos, disse em uma entrevista à AFP que faltam apenas alguns "anos" para isso acontecer.
E defendeu que esse futuro sistema seja administrado de forma descentralizada e democrática, objetivo pelo qual fundou e dirige a plataforma SingularityNET.
- PERGUNTA: Quanto tempo falta para termos uma inteligência com habilidades cognitivas humanas?
- RESPOSTA: Se queremos máquinas que sejam realmente tão inteligentes como as pessoas e tão ágeis para lidar com o desconhecido, precisamos que sejam capazes de saltos ainda maiores em seu treinamento e programação. E ainda não conseguimos. Creio, porém, que há motivos suficientes para pensar que não faltam décadas, mas sim anos.
- P: O que pensa sobre o debate em torno do chat-GPT e seus riscos? Os pesquisadores deveriam parar por seis meses, como alguns defendem?
- R: Não acredito que devemos parar, porque não se trata de uma IA super-humana perigosa (...) Não pode fazer raciocínios complexos de várias etapas, como requer a ciência. Nem inventar coisas novas fora do âmbito de seu treinamento com uma base de dados.
Há quem diga que deveríamos parar as pesquisas, porque esses sistemas podem disseminar a desinformação. Não concordo. Por que não proibimos a internet, que faz exatamente isso: coloca uma grande quantidade de informação ao alcance das suas mãos, e distribui também todas as mentiras e desinformação?
Acredito que devemos viver em uma sociedade livre, e assim como a internet não foi proibida, não deveríamos proibir isso.
- P: O potencial da IA para substituir empregos não é uma ameaça?
- R: Com sistemas da mesma natureza do Chat-GPT que vão surgir nos próximos anos, minha suposição é que provavelmente cerca de 80% dos trabalhos manuais se tornem obsoletos. E isso sem a necessidade de criar uma IAG.
Não a vejo como uma ameaça, mas sim como um benefício. As pessoas poderão buscar melhores coisas para fazer, ao invés de passar a vida trabalhando (...) Praticamente, todas as tarefas administrativas poderão ser automatizadas.
O problema que vejo é o período de transição, quando as inteligências artificiais começarem a tornar obsoleto um trabalho atrás do outro (...) Não sei como resolver esses problemas sociais.
- P: O que os robôs podem fazer hoje pela sociedade, e o que poderão fazer no futuro, com a IAG?
- R: Podem fazer muitas coisas boas.
Um exemplo é a Grace, a enfermeira robô. Muitas pessoas nos Estados Unidos estão sozinhas em asilos. E, ainda que tenham atenção médica, alimentação, TV, elas tendem a ser insuficientes em termos de apoio emocional e social. Se forem introduzidos nesses espaços robôs humanoides que respondam suas perguntas, escutem suas histórias, os ajudem a fazer ligações para os seus filhos ou a fazer pedidos na internet, se estará melhorando sua vida. Quando a IAG existir, se tonarão, então, acompanhantes melhores.
Nesse caso, não está eliminando empregos, porque não há pessoas suficientes que queiram trabalhar como enfermeiros ou cuidadores de idosos.
A educação também seria um mercado incrível para os robôs humanoides, assim como o trabalho doméstico.
- P: Como deveria funcionar a regulação para que a IA tenha um impacto positivo?
- R: A governança dessas tecnologias deveria ser, de alguma forma, participativa, envolver a população. E tudo isso é tecnicamente possível. O problema é que as companhias que estão financiando a maioria das pesquisas em IA não se importam em fazer o bem. Importam-se em maximizar o seu valor para os acionistas.