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"GovTechs" crescem na pandemia, mas burocracia ainda impede avanço

As startups aprenderam a trabalhar melhor com governos, mas falta de registro individual único e integrado nacionalmente ainda é entrave da digitalização

 (Getty Images/Getty Images)

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Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 13 de novembro de 2020 às 07h00.

Última atualização em 13 de novembro de 2020 às 12h03.

A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona a necessidade de digitalização em âmbito global. Discussão frequente no setor privado, o tema deixou de ser privilégio de nichos específicos para se tornar uma necesidade basoluta para todos os setores - avançando barreiras inclusive no setor público. A Caixa foi um dos maiores exemplos de digitalização da noite para o dia, criando contas digitais para viabilizar o auxílio emergencial. Esse é um pequeno passo rumo à inovação que o setor pode alcançar - contando com quem já nasceu para inovar: as startups.

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Um dos exemplos é a Gove, que faz parte do programa de residência do Google For Startups, e oferece uma plataforma digital para facilitar a tomada de decisão de gestores públicos com a finalidade de aumentar a eficiência das finanças municipais. Adotada pela prefeitura de Poá (SP), uma readequação das finanças junto com as soluções da Gove gerou R$ 48 milhões adicionais ao tesouro municipal.

“A startup veio de um desejo de ajudar o município em que nasci a entregar melhores serviços à população; após perceber que existia um problema grande de ineficiência no setor público municipal que poderia ser de certa forma corrigido pela tecnologia”, diz Rodolfo Fiori, cofundador da Gove. “A Gove é uma plataforma de inteligência de governos que transforma o jeito que gestores públicos municipais tomam suas decisões diárias e aumenta a eficiência das finanças públicas. A plataforma é integrada aos principais sistemas financeiros da prefeitura municipal, automatiza análises diárias que o gestor da secretaria da fazenda necessita e, também, identifica e apoia na correção de ineficiências nas receitas e despesas municipais”, afirma.

Entre os anos de 2003 a 2019, as “govtechs” -- startups de tecnologia para governos -- registradas no banco de dados da Crunchbase levantaram US$ 2,8 bilhões em investimentos de capital de risco. Aproximadamente dois terços do valor foi obtido nos últimos cinco anos.

Segundo um estudo do McKinsey Center for Government, feito em 2017, o aumento da produtividade de governos no mundo poderia economizar US$ 3,5 trilhões por ano. Ainda assim, as govtechs raramente se tornam empresas de grande porte como Uber, Nubank ou Rappi. A natureza do negócio tem menos velocidade de crescimento devido ao ritmo mais lento inerente às contratações de empresas por parte de governos em todo o mundo. A legislação é uma das barreiras para contratação de startups.

(EXAME Academy/Exame)

“Existem alguns entraves no processo de vendas para o setor público, no entanto o principal aspecto a ser mencionado é relativo à lei que rege os processos de compras de administração pública, a lei 8.666. Esta poderia ser atualizada para se adequar à aquisição de compras de soluções inovadoras e, também, soluções de alto conteúdo tecnológico”, diz Fiori, da Gove.

A govtech Co.Urban, dedicada ao desenvolvimento de software de gestão com uso de inteligência artificial, é outro caso de startup que pode fornecer tecnologia para tornar governos mais eficientes. O seu aplicativo chamado Co.Opera oferece ferramentas para coleta de dados e controle efetivo das operações de campo, como coleta de resíduos, varrição, tapa-buraco, poda, entre outros. Daniela Ribeiro, fundadora e presidente da Co.Urban, criou a startup para facilitar a gestão das mais de 100 mil equipes de campo trabalham todos os dias com operações de serviços urbanos no Brasil. Com o software, a expectativa é reduzir o custo operacional e melhorar o monitoramento de performance dos times. 

“As govtechs podem ser parceiras estratégicas para a administração pública para garantir agilidade na implantação de novas tecnologias, otimização de tempo na solução de novas demandas e principalmente capacitação das pessoas, pois não somos nativos digitais e esta revolução tem que acontecer pelas tecnologias e pelas pessoas que passam a utilizá-las. Este último desafio é muito importante e as govtechs estão atentas a oferecer tecnologia e educação simultaneamente”, diz Ribeiro à EXAME.

Mas, no Brasil, há outro entrave que impede o setor de crescer mais rapidamente: a falta de um cadastro individual único, que seja unificado nacionalmente e não esbarre em autonomias diferentes de órgãos e departamentos públicos diferentes.

André Barrence, diretor geral do Google For Startups, que atua junto a startups na divisão de inovação local da empresa de tecnologia americana, diz que as empresas, hoje, têm mais conhecimento sobre como participar de licitações e fornecer serviços digitais para governos. Mas uma unificação de registro ainda reduz o quanto as startups poderiam ajudar na gestão pública. 

“O consenso do mercado é atender o mesmo cliente em diferentes canais. No setor público não é diferente. Apesar da departamentalização do governo, o cidadão é um só. Se houver uma porta de entrada única, isso facilita muito o trabalho das startups. A Estônia e a Índia têm identidades digitais únicas que criaram oportunidades para startups e empresas de tecnologia. O governo tem um papel fundamental na criação dessa infraestrutura. Quando bem estabelecidas, isso facilita a adoção de serviços digitais e destrava oportunidades para startups“, afirma Barrence. 

Apesar de existirem iniciativas que tentam unificar de forma eficiente a identidade digital, a fragmentação de registros e falta de integração de um banco de dados entre diferentes áreas das esferas de governos ainda trava a digitalização da administração pública atualmente, segundo especialistas.

Para Barrence, entre as empresas, há também uma definição mista do que é exatamente uma govtech, uma vez que tais startups podem atuar tanto no setor privado quanto no público e, por isso, é difícil estimar o tamanho do segmento.

Para Letícia Picolotto, fundadora da ONG BrazilLab, dedicada a estimular o ecossistema de inovação no setor público, a discussão da adoção de tecnologia no governo precisa existir para garantir a autonomia do Brasil enquanto país. “Se o Brasil não acordar para a transformação e ser protagonista, corremos o risco de virar meramente compradores de tecnologia outros países. Isso implica que estaremos sendo monitorados e regidos por outros países. Nossa sociedade precisa estar atenta a isso e a questão dos dados”, diz Picolotto à EXAME.

A pandemia acelerou muitos setores e causou mudanças profundas na sociedade, que tendem a ser duradouras. Mas o avanço a partir de agora precisa vir tanto do setor privado quanto do público.

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