Tecnologia

Hacktivismo pode mudar a política no Brasil

Jovens brasileiros que participam de comunidades digitais que defendem o livre acesso às informações públicas defendem ataques anônimos para protesto

Pedro Markun, Pedro Belasco e Daniela Silva: representantes de uma geração que faz o ativismo online ganhar força no país (Monica Campi/ Info Online)

Pedro Markun, Pedro Belasco e Daniela Silva: representantes de uma geração que faz o ativismo online ganhar força no país (Monica Campi/ Info Online)

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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2011 às 16h51.

São Paulo - O termo Hacktivismo ganhou evidência no final de 2010 quando o grupo hacker Anonymous iniciou uma série de Ataques de Negação de Serviço (DDoS) contra grandes corporações que se recusaram a repassar verbas de doações para o WikiLeaks.

Os ataques DDoS realizam uma série de solicitações de acesso à uma página na internet, que por conta disso passa por uma sobrecarga e acaba ficando fora do ar.

O grupo sofreu duras críticas e acusações de terrorismo, mas muitos também identificaram os ataques como forma de protesto.

Os membros do grupo chegaram a divulgar um comunicado afirmando que não eram terroristas, e sim uma “conscientização focada em uma campanha de paz para a liberdade de expressão”.

E para jovens brasileiros que participam de comunidades digitais que defendem o livre acesso às informações públicas, essas ações são protestos legítimos em uma sociedade hoje muito controlada por grandes corporações.

Muitos dos hacktivistas brasileiros participam de comunidades digitais que tem como principal objetivo usar seus conhecimentos para obter e reorganizar os dados governamentais públicos de forma fácil e acessível para todos.

Embora alguns projetos do governo como o Governo Aberto (do estado de São Paulo) e o Governo Eletrônico (esfera federal) sejam alguns dos poucos exemplos de dados públicos abertos, o que nossos hacktivistas querem é poder participar e criar soluções em conjunto com o governo.

No Brasil

“Se você já colocou bombril na antena da TV, então você já foi um hacker”. É com esta divertida colocação que membros da comunidade Transparência Hacker (THack) definem o que é ser hacker.

O THack se formou em outubro de 2009, quando dois de seus idealizadores, o programador Pedro Markun (25) e a pesquisadora Daniela Silva (24), se encontraram em um evento de cultura digital e resolveram trazer ao Brasil os Hack Days – maratona que reúne pessoas interessadas em desenvolver projetos que unam dados públicos e do governo, gerando transparência e participação política na rede.

Paralelamente a esse projeto, Markun e Silva também investiram na criação da Casa de Cultura Digital (CCD), um espaço para trabalhos colaborativos e debates, e local onde a maioria dos eventos do THack acontecem.


A ideia de criar o CCD foi justamente para aliar política e internet, nos moldes da Sunlight Foundation, uma comunidade criada para vigiar e transparecer todos os dados e informações do governo norte-americano. Hoje o CCD comporta 10 empresas de conteúdos digitais e a comunidade contabiliza mais de 400 membros ativos em todo o país.

Após o primeiro evento Transparência Hack Day, o CCD recebeu o apoio financeiro do consórcio W3C, fundado por Tim Berners-Lee, considerado o pai do “WWW”. O suporte foi fundamental para a continuidade da iniciativa e para incentivar o desenvolvimento de novos projetos com o pagamento de bolsas.

Dia de hackear

O primeiro THack Day no país recebeu em duas semanas mais de 120 inscrições, sendo que no fim de semana dedicado à maratona mais de 140 pessoas passaram pelo CCD e ajudaram a criar e desenvolver projetos.

“Reunir pessoas para discutir ideias sempre é bom. Juntamos muitas pessoas interessadas em pensar como a internet pode interferir na comunidade e na política”, afirma Markun.

Os participantes foram provocados a pensar como utilizar os dados fornecidos digitalmente pelo governo e os usar com inteligência, para criar sites e aplicativos que reunissem essas informações de forma simples e de fácil acesso.

Isto porque a comunidade segue os oito princípios do Movimento de Dados Abertos, que diz que o acesso a essas informações é um direito básico do cidadão.

“Não adianta colocar tudo em um arquivo PDF, como acontece com o Diário Oficial. Você não encontra nada facilmente por lá. Hoje existem até empresas que fazem a “tradução” dessas informações. O que queremos é criar uma efetividade maior nessa disponibilização”, pontua Silva.

“As mídias mudaram muito de tempos para cá. E as informações e os dados também precisam seguir esse caminho e se adaptar”, completou.

O grupo também afirma que não é somente informações orçamentárias que devem ser consideradas como dados públicos.

“O formato usado hoje é muito ruim, maçante. Não há dados disponíveis e não há também um acesso interno a informações mais detalhadas. Um dos membros da comunidade já quis desenvolver um mapa do transporte público de São Carlos, mas nem a prefeitura soube informar horários e rotas dos ônibus”, argumenta Markun.

Eles propõem uma melhor captação e produção dos conteúdos nos sites públicos e criar uma web mais semântica com os dados do próprio governo, e apontam páginas como da Defesa Civil do Ceará como uma das exceções no país, mostrando que os governantes estão se atentando mais a esse tipo de problema.

Para o grupo a vontade política em desenvolver uma cultura digital aos dados públicos existe, porém se mostra ineficiente.


“O Google, por exemplo, tem acesso aos dados da CET como trânsito e rotas, mas a população não. O governo fornece as informações, mas não é possível agregá-las e criar aplicativos”, destaca Pedro Belasco (29), sociólogo, programador e membro da comunidade THack.

Mashups 

Com o surgimento de diversos projetos, Markun e Silva abriram a empresa Esfera, que trabalha com ONGs, governos e comunidades, organizando grupos a favor de causas sociais e políticas.

“Entendo política como uma ação para o cidadão. Queremos articular comunidades e empoderar o cidadão, mostrando ao governo todas as possibilidades que isso implica. Queremos desta forma participar da gestão”, afirma Silva.

A insistência dos membros da comunidade em integrar tecnologia na gestão pública também chamou a atenção de muitos governistas e convites começaram a surgir.

Durante as fortes chuvas que causaram destruição em diversas regiões do estado de Alagoas em 2010, um dos projetos criados no THack Day foi o site SOS Alagoas, que agregou dados relacionados aos incidentes como áreas afetadas, postos de doação e outros serviços.

Esta iniciativa rendeu um convite do governo alagoano à Esfera e ao Laboratório Brasileiro de Cultura Digital (que trabalha no CCD) para o desenvolvimento do portal Alagoas Colaborativo, que irá cadastrar e catalogar dados públicos em um único espaço, assim como ocorre – em maior escala nesse caso - com o site Federal Register, que disponibiliza todas as informações pertinentes aos EUA.

Entre as ações do projeto está o mapeamento colaborativo de pontos turísticos com a ferramenta WikiTravel, o Prêmio Alagoano de Blogs, as oficinas de Cultura Digital em diversos pontos do Estado – muitas com parcerias com lan houses locais – , além do portal de dados abertos.

Resultados

Os encontros realizados durante os eventos Hack Day trouxeram muitos frutos e projetos interessantes como o SACSP, Deputado Analytics e o LegisDados. Os desenvolvedores utilizam técnicas diversas, como scrapping (raspagem), para extrair todas as informações contidas, e as vezes até ocultas, nos sites do governo.

O projeto SACSP surgiu quando o programador Bruno Barreto, participava de um dos eventos de transparência de dados e entre suas ideias identificou que o serviço de atendimento ao consumidor da Prefeitura de São Paulo não permitia acompanhar o andamento de determinada reclamação.

Criou assim o site SACSP, onde colheu informações públicas do site oficial e as agregou em uma única página, possibilitando a consulta por tipo, região ou dia da semana. Há também um mapa com identificação dos locais de cada chamada.

“O resultado é um mapeamento objetivo das demandas municipais que, encontrando padrões de ocorrência, permite até mesmo antecipar problemas”, diz Barreto em sua página.

O site LegisDados existe desde 2009, mas a busca por informações não foi tão simples. Pedro Belasco, um dos criadores do site, precisou suar para obter os dados que desejava.


A ideia do projeto é reunir informações sobre textos, Projetos de Lei (PL) e votações que tramitam pelo legislativo e que devido aos longos processos que se submetem, acabam por ficarem inviáveis de serem acompanhados virtualmente.

“Precisei ir até a Câmara para pedir dados. Passei por todos os andares me identificando como um cidadão curioso. Preenchi um ofício solicitando o acesso aos dados e alguns meses depois nos chamaram para falar sobre o projeto”, conta Belasco.

O grupo foi recebido pelo então Deputado Paulo Teixeira (PT-RJ), que pediu que preenchessem novamente um ofício para que tivessem acesso aos dados. Embora as informações fossem públicas, era necessário explicar o motivo da solicitação e quem as solicitava.

“Achamos ‘engraçado’ o fato de as informações serem abertas, mas haver a necessidade de explicar o porquê e quem quer acessá-las. Enviamos o ofício, nos identificamos, mas incluímos um tópico: não deveríamos estar pedindo isso, mas...”, relata Silva.

O grupo afirma que conseguiram visibilidade e puderam participar mais ativamente no legislativo. A pedido do deputado eles reescreveram muitos tópicos do projeto de lei de acesso à informações públicas (PL 19), com o apoio de toda a comunidade THack. Para surpresa geral o texto foi aprovado sem alterações e agora aguarda em uma comissão no senado.

Mas um projeto ambicioso idealizado por nove desenvolvedores paraenses, participantes do PHP Pai d´Égua, o mais antigo grupo regional PHP do Brasil, poderá permitir um controle mais detalhado sobre o comportamento e ações de todos os parlamentares do congresso.

O projeto Deputados Analytics, surgiu durante o Transparência Hack Day. O site pretende juntar dados como presença por dia e seção de cada deputado, números de projetos propostos, quantidade de discursos feitos, faltas e faltas não justificadas. Mas os desenvolvedores alegam que o site da câmara é muito precário e o processo para extração dos dados é bastante difícil.

“O site do congresso disponibiliza uma série de dados dos deputados. Como votações, presenças em plenário, relatorias, etc. Estes dados estão em páginas web normais (html), mas de uma forma meio bagunçada. Mas, de fato, todos tem uma apresentação muito simples, não estão interligados e não apresentam qualquer tipo de análise”, explica Marcelio Leal, engenheiro de software, hacker e um dos criadores do projeto.

Hoje o projeto do Deputados Analytics ainda está em formação e embora haja uma previsão, os desenvolvedores acreditam que ainda pode levar um tempo. Mas recentes ajudas financeiras estão dando um gás ao site.


“Ganhamos uma das bolsas oferecidas pela Esfera, o que nos ajudou muito no início. E em breve estaremos lançando um pedido no Catarse. Acho que se o nosso projeto for levemente financiado pelas pessoas, podemos avançar bastante e gerar algo bacana, inclusive integrado com as redes sociais”, revela Leal.

Direito às informações

Estas iniciativas são apenas algumas que podemos encontrar pela rede. A tendência é que com a inclusão digital cada vez mais presente no país, investimentos nas áreas tecnológicas sigam o mesmo ritmo.

O processo ainda é longo, mas é importante começar disponibilizando dados públicos de forma clara e acessível, assim será possível acompanhar informações até mesmo em redes sociais.

“Passando por isso, já poderemos ter aplicações, páginas com dados mais acessíveis, metáforas, gráficos, etc. Assim o cidadão poderá ter acesso ao que lhe interessa de forma fácil, por exemplo, acompanhar determinadas secretarias. Ou mesmo que pudéssemos achar possíveis fraudes”, argumenta Leal.

Além disso, nenhum deles discorda que a internet deve ter vida própria e que devemos cobrar para que toda informação pública seja devidamente publicada.
 

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