As tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixaram a situação do TikTok em segundo plano. Nesta sexta-feira, 1º de agosto, parte do "tarifaço" de Trump entra em vigor, afetando uma série de países, incluindo o Brasil, com a taxa mais alta, de 50%. E, no próximo mês, é a vez do TikTok entrar na mira do presidente americano — de novo.
O TikTok segue funcionando nos Estados Unidos, mas enfrenta uma possível proibição nacional se não houver um acordo de venda até 17 de setembro. Este é o prazo final definido por uma série de ordens executivas de Trump, que prorrogou três vezes a aplicação de uma lei aprovada em abril de 2024.
A legislação — chamada de Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act ("Lei de Aplicações Controladas para a Proteção dos Americanos contra Adversários Estrangeiros", na tradução literal) — exige que a ByteDance, controladora chinesa do TikTok, venda a operação norte-americana do aplicativo ou pare completamente de operar no país. A Suprema Corte dos EUA confirmou a constitucionalidade da lei em 17 de janeiro, rejeitando argumentos sobre liberdade de expressão. O TikTok chegou a sair do ar por 14 horas naquele mês, antes da primeira prorrogação presidencial.
O que pode acontecer com o TikTok?
Caso a venda não se concretize até a data-limite, o TikTok será removido das lojas da Apple e do Google, deixará de receber atualizações e poderá se tornar inutilizável.
O secretário de Comércio, Howard Lutnick, afirmo que "se a China não aprovar o acordo, então o TikTok vai sair do ar". Empresas que permitirem o acesso ao app também poderão enfrentar multas de até US$ 5.000 por usuário.
A China como 'obstáculo' para os EUA
A venda da operação americana depende da aprovação de Pequim, pois o algoritmo do TikTok é classificado como tecnologia estratégica sob as leis de exportação da China. Desde 2020, o governo chinês exige licenças especiais para a transferência de softwares de recomendação, como os utilizados por plataformas de vídeo e redes sociais. Isso significa que qualquer tentativa de vender a tecnologia central do TikTok — seu algoritmo — a uma empresa estrangeira precisa ser autorizada formalmente pelas autoridades chinesas.
Segundo o think tank Carnegie Endowment for International Peace, "Pequim é mais propensa a tomar uma decisão política de proibir a transação sob o pretexto de regulamentos de controle de exportação". Para a instituição, o governo chinês não está apenas avaliando os termos técnicos da venda, mas ponderando o impacto geopolítico do negócio. Permitir que os Estados Unidos forcem a alienação de um ativo digital estratégico como o TikTok, segundo os analistas do Carnegie, poderia ser interpretado como um sinal de fraqueza em meio a crescentes tensões comerciais com Washington.
Donald C. Clarke, professor de direito chinês da George Washington University Law School, também questiona os obstáculos legais, mas aponta para uma possível dificuldade prática. "Permanece incerto como a China aplicaria essas exigências, considerando que o algoritmo do TikTok já está em uso nos Estados Unidos", disse ele ao The New York Times. Para Clarke, há dúvidas se a restrição de exportação pode ser realmente efetiva em um cenário em que o código-fonte e os modelos já estão amplamente integrados em servidores fora do território chinês.
O que os EUA podem fazer?
A nova estrutura de controle da empresa precisa atender exigências definidas por lei. A participação da ByteDance deve ser inferior a 20%, não pode haver qualquer influência chinesa sobre decisões e operações, e o controle sobre o algoritmo, os dados e a infraestrutura deve estar integralmente sob gestão americana. O objetivo é impedir que o governo chinês possa, direta ou indiretamente, acessar informações sensíveis ou influenciar o conteúdo distribuído a usuários norte-americanos, segundo o governo americano. De acordo com a legislação aprovada em 2024, a operação dos servidores, a manutenção da base de usuários e a governança do código devem ser transferidas para entidades sem vínculos com Pequim.
Para o Center for Strategic and International Studies (CSIS), a principal preocupação concreta está na operação técnica do aplicativo. "Uma área de risco real está na instalação e atualização do aplicativo TikTok. Na prática, os usuários estão voluntariamente baixando software chinês em seus dispositivos", alertaram os analistas em relatório. Ainda segundo o CSIS, embora não haja provas de que os dados estejam sendo explorados pelo Partido Comunista Chinês, o "simples fato de a tecnologia ser gerida por uma empresa sujeita à legislação da China representa um risco latente".
Segundo Rob Joyce, diretor de cibersegurança da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), o problema não está necessariamente em ações comprovadas, mas na vulnerabilidade estrutural. "As pessoas estão sempre procurando a arma do crime nessas tecnologias. Eu caracterizo isso muito mais como uma arma carregada", disse ele à CNN em março. Joyce reforçou à época que, mesmo sem evidência concreta de espionagem, o potencial de acesso indevido existe — e é isso que preocupa as autoridades.
Por outro lado, especialistas jurídicos alertam que o governo dos EUA ainda não apresentou evidências públicas que justifiquem plenamente a adoção de uma medida tão extrema como a proibição do TikTok. Evelyn Douek, professora da Stanford Law School, afirmou em uma postagem em um blog que "a Primeira Emenda impõe ao governo a obrigação de demonstrar que os danos são reais e que a resposta adotada efetivamente mitiga esses danos. Até agora, o governo não atendeu a esse critério no domínio público, pelo menos em relação ao TikTok".
A crítica de Douek é compartilhada por um grupo de 35 juristas liderado por Christopher Jon Sprigman, professor da NYU School of Law. Para ele, "o governo está engajado em uma restrição significativa dos direitos de liberdade de expressão com base em uma justificativa de segurança nacional, mas quase nenhuma evidência foi apresentada ao público para apoiar essas preocupações". O grupo apresentou um amicus brief à Suprema Corte dos EUA no final de 2024 defendendo que, mesmo em casos de segurança, a liberdade de expressão exige justificativas concretas e transparentes.
Outras vozes do meio acadêmico apontam para os riscos institucionais da decisão. Jameel Jaffer, diretor executivo do Knight First Amendment Institute da Universidade Columbia, declarou que "restringir o acesso dos cidadãos à mídia estrangeira é uma prática há muito associada aos regimes mais repressivos do mundo". Para ele, permitir que essa política se consolide nos EUA seria "profundamente lamentável", e abriria "um precedente perigoso".
Genevieve Lakier, professora da Universidade de Chicago, também expressou preocupação com a base legal da decisão da Suprema Corte. Segundo ela, a corte evitou aplicar testes constitucionais mais rigorosos, o que, em sua avaliação, compromete a proteção à liberdade de expressão. "Sete dos juízes expressaram dúvidas significativas de que a lei devesse satisfazer sequer o padrão intermediário de revisão, pois não a consideraram uma regulação de discurso", afirmou.
Quem pode comprar o TikTok?