Tecnologia

Disputa nas nuvens: Google vs. Amazon

Antes cair das nuvens que de um terceiro andar, disse Machado de Assis no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. A direção executiva do Google parece não pensar assim. No último dia 13, a empresa emitiu um longo e compungido pedido de desculpas por causa de uma pane ocorrida dois dias antes em seu serviço […]

Google: iniciativas venceram a segunda edição do Desafio de Impacto Social, realizado em 2016 pelo Google no Brasil (Peter Power/Reuters)

Google: iniciativas venceram a segunda edição do Desafio de Impacto Social, realizado em 2016 pelo Google no Brasil (Peter Power/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 26 de abril de 2016 às 10h27.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

Antes cair das nuvens que de um terceiro andar, disse Machado de Assis no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. A direção executiva do Google parece não pensar assim.

No último dia 13, a empresa emitiu um longo e compungido pedido de desculpas por causa de uma pane ocorrida dois dias antes em seu serviço de computação na nuvem. Foram apenas 18 minutos, a partir das 7 da noite na Costa Oeste dos Estados Unidos, que não afetaram os serviços mais usados do Google, como mapas e buscas, mas deixaram clientes no mundo inteiro sem acesso aos arquivos e programas armazenados na rede da empresa.

“Reconhecemos a severidade desse apagão e pedimos desculpas a todos os nossos clientes por ter permitido que ele ocorresse”, disse o comunicado, assinado por Benjamin Treynor Sloss, vice-presidente 24×7 (cujo próprio título promete serviço ininterrupto, 24 horas por dia, sete dias da semana, o que só ressalta a importância do incidente).

Segundo Sloss, a causa da pane foi identificada e não há risco de que ela se repita. Mas, como sabe qualquer brasileiro que tenha torcido pela seleção nacional na Copa do Mundo, um apagão de alguns minutos pode definir um jogo, especialmente se o adversário for muito forte. E o adversário do Google, nesse caso, é a Amazon, líder absoluta da computação em nuvem, com algo entre 30% e 37% do mercado global, dependendo da estimativa, mas de qualquer modo mais do que a soma dos dez concorrentes mais próximos.

O Google não é o segundo colocado no ranking. Tampouco o terceiro. Nem mesmo o quinto, de acordo com a avaliação da consultoria Market Realist. Mas essa situação está mudando rapidamente. E com uma bela ajuda da… Apple (mais um exemplo da tendência frenemy, junção das palavras “amigo” e “inimigo”, tão comum no atual mundo da tecnologia).

Em março, a revista CRN anunciou que a Apple havia firmado um contrato de 400 milhões a 600 milhões de dólares para usar os serviços de nuvem do rival Google — provavelmente, cortando parte do que gasta com a Amazon Web Services (um total estimado em 1 bilhão de dólares) e com a Microsoft.

A mulher que deu impulso ao Google

Não se trata de um caso isolado. O negócio com a Apple é uma demonstração da força de Diane Greene, uma das pioneiras do ramo das nuvens, que o Google contratou há cinco meses para liderar sua divisão de computação na nuvem.

Contratou é modo de falar. Diane Greene foi uma das fundadoras e durante uma década presidente da VMWare, empresa que desbravou a computação em nuvem com programas de virtualização (programas que permitem criar ambientes virtuais, em que os softwares assumem o controle da máquina em que rodam). Em 2007, ela liderou a venda da empresa à EMC e, um ano depois, ante uma queda na previsão de vendas e consequente desvalorização das ações, foi demitida. Diane, então, montou a empresa de softwares Bebop — que o Google arrematou no final de 2015 por 380 milhões de dólares (o Google compra empresas por diversos motivos: eliminar concorrência nascente, adquirir tecnologia ou, como nesse caso, incorporar gente talentosa ao grupo).

Foi essa profissional — que, dizia-se, discutia de igual para igual com os engenheiros sobre as questões mais técnicas de virtualização — quem elevou o nível de confiança no serviço do Google. A Apple foi sua segunda conquista. Um mês antes, o serviço de música por computador Spotify — outro cliente da Amazon Web Services (AWS) — anunciou que estava contratando o Google.

No final de março, o Google deu outra potencial mordida na nuvem da Amazon: a Netflix participou de sua conferência de nuvem, anunciando um programa que as duas empresas desenvolveram em parceria, o Spinnaker. A mera aparição num evento do Google não significa que a Netflix vá abandonar a Amazon. Ao contrário, em fevereiro a distribuidora de filmes por streaming decidiu fechar todos os seus centros de dados próprios e acertou com a Amazon para gerir completamente seus arquivos — um movimento que animou várias empresas a seguir o mesmo rumo. Mas o Spinnaker é um programa aberto que permite que uma empresa gerencie seus dados armazenados em diferentes nuvens. Ou seja, através dele é possível ser cliente da Amazon, da Microsoft e do Google supostamente sem perder eficiência nem segurança.

A nuvem é o novo Eldorado

Toda essa movimentação ocorre porque a nuvem não é mais considerada o futuro da tecnologia. É o presente. O investimento para trazer Diane pode ter sido alto, mas o Google aposta que vai valer muito a pena. Segundo seu vice-presidente de infraestrutura técnica, o suíço Urs Hölzle, a empresa espera que até o final da década a receita dos serviços de nuvem supere a receita de anúncios — o carro-chefe da gigante da internet.

Para isso, o Google está investindo na expansão de seus centros de dados para mais 12 regiões (hoje está em quatro). Isso o levaria a equiparar-se à Amazon, que já tem 12 centros e, segundo seu relatório anual aos acionistas, divulgado neste mês, vai investir em mais cinco. Os centros de dados regionais são cruciais porque vários países não permitem que as empresas usem serviços de nuvem fora de suas fronteiras.

Não são apenas Google e Amazon que estão investindo. O setor inteiro vive uma espécie de corrida do ouro. A Microsoft, por exemplo, reportou um aumento de receita de 11% em seus serviços de nuvem (descontando a desvalorização do dólar) no último trimestre de 2015, para 6,4 bilhões de dólares — e a empresa está movendo seus programas mais disseminados, como Office, para a nuvem.

E também deu suas mordidas na Amazon. No final de março, anunciou que a BMW, uma importante cliente da Amazon, se tornou sua cliente, com um app para smartphones chamado BMW Connected que vai rodar em sua plataforma (a Azure).

A todas essas mordidas, porém, a Amazon responde dizendo que nada mudou e as empresas continuam sendo suas clientes. A Amazon também aposta na nuvem como um de seus principais mercados. “A AWS é maior do que a amazon.com era aos dez anos, cresce a um ritmo maior e o passo da inovação continua a acelerar”, disse Jeff Bezos, o fundador da companhia, no relatório anual divulgado neste mês. “A AWS já é boa o suficiente para atrair mais de 1 milhão de clientes, e o serviço só vai melhorar.”

Essa concorrência atroz em que aparentemente todos ganham só pode se dar num universo em expansão. E ponha expansão nisso. Segundo a consultoria Gartner, o mercado global da nuvem deve crescer 16,5% neste ano, atingindo a marca de 204 bilhões de dólares. Nada mal para um tempo em que a economia anda tropeçando. No Brasil, a previsão feita em 2014 pela consultoria Frost & Sullivan era de que o mercado saltasse de 330 milhões de dólares em 2013 para 1,1 bilhão em 2017. Com a crise, o ritmo pode ter diminuído um pouco, mas a tendência é inexorável.

E isso é a nuvem como um todo. Os serviços de infraestrutura, uma das parcelas do setor, devem crescer assombrosos 38,4% neste ano, segundo a Gartner. Seu crescimento é puxado pelo movimento das empresas de abandonar seus centros de dados e fazer a migração para a nuvem — algo que a crise até estimula, porque os custos de manutenção de centros de informática se tornam pagamento por serviços, maleável, em geral vinculado à quantidade de espaço utilizado. Nesse setor, em que a disputa é mais acirrada, a Amazon fatura cerca de 8 bilhões de dólares; a Microsoft, 1,1 bilhão; e o Google, cerca de 500 milhões. (O que se chama de nuvem é um conjunto muito amplo de serviços. Nem todas as companhias concorrem em toda a sua extensão.)

É nesse contexto que o apagão de 18 minutos do Google se insere. Um fator crucial para que os dados das empresas migrem de centros de dados próprios (ou alugados, mas exclusivos) para a nuvem é a confiança. Daí a resposta tão cuidadosa do Google, e a veemência em afirmar que a sucessão de erros que levaram ao apagão não se repetirá.

A passagem para a nuvem, no entanto, é uma certeza. Ela se consolidou em 2013, quando a CIA, o serviço de inteligência dos Estados Unidos, fez uma concorrência para definir quem iria armazenar e ajudar a gerir sua montanha de dados — um contrato de 600 milhões de dólares por dez anos. A IBM, com sua estratégia de centros de dados dedicados, perdeu para a Amazon, com sua aposta na nuvem. Aparentemente, a CIA se convenceu de que a nuvem pode ser mais segura do que os centros de dados tradicionais.

Um alto executivo da IBM me disse em 2014 que a empresa ainda apostava em centros dedicados. “Um banco não pode correr o risco de deixar seus dados nas nuvens”, ele disse. Mas de lá para cá a IBM tem também feito a migração.

Como indicam os avanços do Spinnaker, da Netflix e do BMW Connected, é provável que os clientes venham a ter fornecedores muito diversificados. A Amazon saiu na frente, bem na frente, mas as nuvens ainda vão ficar muito mais carregadas.

(David Cohen) 

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