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E-marketplaces em fim de carreira?

Os mercados eletrônicos do B2B entraram de cabeça na rota das falências pontocom. Veja o que deu errado

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h43.

Ligo: "É do Latinexus?". Do outro lado da linha, a funcionária de um dos investidores do portal responde: "Eles não têm mais ninguém no Brasil. O projeto não deu certo". Para quem não se lembra, o Latinexus tinha um dos mais ambiciosos planos de negócios de e-marketplaces, também conhecidos como e-markets, que já cruzaram as fronteiras da América Latina. Capitaneado por nomões como o grupo mexicano Cemex e as brasileiras Bradespar e Votorantim Venture Capital, o portal previa investimentos de 100 milhões de dólares. O alvo eram as transações de MRO (manutenção, reparo e operação) das empresas - por exemplo, produtos para escritório e materiais de limpeza. No México, o Latinexus operou timidamente durante alguns meses. No Brasil, nem chegou a estrear.

O Latinexus está longe de ser um caso isolado na órbita dos e-markets. Tente apontar o browser para o endereço http://www.asista.com.br. Ele é outro portal de MRO que simplesmente sumiu do mapa, implodindo um megainvestimento do JP Morgan Capital e do Morgan Stanley Dean Witter. Em 1999 e em boa parte de 2000, os e-marketplaces foram verdadeiras darlings do venture capital - para a festa de empresas de tecnologia como Ariba, BroadVision, Commerce One, i2 e Vignette. Não demorou, é claro, para que o mercado saturasse. Só no Brasil, segundo as contas do IDC, pelo menos 60 e-markets estavam em operação no ano 2000 - 70% deles verticais, em áreas como construção, agricultura e saúde. De lá para cá, os institutos de pesquisas já perderam as contas de quantos planos de negócios viraram pó. "O mercado não era do tamanho que se imaginava. No mundo todo, a idéia de e-marketplaces muito genéricos não foi bem-aceita", diz Sergio Lozinsky, sócio da consultoria PricewaterhouseCoopers.

O que explica tamanha decepção? A resposta está no próprio modelo de negócios que a maior parte dos e-markets adotou. Colocar concorrentes lado a lado para comprar do mesmo fornecedor mexe com a reserva natural das empresas em relação a seus competidores e questiona uma montanha de tabus da vida corporativa. Isso para começo de conversa. Depois, o e-marketplace se colocou simplesmente como um intermediário entre compradores e vendedores: não resolveu o problema dos clientes nem garantiu economia de custos. Para agregar valor, seria preciso integrar a fundo com os sistemas das empresas e seus pacotes de gestão com os dos fornecedores. Como fazer tantos legados diferentes conversarem, sem incompatibilidades e mal-entendidos? Haja XML... "Muita coisa foi feita nos business plans sem ter a mínima noção do que os clientes realmente precisavam. Os e-markets públicos não têm permitido uma integração satisfatória", opina José Ruy Antunes, diretor-presidente da SAP Brasil.

Campo minado
Os portais agrícolas foram um dos campeões de mortalidade do B2B no país. Sobraram portais, faltaram transações. Na lista dos que deram adeus ao e-commerce estão o Agrosite, o Campo21 e o TrigoNet. Entre os três, o argentino Agrosite era o mais capitalizado. Tinha em caixa 24 milhões de dólares, vindos do bolso de investidores como Morgan Stanley Dean Witter e CSFB, do grupo Credit Suisse. Sem fôlego, o portal fechou os escritórios do Brasil e do México. O da Argentina foi o único a sobreviver. Pelo menos por enquanto.

O TrigoNet e o Campo21 foram fruto do boom das incubadoras. Antes de embarcar no comércio eletrônico, o TrigoNet era uma agência de notícias. Em 2000, recebeu um aporte de 2,5 milhões de dólares da incubadora e-Platform e de um grupo de empresas do mercado de trigo para virar um e-marketplace. Pouco mais de um ano depois, saiu do ar. No plano de negócios, não faltou espaço para metas ambiciosas - conseguir 0,5% das transações do setor para ter lucro. Não deu outra: o plano furou. "Por isso, decidimos suspender as operações", conta Anibal Messa, sócio da e-Platform. A incubadora saiu do negócio com uma lição do B2B. "Um dos maiores erros dos e-markets foi querer mudar a forma como a indústria opera", aprendeu o investidor.

Essa foi a mesma falha do Campo21, da incubadora BtoBen - que ainda abriga dois outros portais, o Construtivo e o Bionexo. O Campo21 funcionou como um e-marketplace durante um único ano e depois virou um fornecedor de soluções de B2B. Foi preciso desembolsar 3 milhões de dólares no projeto para descobrir o óbvio. "As empresas do campo não têm acesso à internet nem estão acostumadas a operar na web", diz hoje o argentino Pablo Rodriguez Genta, sócio da BtoBen.

Desconstruindo
O portal de construção ConstruService fez o caminho contrário. Ele foi criado pela EZTrade, fornecedora de soluções de e-commerce. Animada com as estatísticas "bilionárias" dos e-markets, a empresa decidiu montar o portal para demonstrar suas soluções e, quem sabe, ganhar um dinheirinho. Mais um engano. O ConstruService foi desativado menos de um ano depois, sem nunca ter entrado em operação para valer. "Não conhecíamos o mercado a fundo, mas resolvemos assumir os riscos", diz Rui Fontoura, diretor-geral da EZTrade.

É também no disputadíssimo B2B da construção que mirava o finado Clicon - incorporado ao Mercado Eletrônico. O portal tinha um capital de 45 milhões de reais do Grupo Martins, do Opportunity e do GP - os dois últimos, coincidentemente, investidores do Mercado Eletrônico. Dessa bolada, 18 milhões de reais foram direto para a tecnologia. Mas praticamente nada disso foi aproveitado no novo dono. O Mercado Eletrônico só ficou com os ativos, o conteúdo e cinco funcionários - nem mesmo clientes, se ainda havia algum, foram transferidos.

Vendem-se e-markets!
Será que os e-markets entraram numa rota irreversível de extinção? De certo, certo mesmo, é que a internet está sendo cada vez mais usada para comprar e vender, em operações privadas, feitas diretamente entre empresas e seus fornecedores. A forma que essas transações vão tomar nos próximos anos ainda está indefinida. Há especialistas que acham que os e-markets vão sobreviver. "O e-market público será um canal de contato da pequena e média empresa", prevê Lozinsky. Uma possibilidade é que os e-markets se transformem em fornecedores de tecnologia e de serviços para portais proprietários das empresas, os e-marketplaces privados. Nesses portais, as empresas se entendem diretamente com seus fornecedores. "Quem ganhará mais dinheiro é justamente quem vende as ferramentas", avalia João Bustamante, analista do IDC.

O movimento dos e-markets privados já dá sinal de vida por aqui. No Webb, 40% do faturamento em 2001 saiu desses portais proprietários, no modelo de ASP. Outro que se centrou nos portais fechados foi o Genexis. "Desde o início, trabalhamos com mercados privados. A base do sistema é a mesma, mas há personalização nas operações e nas regras de cada cliente", explica Fernando Cabral, presidente do Genexis. Mesmo o Mercado Eletrônico, que diz estar se dando bem nos e-markets públicos - em 2001, segundo afirmam seus executivos, dobrou o número de transações e intermediou 2 bilhões de reais em negócios -, olha atentíssimo para os portais fechados. Hoje, eles representam apenas 15% do faturamento, mas devem chegar a 35% em 2002 e a 60% em 2003. "Quem não for para o modelo de prestador de serviços não sobreviver", diz Fernando Cardoso, vice-presidente do Mercado Eletrônico. É esperar para ver.

Por que tantos e-markets fracassaram?

1 - Qual é a empresa que gosta de negociar com seus fornecedores num mercado aberto, lado a lado com seus concorrentes? No e-marketplace, todo mundo tinha de trocar de roupa em público, e quase ninguém se sentia à vontade.
2 - Os sistemas dos portais não se falavam com os dos clientes. Eram legados os mais diferentes possíveis, num mar de incompatibilidades.
Não houve XML que bastasse.
3 - Em vez de ouvir o que os clientes queriam, os e-markets tentaram mudar a forma como as diferentes indústrias operavam.
4 - Dezenas de portais de construção, de agribusiness e de MRO - manutenção, reparo e operação - entraram no ar ao mesmo tempo, movidos pelo boom de investimentos. Quem dá conta?
5 - Na maior parte dos casos, o alto escalão dos e-marketplaces não entendia suficientemente da área em que atuava. Não podia dar outra...

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