Geração Z: jovens recorrem a discos de vinil, câmeras analógicas e experiências offline como forma de buscar autenticidade em um mundo digital. (Jeenah Moon/The Washington Post /Getty Images)
Repórter
Publicado em 27 de agosto de 2025 às 06h19.
Câmeras analógicas, discos de vinil, séries antigas e até a volta dos CDs. Para uma geração que nasceu no meio ao digital, a crescente busca por experiências do passado pode parecer até um pouco contraditória. Mas estudos recentes apontam que a nostalgia não é apenas estética: ela funciona como um recurso psicológico diante das incertezas.
Segundo o psicólogo especialista em nostalgia Clay Routledge, vice-presidente de pesquisa e diretor do Archbridge Institute, o fenômeno chamado de "nostalgia histórica" está em alta entre jovens que sequer viveram a adolescência nos anos 90.
Um estudo, coordenado por ele em 2025, apontou que 68% dos norte-americanos sentem nostalgia por períodos anteriores à própria vida, sendo a Geração Z e os Millennials os mais propensos a esse sentimento.
De acordo com o Dr. Routledge, a nostalgia histórica não é apenas uma 'lembrança idealizada'. O estudo "Nostalgia Histórica na América Moderna", revelou que 63% dos entrevistados recorrem a memórias de épocas passadas como estratégia emocional para lidar com estresse e ansiedade. Entre os jovens, esse uso é ainda mais recorrente. O pesquisador afirma que esse olhar para o passado pode ajudar a enfrentar a pressão social e a incerteza sobre o futuro.
Em um artigo publicado pelo The New York Times, Routledge destacou que a Geração Z encontra na nostalgia uma forma de equilíbrio. “Eles não estão apenas tentando escapar da era digital, mas ressignificando experiências analógicas como uma maneira de viver com mais autenticidade”, explicou.
"A nostalgia histórica pode estar ajudando a geração mais jovem a aproveitar os benefícios das novas tecnologias, ao mesmo tempo em que preserva as virtudes das experiências tangíveis e físicas que continuam essenciais para o bem-estar humano", refletiu.
Esse movimento não se limita à memória e pode afetar até as tendências de consumo. Uma reportagem da Fortune apontou que o mercado de vinis movimentou US$ 1,2 bilhão nos Estados Unidos em 2022, em grande parte impulsionado por jovens da Geração Z.
O interesse se estende também a CDs, câmeras analógicas e livros impressos, produtos que voltaram a ganhar espaço diante de um mundo que se encontra completamente mergulhado pelo streaming e redes sociais.
Funcionários do Bellows Film Lab, em Chicago, atendem em loja que revive a fotografia analógica, em 26 de maio de 2023. (Mary Mathis/The Washington Post/Getty Images)
Além disso, o estudo mostra que o engajamento com experiências offline cresceu: visitas a bibliotecas, encontros presenciais e hobbies manuais — como a cerâmica, que tem viralizado no TikTok — são exemplos de como essa geração tem buscado alternativas e evitando passar longos períodos em frente às telas.
O ponto principal é que, ao mesmo tempo em eles que assinam os serviços digitais, muitos deles ainda convencem os pais a investirem em equipamentos antigos, como vitrolas e tocadores de CD.
O fascínio pelo passado também está relacionado ao ceticismo em relação à tecnologia. Uma pesquisa conduzida em 2023 por Harris Poll, em parceria com a equipe de Clay Routledge, revelou que embora Millennials e Gen Z enxerguem o futuro com certo otimismo, ambos demonstram preocupação com os impactos da tecnologia na saúde mental e no isolamento social, especialmente em um mundo pós-pandemia.
Esse equilíbrio entre o entusiasmo e o medo parece ajudar entender por que tantos jovens recorrem à nostalgia. Segundo o estudo, o resgate de referências dos anos 90 e 2000 — décadas pré-redes sociais — oferece uma sensação de pertencimento e uma conexão com um tempo considerado mais simples e menos saturado digitalmente.
Séries como Friends e Sex And The City são exemplos de como produções antigas ainda podem cair na graça da nova geração, que continua a se encantar pela estética antiga e em um mundo onde as relações não necessitavam de uma conta nas redes sociais.
Friends: David Schwimmer (Ross) e Jennifer Aniston (Rachel) em cena do episódio “The One Where Ross Finds Out”, exibido em 1995. (Isenberg/NBCU Photo Bank/NBCUniversal /Getty Images)
"Muitas vezes ouço as pessoas se perguntarem se os jovens adultos de hoje nasceram tarde demais para aproveitar os benefícios do mundo pré-internet. Nossa pesquisa me dá esperança de que a resposta seja não, porque a nostalgia histórica está ajudando-os justamente a fazer isso", revelou Routledge.
Os estudos do especialista revelam que a nostalgia da Geração Z não se limita a uma tendência de consumo. Ela funciona como um recurso psicológico ativo, capaz de aliviar pressões e oferecer sentido em meio às dúvidas do presente.