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Dá para confiar na Wikipedia?

Os termos colaborativos da Wikipedia são mais tendenciosos do que os termos na Enciclopédia Britânica


	Wikipedia: artigos mais recentes são menos tendenciosos que os criados no início da existência do site
 (Divulgação)

Wikipedia: artigos mais recentes são menos tendenciosos que os criados no início da existência do site (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 8 de setembro de 2015 às 13h07.

Crowdsourcing, ou projetos colaborativos, já se tornou um termo rotineiro, com produtos, negócios, projetos de arte, organizações sem fins lucrativos, e até modelos de novo jornalismo financiados colaborativamente, ou por crowdfunding, como é conhecido em inglês.

Cientistas-cidadãos se unem virtualmente para encontrar novas galáxias, contar pássaros e monitorar a qualidade da água.

Mas o maior de todos os sites colaborativos de informação é a Wikipedia, que, ironicamente, pode informar que a Enciclopédia Britânica, sua antecessora e ex-fonte padrão de informação, publicou sua última edição impressa em 2012.

A popularidade da Wikipedia como fonte de informação para todos, desde alunos do primário até a terceira idade, levou Shane Greenstein, professor de estratégia da Kellogg School, a investigar de que forma a Wikipedia adere a um "ponto de vista neutro".

Ele descobriu que artigos mais recentes são menos tendenciosos que os criados no início da existência do site. Mas como a Wikipedia se compara com enciclopédias? A sabedoria da multidão é mais tendenciosa do que a sabedoria de especialistas?

Nossa crescente dependência em conteúdo colaborativo faz com que seja importante entender como ele difere do tipo tradicional, escrito e editado por especialistas e profissionais. "Nem todas as informações são iguais ", diz Greenstein.

"À medida que passamos para um mundo online de maneira extremamente rápida, as fontes primárias de informação passaram dos livros para fontes online, e há uma suposição de que de alguma forma o conteúdo permaneceu o mesmo".

A pesquisa de Greenstein, conduzida com o co-autor Feng Zhu, de Harvard, sugere que os termos da Wikipedia são um pouco mais politicamente tendenciosos do que suas contrapartes na Britânica, e que essa tendência é válida para artigos mais longos e com um menor número de colaboradores.

Parcialidade e inclinações

"Sendo fontes que visam fornecer informações abrangentes, a Britânica e a Wikipedia enfrentam problemas semelhantes no que se refere ao tamanho, tom e base factual de conteúdos controversos, não verificáveis e subjetivos", escrevem Greenstein e Zhu em seu estudo.

De maneira compreensível, estes conflitos são "generalizados" quando se trata de eventos atuais e outros temas politicamente antagônicos.

No entanto, a Britânica e a Wikipedia tratam deste problema de maneiras distintas.

A enciclopédia usa um pequeno grupo de especialistas e editores que participam de um diálogo mútuo antes de decidirem o que publicar referente a um certo termo.

A Wikipedia usa uma escala muito maior, dependendo da multidão virtual — dezenas de milhões de pessoas — para gerar informações para um determinado termo.

E, comparada a seu homólogo tradicional, a Wikipedia possui um processo drasticamente descentralizado para lidar com edição e conflitos. Isto permite que mais parcialidade se infiltre em seus termos?

Greenstein comparou cerca de 4.000 pares de termos sobre política americana publicados na Enciclopédia Britânica e na Wikipedia.

Mais especificamente, os pesquisadores desenvolveram um índice que mede inclinações — um indicador sobre o fato de um termo tender mais à esquerda ou à direita, politicamente falando — e parcialidade, o grau de inclinações medido.

Para isso, ele e Zhu utilizaram um método descrito em pesquisas anteriores de economistas da Universidade de Chicago.

Este método se baseia no fato de que algumas frases são mais propensas a serem usadas por democratas — "guerra no Iraque", "direitos civis" e "déficit comercial", por exemplo — enquanto outras frases como "crescimento econômico", "imigração ilegal" e "segurança das fronteiras" — são mais provavelmente usadas por republicanos.

Mais olhos, menos parcialidade
Greenstein e Zhu mediram a direção e a força das opiniões de cada artigo. Eles descobriram que, em geral, os artigos políticos da Wikipedia são mais propensos a tenderem "levemente" para o lado democrata — ou se inclinarem para a esquerda — que os da Britânica, e que a extensão da parcialidade dos artigos da Wikipedia é maior. 

Mas a descoberta mais interessante, pelo menos para Greenstein, foi que os artigos da Wikipedia que receberam mais revisões apresentavam menos parcialidade e eram menos propensos a pender ao lado democrata. Como escrevem Greenstein e Zhu, "as maiores parcialidades e inclinações surgem em artigos da Wikipedia com menos contribuições".

Este fato é em grande parte consistente com a Lei de Linus, um princípio aplicado ao desenvolvimento de software que afirma que "dados olhos suficientes, todos os erros são óbvios".

Um argumento para tornar códigos de software disponíveis abertamente, este princípio significa que, com um número suficiente de usuários se debruçando sobre um determinado segmento de código — mesmo um segmento grande — todos os problemas serão encontrados e corrigidos. Mas no caso da Wikipedia, descobriu-se que, às vezes, simplesmente não há olhos suficientes.

"A inclinação extrema atrai a revisão do extremo oposto", diz Greenstein. "Coisas no meio, não".

Este fato pode também ajudar a explicar porque os artigos da Wikipedia têm no geral uma inclinação pequena, uma vez que artigos com maior inclinação atraem mais leitores e, em última análise, revisores, levando a uma redução na parcialidade.

Ainda assim, Greenstein está interessado em "desmontar a Lei de Linus em seus micro-componentes". É algo que, segundo ele, "a comunidade crowdsource aceita como dogma. Os cientistas sociais em mim e em Feng vêem isso como uma hipótese".

Qual parte dos artigos estudados da Wikipedia recebeu revisões suficientes para chegar perto dos da Britânica em termos de objetividade? "É uma pequena fração, de dez a vinte por cento, na melhor das hipóteses", diz Greenstein.

"A boa notícia é que esses são os artigos populares. A má notícia é que há muitos textos em que ainda existe muita parcialidade".

Greenstein e Zhu também descobriram que os artigos mais longos são mais propensos a serem tendenciosos que os mais curtos.

E os artigos da Wikipedia tendem a ser mais longos do que os da Britânica — em parte pela razão óbvia que o conteúdo online não se depara com nenhuma das restrições financeiras que as mídias impressas enfrentam em relação ao espaço.

A maior disponibilidade de espaço permite que os autores da Wikipedia adicionem material à vontade, o que significa mais oportunidade de ouvir de todos os pontos de vista parciais.

Escreva localmente, revise globalmente?

É importante lembrar que a Wikipedia se posiciona como um ponto de partida em vez de uma fonte definitiva. A Britânica, por outro lado, se apresentava como a autoridade final.

Entretanto, muitas pessoas tomam a Wikipedia como definitiva. E é por isso, afirma Greenstein, que é importante trazer à tona seus problemas, inclusive a parcialidade, sem diminuir sua "maravilhosa conquista". 

"É ingênuo pensar que é possível abandonar um texto", diz ele. "É preciso muita revisão, e há muitos textos que não recebem muita atenção. É necessário espalhar a atenção".

Assim, as conclusões do pesquisador deixam claro que os gestores de conteúdo colaborativos ou de crowdsourcing, seja na Wikipedia ou em outros lugares, deve alocar uma atenção editorial limitada de maneira mais estratégica possível.

Greenstein, entretanto, está agora procurando fatores geográficos relacionados com a Wikipedia. "Após esta pesquisa, ficamos curiosos para saber sobre isso", afirma.

Talvez de modo não surpreendente, os resultados preliminares da sua pesquisa sugerem que as fontes de revisão para os termos abrangem todo o globo.

A revisão não é feita por um conjunto exclusivo de editores, ou mesmo por editores vivendo predominantemente em um lugar. "É um grupo extraordinariamente distribuído", diz Greenstein. Os olhos, ao que parece, estão em todas as partes.

Texto publicado com a permissão da Northwestern University (em representação da Kellogg School of Management). Publicado originalmente no Kellogg Insight


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