Carro autônomo da Uber: envolta em polêmica desde sua concepção, divisão ainda não tem resultados satisfatórios (Aaron Josefczyk/Reuters)
Thiago Lavado
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 16h18.
Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 18h01.
O sonho do carro autônomo sempre esteve no horizonte da Uber, mas esse sonho pode estar virando um pesadelo.
A empresa investiu bilhões em pesquisa e desenvolvimento da tecnologia, entrou em disputas com o Google por causa de acusações de roubo de propriedade intelectual, e até mencionou os carros autônomos em seu prospecto de IPO, no ano passado, como uma tecnologia que poderia coexistir junto aos motoristas parceiros. Apesar disso, pouco avanço foi feito.
Detalhes da divisão especializada em carros autônomos da empresa, revelados pelo site The Information, apontam que a equipe passa por brigas internas, ingerências e poucos resultados. Depois de mais de 2,5 bilhões de dólares investidos durante 5 anos, a Uber ainda não tem um carro autônomo que consiga dirigir de maneira satisfatória.
"O carro não dirige bem", disse um gerente da unidade, chamada de Grupo de Tecnologia Avançada (ATG, na sigla em inglês), em um e-mail com um relatório de 1.500 palavras enviado ao CEO da empresa, Dara Khosrowshahi, que o The Information teve acesso.
"[Ele] tem dificuldade de lidar com rotas simples e manobras simples", disse o funcionário da empresa, acrescentando que o carro desenvolvido pela Uber "simplesmente falhou em evoluir e produzir resultados significativos por tanto tempo que algo precisa ser feito antes que um desastre caia sobre nós".
O problema é de primeira grandeza para a empresa, que tinha nessa tecnologia em específico uma chance de reduzir custos da operação deficitária e de evitar problemas legais que enfrenta desde sua fundação sobre a caracterização profissional dos motoristas parceiros — se eles são ou não funcionários da Uber, um problema que assola a empresa não só no Brasil, mas também em Londres e na Califórnia.
O número de críticos do trabalho e dos problemas envoltos em torno da ATG tem crescido nos últimos meses e inclui ainda o antigo diretor de tecnologia da Uber, Thuan Pham, que deixou a empresa em maio, pouco antes de uma demissão massiva realizada pela companhia, que dispensou 25% de sua força de trabalho em todo o mundo.
"Nos últimos dois anos, eu periodicamente levantei preocupações com Dara sobre por que não estávamos fazendo progresso significativo na área de carros autônomos e especificamente clamei que ele fizesse perguntas específicas para abordar o assunto ele mesmo", disse Pham à reportagem. "Como não houve responsabilidade e transparência?"
No ano passado, um consórcio entre a montadora Toyota e o conglomerado Softbank aportou 1 bilhão de dólares na Uber para aprimorar a divisão de carros autônomos da empresa. Com esse valor chegando ao fim, as opções da empresa começam a se esgotar. A Uber pode estar diante de ter que desistir do projeto ou aportar ainda mais dinheiro nele. Segundo o The Information, a empresa ainda poderia ceder uma parcela majoritária da divisão ao consórcio da Toyota ou fazer parcerias com alguma empresa de tecnologia, como a fabricante de microchips Nvidia.
A fabricação e montagem de carros, ainda mais envolvendo grande quantidade de tecnologia é um tema complexo. As montadoras tradicionais têm quase um século de experiência no setor, aprimorando produção e tecnologia industrial. Até mesmo o bilionário Elon Musk, dono da montadora da Tesla, passou por maus bocados em 2018 quando foi pressionado pela produção em suas plantas.
Além da expertise necessária, a divisão de carros autônomos da Uber é um problema para a empresa há muitos anos, quando foi criada pelo então CEO e fundador da empresa Travis Kalanick, na cidade de Pittsburgh. Dois anos depois, o então chefe da divisão, Anthony Levandowski, foi demitido, acusado de roubar propriedade intelectual dos carros desenvolvidos no Google, sua antiga casa. Em agosto deste ano, Levandowski foi sentenciado a 18 meses de prisão nesse caso.
No início de 2018, outra notícia impactou a empresa quando dos carros da Uber atropelou e matou uma pedestre em Tempe, no Arizona, durante a fase de testes do projeto. Posteriormente, foi revelado que o software tinha falhas e que o motorista que deveria tomar o controle caso algo desse errado não estava prestando atenção.
Pior: houve pouca ou nenhuma responsabilidade sobre a equipe da Uber em torno desse caso em específico. Segundo o The Information, funcionários da ATG ignoraram avisos e sinais de problemas de perigo em torno das unidades que operavam no Arizona.
Some incredibly sad news out of Arizona. We’re thinking of the victim’s family as we work with local law enforcement to understand what happened. https://t.co/cwTCVJjEuz
— dara khosrowshahi (@dkhos) March 19, 2018
No ano passado, a empresa continuou enfrentando problemas e os carros da divisão apresentavam falhas de direção a cada 500 metros, disseram fontes à reportagem. Era esperado que as falhas acontecessem apenas a cada 15 quilômetros.
Atualmente, há ainda o problema de disputas internas entre diferentes equipes de engenheiros. Algumas buscando maior segurança e ritmo menor no desenvolvimento e outras maior liberdade e aceleração de projetos, de acordo com diferentes fontes consultadas pelo portal.
O chefe da divisão, Eric Meyhofer, afirmou que a empresa deve levantar mais dinheiro para a divisão e fechar novas parcerias, para continuar com o desenvolvimento do projeto. "A realidade é que essa unidade do negócio não será rentável por muitos anos", disse ao The Information, acrescentando que a empresa elevou os padrões de segurança nos últimos anos.
Outras concorrentes nesse mercado tiveram que colocar a mão no bolso para passar pelos problemas que a Uber está enfrentando. Estima-se que a Waymo já aportou ao menos o dobro do valor da Uber. Resta ver se a Uber conseguirá colocar os carros na pista correta e alcançar as concorrentes.