EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h32.
Em dois anos, haverá, segundo as previsões, 2 bilhões de telefones celulares em uso no mundo. Somente em 2005, serão vendidos 700 milhões de aparelhos, seis vezes mais que computadores ou laptops. Até o fim da década, metade dos habitantes do planeta terá na palma da mão uma máquina 100 milhões de vezes mais poderosa que o primeiro computador da história. Na Europa Ocidental, em dois anos haverá mais celulares do que gente. O Brasil é um dos mercados mais promissores. No ano passado, o número de assinantes aumentou 40%. Neste ano, estima-se que o crescimento será de pelo menos 20% e haverá 80 milhões de usuários no país. Um estudo recente da London Business School apontou uma relação direta entre a taxa de penetração de celulares e o crescimento econômico. Em países pobres, cada incremento de 10 pontos percentuais na taxa de penetração do aparelho corresponde a um aumento de 0,6 ponto percentual do PIB. É o celular, e não o computador, que promete levar o mundo digital às massas.
700 milhões de telefones celulares serão vendidos em 2005 |
2 bilhões de aparelhos estarão em uso no mundo em dois anos |
200 bilhões de dólares foi o faturamento da indústria de celulares em 2004 |
15 bilhões de dólares foram as receitas com serviços de dados no ano passado |
100 milhões de câmeras-fone foram vendidos no ano passado |
17,5 milhões de celulares inteligentes foram vendidos em 2004 |
Cada vez mais executivos trocam notebooks por telefones inteligentes, que buscam e exibem, em tempo real, todas as informações vitais para a tomada de decisões longe do escritório. Para as empresas, a quantidade de aplicações do celular é inimaginável. No Japão, a operadora DoCoMo lançou aparelhos que funcionam como cartões de crédito, capazes de transmitir dados do comprador, por meio de um sensor, a chips localizados nos caixas.
Pode demorar algum tempo, mas tudo indica que nossos velhos cartões de plástico ficarão obsoletos. Empresas de crédito e bancos terão de se aliar às operadoras de celular para modernizar seus negócios. Na Coréia do Sul, há aparelhos que incluem uma espécie -- acreditem! -- de bafômetro, para o motorista avaliar se está em condições de voltar para casa ao volante. Também há os que só funcionam a partir da leitura da impressão digital do dono -- se cair em mãos erradas, não liga. Há celulares que prometem espantar insetos com sons de altíssima freqüência. Outros traduzem latidos de cães. Há programas de karaokê de bolso -- microfone não-incluído -- e até mesmo transmissão de TV ao vivo, por uma rede de satélite exclusiva. Num passado não muito distante, se imaginou que o centro da convergência tecnológica seria a TV ou o PC. Os futurólogos erraram. O celular é a convergência.
A era do celular começou oficialmente no dia 3 de abril de 1972, quando um pesquisador da Motorola fez a primeira ligação da história com um aparelho maior que um tijolo, que pesava mais de 1 quilo. Desde então, ele mudou muito. Hoje cabe na palma da mão e pesa menos de 100 gramas. Na última década, deixou de ser item de luxo para se tornar o produto de consumo mais cobiçado do planeta. Mas as mudanças no aparelho são pequenas se comparadas às que ele provocou. Muito mais que um simples telefone, o celular se transformou numa central digital que pode fazer as vezes de computador, televisor, tocador de música, videogame, câmera fotográfica, agenda, cartão de crédito e controle remoto. Os aparelhos estão cada vez menores, mas tudo o que diz respeito aos celulares é grandioso. As operadoras movimentam 100 bilhões de dólares por ano. As fabricantes dos equipamentos, outros 100 bilhões. O celular afeta indústrias que vão de bancos aos estúdios de Hollywood. Ao mesmo tempo que constrói fortunas, é capaz de ameaçar negócios que nem mesmo atingiram a maturidade, como o das câmeras digitais e dos iPods. Hoje, quase toda empresa é afetada pelo celular. Assim como o carro foi o produto que determinou a cara do século 20 -- em torno dele surgiram as estradas, os subúrbios, a produção em série e os hipermercados -- , o celular é o produto mais importante do início do século 21. Por causa dele, negócios são criados. Outros desaparecerão. Muitos se transformarão radicalmente.
O aparelho não significa só praticidade. Sempre à mão -- e, se possível, à vista --, um modelo sofisticado simboliza o sonho de status e estilo de vida com tanta força quanto um carro de luxo ou relógio de marca. Para os adolescentes que digitam furiosamente nos minúsculos teclados, ele é cada vez mais o ponto de contato com os amigos, seja para combinar o cinema do fim de semana seja para jogar um game. Essa massa de usuários, equipada com dispositivos cada vez mais potentes e conectados a redes que transmitem dados pelo ar a velocidades superiores à da banda larga, deve dar origem a uma promissora revolução tecnológica capaz de superar em importância e escala o fenômeno da internet. É com o celular que começa a tomar forma a idéia de um aparelho sempre à mão, sempre conectado e sempre ligado. Não se trata de uma mera figura de linguagem: um em cada cinco espanhóis admitiu ter atendido o celular durante uma relação sexual, segundo uma pesquisa da agência de comunicação BBDO Worldwide. Fabricantes de aparelhos, operadoras e desenvolvedores de softwares vivem um momento de efervescência parecido com os primeiros anos de vida dos computadores. "Estamos recriando a indústria da tecnologia", disse a EXAME Ed Zander, presidente mundial da Motorola. "É um mundo novo, com muito mais competição e inovação que nos tempos do PC e do duopólio Intel e Microsoft."
Tudo num só aparelho |
De pagamentos eletrônicos a segurança doméstica, uma infinidade de funções já pode ser controlada pelo celular. Conheça algumas delas |
Trabalho |
Agenda/E-mail Sincronia entre o celular, a agenda de contatos e o sistema de mensagens da empresa |
Sistemas corporativos Acesso aos dados da empresa e aos arquivos do PC do escritório |
Vida pessoal |
Internet Navegação em qualquer site da rede |
Compras Produtos e serviços à venda no celular que também servirá como meio de pagamento |
GPS Localização de pessoas e veículos com precisão de até 10 metros |
Banco Consultas e transações financeiras, como no computador |
Trânsito Informações online sobre congestionamento e os melhores trajetos |
Mensagens E-mail, mensagens instantâneas (MSN e ICQ) e videomensagens |
Entretenimento |
TV Transmissão ao vivo e download de programas sob demanda |
Jogos Games com gráficos comparáveis aos de PCs e que podem ser jogados online |
Música Toca-MP3 com capacidade de armazenar milhares de arquivos |
Fotos Câmera capaz de fazer fotos de alta qualidade e que podem ser enviadas na hora |
Casa |
Segurança Controle de alarmes e sistemas de segurança por meio do celular |
Vigilância Acesso em tempo real a imagens de câmeras de monitoramento, em casa e no trabalho |
O sonho de todos é colocar no bolso de cada usuário de celular mais conteúdo e serviços. Para as operadoras, trata-se de um movimento estratégico. As receitas com o tráfego de voz tendem a ser cada vez menos rentáveis por causa da competição da telefonia fixa e das chamadas feitas via internet. Na maior operadora do país, a Vivo, quando um usuário troca o celular básico por um modelo capaz de fazer downloads de produtos e serviços, sua rentabilidade aumenta 300%. A operadora contabiliza o tráfego de 1 milhão de fotos por mês em sua rede, além de cerca de 1 milhão de downloads de programas e conteúdos como toques musicais e papéis de parede, aquelas imagens que decoram a tela do aparelho. Mas o primeiro mercado disposto a aderir a esses serviços -- e a pagar por eles -- é o das empresas. "Como em toda nova tecnologia, o mercado empresarial sai na frente", diz Michael Martin, diretor da TIM.
A operadora italiana trouxe com exclusividade para o Brasil o BlackBerry. Pouco maior que um celular comum, mas com teclado com todas as letras para fácil digitação, o BlackBerry é um misto de produto bem-sucedido com prestação de serviço. Em troca de uma mensalidade, os usuários têm conexão segura e garantida com o sistema de e-mail e de agenda da empresa. "Na recente tempestade que atingiu São Paulo, recebi 25 e-mails com relatórios de problemas causados em nossos sistemas", diz João Bezerra Leite, responsável pela infra-estrutura de tecnologia do banco Itaú. O sucesso do BlackBerry, criado pela canadense Research in Motion, pode ser medido na sua curva de crescimento. A empresa demorou cinco anos para atingir 1 milhão de usuários, dez meses para chegar a 2 milhões e apenas seis meses para chegar aos atuais 3 milhões. Estima-se que esse número não cor responda nem sequer a 5% do mercado potencial para e-mail móvel. O sucesso despertou a concorrência. A palmOne criou o Treo, um híbrido do seu tradicional computador de mão Palm com um telefone celular. A HP, dona do iPaq, fez o mesmo -- assim como a onipresente Microsoft e meia dúzia de outras companhias.
Com outros aparelhos, Claro e Vivo desenvolveram sistemas de uso de e-mail similar ao oferecido pela dupla TIM-BlackBerry. A Spring Wireless, cujos clientes incluem Ambev, Eletropaulo e Gillette, desenvolveu sistemas para integrar aparelhos móveis e sistemas corporativos pela rede celular. A empresa passou de 7 000 usuários, no final de 2003, para 35 000 até maio. "Já atingimos a meta de faturamento para 2005", diz Marcelo Condé, fundador da Spring. Com tanta movimentação no mundo do e-mail, há uma única certeza. "Os micros de mão, como os palms, são os mais ameaçados pela convergência da internet para os celulares inteligentes", diz Mike Welch, da consultoria inglesa Canalys Research.
Os aparelhos que vêm por a |
Novos celulares são anunciados a cada semana. Veja alguns dos aparelhos que mais chamaram a atenção recentemente(1) |
E-mail O BlackBerry, produto que popularizou a idéia de e-mail no bolso, cada vez mais se parece com um telefone celular, como o modelo 7100t |
Música O modelo N91, da Nokia, tem um minidisco rígido de 4 gigabytes, capaz de armazenar até 3 000 músicas |
Fotos Lançado na Coréia do Sul, o Samsung SCH-V770 é o celular com câmera de resolução mais alta do mercado (7 megapixels) |
Linux Misto de palm e telefone, o Motorola e680i é um dos primeiros telefones que utilizam o software livre |
Moda O colorido LG HS8000, equipado com toca-MP3 e câmera de 2 megapixels, é voltado para o público adolescente |
Minicomputador Micros de mão como o hw6500, da HP, agora têm uma nova característica: funcionam como telefones |
Mas os palms não são o único produto que o celular promete incorporar com vantagem para o usuário. Outro aparelho na mira é o iPod, o tocador de músicas digitais que gerou 1,3 bilhão de dólares de faturamento para a Apple no ano passado. Antecipando-se à concorrência, a Apple anunciou a criação de um celular-iPod, em parceria com a Motorola -- num exemplo claro de negócio que enxergou o poder transformador do aparelho. O produto deveria ser lançado em março, mas até agora não apareceu no mercado. O celular iPod já existe. Zander, da Motorola, exibiu um protótipo quase finalizado a EXAME. O motivo para o atraso no lançamento é a dificuldade de criar um modelo de negócio que agrade a todos. A idéia inicial era que, como no iPod tradicional, o dono pudesse colocar no aparelho as músicas que quisesse, como bem entendesse. Mas as operadoras americanas reclamaram. Querem que as músicas sejam transmitidas por suas redes, para que elas possam ficar com um pedaço da receita. Enquanto o download de uma música vendida pela Apple custa 99 centavos de dólar, um toque musical de celular sai por até 3 dólares. A Apple perde dinheiro na venda de músicas, mas ganha com os iPods. As operadoras subsidiam os aparelhos, mas compensam com a venda do conteúdo. Qual modelo vai prevalecer? A pergunta segue sem resposta.
Outro tipo de entretenimento incorporado pelo celular será a televisão. A tela grande não está a caminho da extinção. Ninguém vai assistir à novela ou aos 90 minutos de uma partida de futebol na pequena tela do celular. (Nem ler nela um romance de Marcel Proust ou o jornal do dia.) Seria inviável e insuportável. Mas já é possível assistir aos gols da rodada. O serviço, disponibilizado pela Globo, estreou na Claro e será estendido a duas outras operadoras ainda neste mês. Por 2 reais cada gol, além de uma taxa correspondente ao tamanho do arquivo, o assinante recebe um clipe do lance, com direito a comemoração do artilheiro e a replay em câmera lenta. O pagamento é feito na conta de telefone e as receitas são divididas entre a operadora e a Globo. Embora o volume ainda seja pequeno, o modelo traz uma mudança fundamental em relação ao que se viu na era ponto-com. Na web, os provedores de acesso não são remunerados pelas transações de comércio eletrônico ou venda de conteúdo. "No mundo do celular, a idéia é corrigir esse desequilíbrio", afirma Juarez Queiroz, diretor da Globo.com. Ainda neste ano, a empresa vai colocar outros programas no celular, como melhores momentos de novelas ou boletins noticiosos.
Um tipo de conteúdo que já tem um modelo de negócios claro e deve ter sucesso no mundo sem fio são os jogos. A maior empresa de games para celular é a americana JamDat, que faturou 40 milhões de dólares e lançou ações na bolsa de Nova York em 2004. No Brasil, algumas empresas começam a despontar na venda de jogos. A Wiz lançou mais dez títulos, entre os quais o Pênalti, já vendido até para uma operadora do Japão, a KDDI. A MoWa, outra empresa que só desenvolve programas para celulares, recebeu da Vivo a incumbência de criar um jogo de futebol com a marca da CBF. Cada jogo custa de 8 a 10 reais, e a receita é dividida entre o criador e a operadora.
Mais celulares que computadores | ||
Existem mais telefones celulares do que PCs no mundo e em alguns países europeus já há mais celulares que pessoas. No resto do planeta, a penetração cresce a passo rápido. Confira: | ||
Total de celulares em uso em comparação com PCs (em milhões) | ||
Ano |
PC
|
Celular
|
2001 |
600
|
967
|
2004 |
770
|
1 755
|
2009 (1) |
1 200
|
2 390
|
Número de celulares para cada 100 habitantes | ||
Itália |
109
| |
Suécia |
107
| |
Reino Unido |
103
| |
Holanda |
98
| |
Coréia do Sul |
76
| |
Japão |
71
| |
Estados Unidos |
64
| |
Chile |
62
| |
Brasil |
37
| |
China |
29
| |
Índia |
4,5
| |
(1) Previsão Fontes: Yankee Group e IDC |
O celular é visto como a nova -- e talvez definitiva -- plataforma de computação. Uma discussão fundamental é sobre o software. Há pelo menos quatro sistemas competindo pela supremacia nos celulares. "Cada jogo que criamos tem de ser adaptado a cada sistema e a cada modelo", diz Alfredo Moretti, fundador da MoWa. Poucos querem ver a repetição do modelo de monopólio que se registrou com os PCs. É bom lembrar que a Microsoft já decidiu que a computação móvel é um de seus pilares de crescimento e empenhou mais de 5 bilhões de dólares na criação de um sistema similar ao Windows para dispositivos móveis -- que, até agora, não emplacou.
Do lado das operadoras, há outras questões. Na Ásia, onde a revolução da mobilidade é realidade desde o começo da década, os celulares já substituem cartões de crédito, e as operadoras de telefonia começam a competir com os bancos. "Na Espanha, foi só quando bancos, operadoras de cartão e de telefonia criaram uma empresa à parte, com a participação de todos, que a idéia da carteira eletrônica começou a deslanchar", diz Marco Aurélio Garib, da EverSystems, empresa especializada em segurança digital. "No Brasil, temos os sistemas prontos, mas ainda é preciso resolver a questão diplomática." Embora as possibilidades de receitas sejam muitas, as operadoras brasileiras ainda vendem poucos serviços de dados -- 5% do faturamento ante até 35% na Europa, na Coréia do Sul e no Japão. "Ainda serão necessários uns cinco anos para que os dados representem 15% do faturamento das operadoras", diz Luis Minoru Shibata, presidente da consultoria Yankee Group no Brasil. Minoru acredita que só com ações educativas e campanhas publicitárias as operadoras vão aumentar os ganhos com serviços. Outro impedimento é o perfil do usuário brasileiro -- sete entre dez celulares no país são pré-pagos. Apenas 6% dos 27 milhões de assinantes da Vivo, por exemplo, têm celulares capazes de dar acesso a jogos ou vídeos. "A renda per capita do brasileiro é um obstáculo", diz Ethevaldo Siqueira, da consultoria Telequest, especializada em telecomunicações. Para o futuro, os especialistas falam em três telas. A da TV representa o entretenimento familiar. A do computador, o uso para o trabalho e a navegação na internet. A tela do celular seria uma mistura das duas, com a vantagem de estar disponível a todo momento, em qualquer lugar. Poucos duvidam que essa terceira tela deixará as duas outras para trás em matéria de importância para o consumidor e de relevância como negócio. A pergunta mais importante -- e ainda sem resposta -- é como.
Com reportagem de Tiago Lethbridge