"Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado". Essa é uma das milhares frases famosas dos livros e filmes do universo criado pelo autor J.R.R.Tolkien, a saga de o Senhor dos Anéis (Lord of the Rings, no título original em inglês), que domina a internet mundo afora. Mas além de somente um marco para a cultura pop, a obra também serve como um guia para muitos executivos do setor de tecnologia.
É o caso de Peter Thiel, Jeff Bezos,Andrew Bosworth e Elon Musk, que utilizam a saga não apenas como fonte de inspiração, mas também como um arcabouço simbólico para guiar suas trajetórias e estratégias corporativas. Alguns deles utilizam a história até mesmo como uma metáfora para suas vidas.
Em artigo para o The New York Times, a crítica literária norte-americana Michiko Kakutani afirma que a crença vem de um discurso que muitos executivos adotam quando afirmam que "o empreendedor tecnológico é uma espécie de conquistador que realiza 'coisas virtuosas' por meio de uma agressividade audaciosa, demonizando tudo aquilo que possa frear o crescimento e a inovação — como a regulação governamental e conceitos desmotivadores, como 'ética tecnológica' e 'gestão de riscos'".
Desde as origens da comunidade hacker na Baía de São Francisco até hoje, a influência de Tolkien e da ficção científica permanece viva na cultura tecnológica — e de muitas formas. Para alguns executivos, a identificação com Frodo é tanta que suas empresas são até nomeadas em homenagem à Terra Média.
Uma aventura entre outras
A trama central de O Senhor dos Anéis — um grupo improvável enfrentando uma missão quase impossível para salvar seu mundo — é um dos principais pontos de identificação.
Para eles, o espírito de aventura, a resiliência e a busca por mudanças disruptivas abordadas nos livros e nos filmes refletem o ethos que move empresas e líderes do Vale do Silício.
A identificação cria um senso de pertencimento e comunidade entre profissionais da tecnologia, que encontram na mitologia tolkieniana um idioma comum para expressar ambições e desafios.
A Palantir de Peter Thiel
Peter Thiel, co-fundador da Palantir (Bloomberg/Getty Images)
Peter Thiel é um desses fãs declarados de O Senhor dos Anéis, e afirmou que já leu e releu a trilogia várias vezes desde a adolescência. A paixão se reflete na escolha dos nomes de diversas de suas empresas, que fazem referência direta ao universo de Tolkien.
Exemplos incluem a Palantir, que remete às pedras de visão usadas para comunicação e coleta de informações; a Valar Ventures, nome inspirado nos poderosos seres criadores da Terra-Média; a Mithril Capital, que referencia o metal élfico resistente e mágico; além da Rivendell One LLC e Lembas LLC, instituições nomeadas a partir do refúgio élfico e do pão que sustenta viajantes em longas jornadas.
No círculo próximo de Thiel, essa ligação cultural é tão forte que a Valar Ventures recebe o apelido interno de “The Precious” — uma referência ao anel único cobiçado por Gollum, personagem obcecado pelo poder.
Thiel também tem uma visão utópica fortemente influenciada pela Terra-Média, e já chegou a buscar cidadania na Nova Zelândia, cenário das filmagens da trilogia, que ele chama de “utopia”. A admiração pelo estilo de vida autossuficiente e discreto do Condado também ecoa em suas posições políticas libertárias e céticas em relação à interferência governamental nos mercados.
Jeff Bezos e o audiovisual
Jeff Bezos, da Amazon. (Andrew Harrer/Bloomberg/Getty Images)
Jeff Bezos, por sua vez, demonstra seu interesse por Tolkien tanto pessoalmente quanto na atuação empresarial.
Prova disso é O Senhor dos Anéis: Anéis de Poder. A Amazon Studios foi a única, além de Warner Studios, a adquirir os direitos para produzir a série de televisão baseada na obra de Tolkien, com histórias que se passam centenas de anos antes dos eventos da trilogia.
E o investimento também veio alto: até hoje, a produção é considerada a mais cara já feita para a TV, com orçamento acima dos US$ 750 milhões — uma mescla da paixão pessoal de Bezoss com uma estratégia de fortalecimento da marca.
Produtos da empresa também carregam referências, como a campainha inteligente “Ring”, um claro aceno ao icônico anel da saga. Para Bezos, a narrativa épica inspira a ambição da Amazon em oferecer experiências transformadoras e envolventes para seus clientes.
Musk e os valores de Samwise
Elon Musk, CEO da Tesla (RYAN COLLERD/AFP)
O homem mais rico do mundo, Elon Musk, também é fã de carteirinha da saga.
Frequentemente faz referências à história de Frodo em suas postagens no X (antigo Twitter) e em declarações públicas, utilizando citações e personagens para ilustrar valores como perseverança, coragem e resiliência diante das adversidades.
Um dos exemplos mais marcantes é a menção a Samwise Gamgee, personagem conhecido pela lealdade e determinação, que Musk usa como símbolo de superação e apoio constante, elementos que considera fundamentais em seus projetos e visão de mundo.
A influência de Tolkien também está presente na vida familiar do bilionário. Ele escolheu um nome inspirado na Terra-média para sua filha, “Sideræl”, que remete ao nome élfico de Galadriel, uma das figuras mais poderosas e sábias da mitologia tolkieniana.
Em termos de inspiração visionária, Musk também recorre às temáticas centrais de O Senhor dos Anéis para moldar a própria narrativa de transformação e conquista.
A saga de aventura, a luta contra forças aparentemente invencíveis e a busca por um futuro melhor e mais inovador refletem diretamente a abordagem em empreendimentos do magnata, como a exploração espacial pela SpaceX, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis pela Tesla e os esforços para avançar o conhecimento humano.
Para Musk, a Terra-Média é uma metáfora para os desafios que enfrenta.
Inspiração direto da Terra Média
Outros exemplos incluem a startup de segurança Sauron, que oferece sistemas de vigilância para residências e é nomeada em alusão ao Senhor do Escuro da Terra-média, e a Narya, um fundo de capital de risco inspirado no anel élfico do fogo.
Além dos nomes oficiais, algumas empresas utilizam referências da Terra-Média para codificar projetos e equipes.
A Cisco, por exemplo, adotou os nomes “Gondor” para si e “Mordor” para seus concorrentes em ambientes internosm — embora essas denominações não sejam utilizadas oficialmente no mercado.
Magia, criação e paralelos entre Tolkien e a inovação tecnológica
Para muitos na tecnologia, a inovação funciona como uma espécie de "magia moderna", capaz de construir novas realidades por meio do código e da criatividade — um conceito que casa perfeitamente com os elementos fantásticos da obra de Tolkien.
A influência da fantasia e da ficção científica está presente desde os primórdios do Vale do Silício, quando projetos e laboratórios já faziam referência a locais e conceitos da Terra Média, fortalecendo o vínculo entre criatividade e tecnologia.
Essa paixão por histórias de heroísmo e transformação inspira projetos de grande impacto, como inteligência artificial, colonização espacial e pesquisas de longevidade humana — temas que metaforicamente dialogam com o desejo de imortalidade e poder dos elfos.
Apesar da forte influência cultural, há críticas acerca da apropriação da obra por parte do setor tecnológico, especialmente quando sua complexidade moral e ética é simplificada para justificar visões autocráticas ou empresariais que não correspondem ao pensamento de Tolkien.
Empresas como Palantir e Anduril, com vínculos ao setor militar e de segurança, exemplificam a relação complexa entre a mitologia de Tolkien e o impacto geopolítico dos projetos tecnológicos.
Além disso, a popularidade do transhumanismo (movimento que busca aprimorar a experiência humana com o uso da tecnologia) entre líderes do setor levanta questões sobre o significado da humanidade, tema central tanto em Tolkien quanto na ficção científica que inspira a tecnologia atual.
O fascínio pela obra também traduz a visão de liderança no Vale do Silício, onde o “founder mode” prega o poder decisório unilateral dos fundadores e a rebeldia contra o status quo.
Manifestos de investidores como Marc Andreessen descrevem os empreendedores como heróis em jornadas para conquistar dragões e redefinir o futuro — uma metáfora direta às narrativas tolkienianas.
Para esses líderes, a luta épica simboliza resistência contra burocracias e regulações que dificultam a inovação.
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