Até o fim do ano, 33 bilhões de objetos estarão identificados eletronicamente
Da Redação
Publicado em 11 de junho de 2010 às 17h26.
São Paulo - Já imaginou tomar pílulas equipadas com transceptores de sinal 3G, que monitorariam seu organismo e enviariam diagnósticos diretamente para seu médico? E que tal se um dia a fabricante de seu carro te ligasse para avisar que uma peça do motor de seu veículo apresenta algum defeito, antes mesmo de você notar? Se você acha invasivo, tudo bem, não é obrigado a aderir. Mas cada vez mais você vai ouvir falar desse tipo de tecnologia.
Essas aplicações citadas já existem e funcionam, em caráter experimental, em alguns países, seguindo uma tendência chamada de "internet das coisas". O conceito também não é novo - foi utilizado pela primeira vez em 1999 para se referir à interconectividade que objetos podem estabelecer entre si sem a necessidade de interação humana. Um exemplo desse tipo de sistema são as etiquetas RFID (identificação por radiofrequência, na sigla em inglês), um pequeno circuito que identifica objetos e pode ser lido à distância. É o que baseia o sistema de pedágio Sem Parar, da Via Fácil, que libera cancelas sem a necessidade de interação humana: um computador identifica um equipamento instalado no veículo por radiofrequência e posteriormente pode enviar a cobrança sem erros.
O crescimento da área de cobertura de banda larga tanto fixa quanto móvel é o que permitirá que, nos próximos anos, a internet das coisas esteja mais presente em nosso dia a dia, já que nessas redes praticamente todas as aplicações estarão baseadas. Da medicina à segurança pública, da mobilidade urbana ao conforto doméstico, a quantidade de inovações que podem surgir a partir da internet das coisas praticamente infinita.
Supermercados sem operadores de caixa
Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias da IBM Brasil, prevê que em até 10 anos, os supermercados já não utilizarão mais leitores de códigos de barras, apenas etiquetas RFID. Se interligado a um meio de pagamento por cartão de crédito, o sistema permite que os consumidores peguem os produtos e simplesmente saiam do estabelecimento com a conta já paga, sem a necessidade de operadores de caixa.
Esse sistema já funciona de forma experimental em lojas da Alemanha e dos Estados Unidos desde 2003. "Por enquanto essa descrição é de um cenário futurista, porque muita coisa ainda não tem etiqueta RFID", ressalta Taurion. Ele afirma, no entanto, que a tecnologia já é largamente utilizada para identificar estoques entre as indústrias e os centros de distribuição, o que indica que o supermercado do futuro é só uma questão de tempo. Com custo cada vez mais baixo, as etiquetas RFID devem estar presentes em mais de 33 bilhões de produtos no mundo até o fim deste ano, segundo a IBM. A empresa prevê que em 2020, haverá 1 bilhão de transistores para cada habitante da Terra, cada um deles custando um décimo-milionésimo de centavo.
Carros e pílulas conectadas à internet
A fabricante de semicondutores americana Qualcomm, especializada em peças para dispositivos móveis, já trabalha com internet das coisas desde 1988, quando criou as primeiras soluções de rastreamento móvel para a indústria de transportes. Paulo Breviglieri, country manager da empresa no Brasil, explica que até agora as aplicações em que máquinas conversam entre si, os chamados sistema M2M (do inglês "machine-to-machine"), eram muito voltadas à indústria, tanto por conta do custo como por falta de alcance das tecnologias. "É muito comum que vending machines, como são chamadas as máquinas refrigerante, se comuniquem com centros de distribuição por 3G, para propósitos como transação econômica, ou para avisar se o estoque está acabando e se é o momento de repor", explica.
"À medida que a telefonia móvel vai chegando a todas as pessoas, a tendência é embarcar conectividade em todas as coisas. É por isso que a partir de agora é que as aplicações voltadas aos consumidores finais começam a surgir", diz Breviglieri. Na Europa, por exemplo, a montadora BMW já coloca transceptores em seus veículos ainda na fábrica. "Assim, a empresa já tem um diagnóstico com informações sobre várias peças do carro antes mesmo dele ir para a primeira revisão, o que facilita o trabalho", explica. "Em outros casos, a concessionária pode ser ainda mais proativa e avisar o cliente assim que detectar um problema". A fabricante de tratores norte-americana John Deere também utiliza aplicações de conectividade nessa mesma linha.
Na área da medicina as possibilidades também são incontáveis. Além de equipamentos e aparelhos médicos, o exemplo extremo é o da pílula eletrônica. Nos Estados Unidos, a empresa Proteus Biomedical, utilizando tecnologia da Qualcomm, criou comprimidos compostos de anti-ácidos que enviam dados de temperatura e acidez abdominais por impulsos elétricos, usando o próprio corpo humano como condutor. Os diagnósticos podem ser enviados para um médico, ou o próprio paciente pode acompanhar as mudanças no organismo a fim de administrar medicamentos.
Da casa às cidades inteligentes
Um exemplo recorrente do que a internet das coisas pode proporcionar é o da geladeira inteligente. Conectada a internet e capaz de ler etiquetas RFID de cada um dos produtos armazenados, o eletrodoméstico poderia ser programado para identificar o momento em que determinado produto está acabando e automaticamente fazer as compras em uma loja virtual com entrega em domicílio.
Uma casa inteira pode se tornar inteligente para abrir e fechar janelas e cortinas, e ligar e apagar lâmpadas, por exemplo, de acordo com as condições climáticas - sem a necessidade de controle humano. Tecnologia para tudo isso já existe. "A questão é que, por enquanto, isso não desperta interesse comercial. A internet das coisas vai começar a entrar nas nossas vidas principalmente para resolver problemas mais graves, como segurança e mobilidade urbana, por exemplo", diz Taurion.
Há três anos, a IBM desenvolve o projeto Smarter Planet, por meio do qual propõe soluções para problemas urbanos através da internet das coisas. Alguns exemplos do que já funciona em outros países dão uma ideia de como nosso cotidiano será diferente nos próximos anos.
Em Estocolmo, na Suécia, para resolver o problema do tráfego intenso de veículos no centro da cidade, em 2007 o governo implantou um sistema de pedágio urbano, porém sem cancelas. Os carros são identificados automaticamente por um sistema de câmeras que fotografam as placas, e os motoristas tem as taxas, que são calculadas de acordo com o horário, cobradas por meio de um imposto. Além de amenizar o congestionamento, o sistema reduziu a poluição sonora e do ar. "É uma forma de utilizar a inteligência para resolver os problemas das cidades. Em grandes centros, como São Paulo, o problema do trânsito não será solucionado apenas abrindo cada vez mais ruas e avenidas", explica Taurion.
Em Cingapura, câmeras instaladas nas principais ruas e avenidas monitoram o fluxo de veículos automaticamente, sem a necessidade de controle humano. Com base em um algoritmo que leva em consideração o histórico de movimento de acordo com dia da semana e horário, o sistema consegue prever o momento em que vai ocorrer congestionamento e emite um alerta para a autoridade de trânsito, que pode então mudar o tempo de parada dos semáforos, por exemplo, para evitar o colapso.
A diferença é que sistemas de monitoramento como esses são muito mais seguros e estão livres da possibilidade de erros humanos. "Imagine uma central de monitoramento de câmeras de segurança. Uma única pessoa não tem condições de acompanhar todas as telas durante várias horas seguidas", diz o gerente de novas tecnologias da IBM. Ele conta que em Chicago, nos Estados Unidos, já existem sistemas que conseguem identificar barulhos de tiros para reposicionar as câmeras na direção do ruído e identificar pessoas por meio de reconhecimento facial. Com um algoritmo certo, é possível fazer com que as câmeras acompanhem as pessoas a partir de atitudes suspeitas que elas tomarem.
No caso do Brasil, algumas iniciativas como ônibus equipados com GPS para rastreamento, em São Paulo, já começam a ser adotadas. A previsão dos especialistas é que ao longo dos próximos anos, principalmente em função da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, a infraestrutura tecnológica avance bastante nesse sentido.