Estrutura molecular: Ley quer substituir os clássicos frascos de vidro com fundo redondo por máquinas capazes de fazer a síntese de moléculas complexas de forma automatizada (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 5 de julho de 2013 às 12h39.
São Paulo – A natureza é fonte inesgotável de moléculas com propriedades funcionais para as indústrias farmacêutica, alimentícia, têxtil e cosmética e muitas outras. Mas, na maioria dos casos, essas moléculas precisam ser recriadas em laboratório por meio de processos químicos para que seja possível aperfeiçoá-las ou produzi-las em quantidades suficientes de modo a atender a demanda do mercado sem comprometer sua fonte natural.
Os avanços nessa área da química, conhecida como síntese orgânica, foram destaque durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) em Química Bio-orgânica, evento apoiado pela FAPESP que termina nesta sexta-feira (05/07) em Araraquara.
“Praticamente todos os materiais que usamos hoje – pigmentos, perfumes, aditivos alimentícios, fertilizantes, inseticidas, papeis e polímeros – envolvem elementos de síntese. Não há uma parte da sociedade moderna sem o toque da química sintética”, disse à Agência FAPESP Steven Ley, professor do Departamento de Química da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e um dos principais destaques do evento.
Com o auxílio de colaboradores, Ley realizou a síntese total de mais de 140 produtos naturais com propriedades químicas importantes. Um dos mais recentes foi a rapamicina, composto com efeitos antifúngicos e imunossupressores descoberto no solo da Ilha de Páscoa na década de 1970.
Mas a contribuição mais original de Ley para a área de síntese orgânica tem sido o desenvolvimento de ferramentas capazes de revolucionar a forma como as moléculas são construídas em laboratório.
Mais do que propor novos métodos de síntese, ou seja, o uso de diferentes reagentes, catalisadores, solventes ou rotas, Ley quer substituir os clássicos frascos de vidro com fundo redondo usados desde os tempos da alquimia por máquinas capazes de fazer a síntese de moléculas complexas – que exige várias etapas de transformação – de forma automatizada. Dessa forma, ele pretende reduzir o desperdício de tempo, energia, insumos, efluentes e recursos humanos.
“Para produzir 1 quilo de uma determinada droga, uma indústria farmacêutica gera, em média, 25 quilos de lixo. Para cada quilo de computador produzido são gerados 50 quilos de lixo. Essa sobra é, na maioria dos casos, queimada. Isso não é aceitável. A química feita até agora não é sustentável, não é ecológica. Se não mudarmos nossas práticas, o legado deixado pelo modo como fazemos moléculas vai se tornar um problema”, afirmou Ley.
De modo geral, quanto maior e mais complexa é a molécula que se deseja recriar em laboratório, maior é o número de etapas e produtos necessários para fazer a transformação química, explicou Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos palestrantes da Escola em Araraquara.
“Não existe uma única abordagem, mas, normalmente, parte-se de uma matéria-prima comercial, barata e possível de ser modificada quimicamente. O químico monta então o quebra-cabeça”, disse.
Pelos métodos tradicionais, em cada etapa do processo os reagentes precisam ser misturados em um reator. Após a reação química, o produto resultante é isolado e purificado para, em seguida, ser colocado em outro reator, com um novo reagente. O processo se repete até chegar à molécula desejada. Os solventes, catalisadores, restos de reagentes e demais insumos que sobram em cada etapa são descartados.
“A parte mais trabalhosa da química de síntese é a purificação e o isolamento das moléculas. Retirar o que você precisa daquele meio que contém subprodutos, solventes, restos de reagentes, catalisadores é uma tarefa que toma tempo e é entediante. Há séculos são usados métodos como destilação, cristalização e, mais recentemente, cromatografia. Ley é um dos poucos que estão tentando fazer de forma realmente diferente”, explicou Pilli.
Uma das primeiras e mais importantes contribuições do pesquisador britânico foi desenvolver estratégias para imobilizar os reagentes em uma resina, de forma que pudessem ser reaproveitados. Nos últimos 13 anos, Ley tem se dedicado a inventar instrumentos capazes de realizar as diversas etapas de transformação, isolamento e purificação de forma contínua e automatizada – 24 horas por dia, sete dias por semana – reciclando reagentes, catalisadores e demais insumos e minimizando a formação de subprodutos. É a chamada química em fluxo, tema de sua apresentação na Escola de Química Bio-orgânica.
“Isso nos permite fazer a mesma química gastando menos. É tão importante poupar o trabalho humano em tarefas triviais como poupar materiais ou energia. Sofisticamos muito o que somos capazes de fazer na área de síntese orgânica e agora precisamos pensar em trabalhar em linha de produção. É assim que se produzem carros e aviões. Por que não fazer moléculas dessa forma?”, defendeu Ley.
Mas alguns obstáculos precisam ser vencidos antes que a química em fluxo se torne a praxe na área. O alto investimento inicial é um dos principais problemas.
“É preciso inventar essas máquinas e para isso são necessários estudantes. O custo de um pós-doutorando é alto. Além disso, os materiais usados têm de ser sofisticados, pois o equipamento tem de ser robusto. Não pode ficar quebrando toda hora. Nossas máquinas são capazes de nos enviar mensagens de texto via internet ou celular para avisar quando há um vazamento ou alguma outra coisa dá errado”, contou o pesquisador.
Não há um único equipamento capaz de atender a todos os trabalhos de síntese. É preciso adaptar os materiais usados de acordo com o tipo de reação química a ser feita, temperatura, pressão e outras questões técnicas.
“Praticamente toda a indústria petrolífera trabalha em fluxo contínuo. Toda a grande farmacêutica hoje está considerando usar métodos de processamento contínuo. Para a indústria esse conceito é muito familiar, mas para nós cientistas nem tanto, pois tudo o que fazemos é novo. É uma mudança grande de paradigma e mesmo professores do ensino médio terão de se adequar. Não se trata apenas de uma nova tecnologia que está alcançando resultados interessantes e sim de uma mudança fundamental de atitude. Vai levar tempo para ser adotada, mas acredito que a necessidade de uma química mais verde vai impulsionar a mudança”, avaliou Ley.
Expandindo colaborações
Outro destaque da área de síntese orgânica durante a Escola foi a palestra de Paul Wender, professor da Universidade de Stanford, Estados Unidos. O pesquisador coordenou a equipe que concluiu, em 1997, a síntese do taxol – substância usada no tratamento de alguns tipos de câncer e isolada originalmente da casca do teixo-do-pacífico, uma das árvores que crescem mais lentamente no mundo e sob ameaça de extinção.
Durante o evento, Wender falou sobre estudos com moléculas análogas à briostatina, produto natural isolado do organismo marinho Bugula neritina e que vem apresentando resultados muito promissores contra Aids, Alzheimer e câncer.
John Vederas, do Departamento de Química da Universidade de Alberta, no Canadá, apresentou pesquisas relacionadas à síntese de análogos da lovastatina – substância originalmente isolada em fungos da espécie Aspergillus terreus capaz de reduzir o colesterol.
O evento realizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) – modalidade de apoio da FAPESP que financia cursos de curta duração em pesquisa avançada nas diferentes áreas do conhecimento – reuniu 22 palestrantes de diversos países e cerca de 170 estudantes brasileiros e estrangeiros. A coordenação foi da professora da Unesp Vanderlan Bolzani, que também é membro da coordenação do Programa BIOTA/FAPESP.
“Esperamos que a ESPCA contribua para a criação de um poderoso ambiente de ciência e tecnologia no Estado de São Paulo e no país. Com essa iniciativa, a FAPESP espera estabelecer um polo globalmente competitivo para pesquisadores talentosos e expandir as colaborações internacionais de nossas universidades”, destacou Bolzani durante a abertura do evento.