Plenário do Senado Federal: Com supressão de artigo de MP, LGPD tem entrada em vigor incerta (Adriano Machado/Reuters)
Thiago Lavado
Publicado em 26 de agosto de 2020 às 19h43.
Última atualização em 26 de agosto de 2020 às 20h39.
O Senado rejeitou nesta quarta-feira, 26, o artigo da Media Provisória 959/2020, que previa o adiamento da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para maio de 2021. Com a supressão do trecho, a lei, que estabelece diretrizes de como empresas devem armazenar e lidar com dados de clientes e usuários, entra numa espécie de limbo legislativo.
Inicialmente especulou-se que com a supressão a lei passaria a vigorar na última data disponível, em agosto deste ano, e por isso já entraria em vigor nesta quinta, 27. Mas, em nota, o Senado Federal esclareceu que “a LGPD não entrará em vigor imediatamente, mas somente após sanção ou veto do restante do projeto de lei de conversão, nos exatos termos do § 12 do art. 62 da Constituição Federal.”
Assim, a LGPD pode entrar em vigor após a sanção do presidente Jair Bolsonaro, nos próximos 15 dias. Para o advogado especializado em direito digital, Adriano Mendes, da Assis e Mendes Advogados Associados, o Congresso deverá regulamentar os efeitos entre a vigência da LGPD e sua efetiva entrada em vigor em prazo complementar.
“Congresso vai ter que fazer decreto legislativo dizendo o que vai acontecer”, afirmou Mendes. “Esse decreto deve dizer que a LGPD passa a valer numa data futura pequena ou próxima, ou na data que o decreto for promulgado. Se isso for feito de forma retroativa, não vai estar ajudando o Brasil”.
A MP 959/2020, com o adiamento da vigência da lei para maio de 2021, foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril, editada pela Câmara dos Deputados com previsão de entrada em vigor da lei no final do ano e rejeitada completamente pelo Senado nesta quarta, 26. A lei já tinha sido adiada anteriormente, de fevereiro para agosto de 2020.
De acordo com Mendes, a entrada a incerteza sobre a vigência da lei é acompanhada de outro efeito perverso: não há autoridade constituída para regular o assunto no país. O texto prevê a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), uma entidade que ainda não foi criada ou debatida a fundo pelas autoridades.
"Pior do que não saber quando a lei vai entrar em vigor é ela entrar sem a autoridade constituída", afirma Mendes. "Existem uma série de requisitos que só a ANPD vai poder regular", disse, afirmando que elencou uma série de 57 pontos que devem ser decididos pela autoridade. Para ele, a inexistência da autoridade gera uma insegurança jurídica e coloca a sociedade civil como devedora de algo que não se sabe como será cumprido.
Para Felipe Schvartzman, advogado de direito digital e novas tecnologias na Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, há duas repercussões principais com a entrada em vigor da LGPD sem a constituição de uma autoridade de dados: a primeira é que os entendimentos iniciais da lei serão principalmente no judiciário e não na ANPD, que era a intérprete administrativa projetada pela legislação; a segunda é que ficam pendentes as funções não repressivas da ANPD, como educação das empresas sobre a importância do tema e estímulo de boas práticas organizacionais.
"A LGPD menciona dezenas de vezes a ANPD, então joga para o futuro diversos pontos que precisam ser definidos pela autoridade", disse Schvartzman. "O risco é termos uma interpretação não harmônica da lei nesse primeiro momento, que é o momento de educar o mercado e de estimular medidas organizacionais para o desenvolvimento da cultura de proteção de dados."