"O Facebook precisa decretar falência moral", disse Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, durante depoimento ao Congresso dos EUA em 5 de outubro de 2021 (Jabin Botsford-Pool/Getty Images)
Laura Pancini
Publicado em 14 de outubro de 2021 às 06h00.
As linhas estão traçadas dentro do Facebook. De um lado, a ex-funcionária Frances Haugen, que depôs ao Congresso dos Estados Unidos semana passada após alegar que a companhia priorizou o lucro em detrimento do público.
Do outro lado, o CEO Mark Zuckerberg, que tenta convencer colaboradores e o público de que as afirmações de Haugen, que foram apoiadas por documentos internos da própria empresa, são "muito fáceis de desmascarar".
Quem estaria certo? Dentro do Facebook, os funcionários se dividem enquanto os executivos do Facebook vêm tentando amenizar as preocupações sobre a denúncia internamente. Ao todo, a empresa conta com 63.000 funcionários.
De acordo com reportagem do New York Times, os colaboradores vêm sendo convocados para reuniões e briefings de emergência, além de receber memorandos com informações sobre como podem, por exemplo, responder amigos e familiares sobre os "eventos recentes".
Uma das recomendações seria negar que o Facebook coloca o lucro e o crescimento da companhia acima da segurança dos usuários. A carta também conta com informações sobre como a empresa pediu regulamentações do governo.
Já as reuniões são lideradas pelos vice-presidentes de algumas áreas do Facebook, que estão mostrando como as diferentes partes da empresa operam. Tópicos como polarização e mudanças no algoritmo do Feed de notícias foram abordados.
No Congresso dos EUA, Haugen mostrou documentos que foram originalmente divulgados pelo The Wall Street Journal. O jornal norte-americano publicou uma série de reportagens sobre os danos das redes sociais.
Em uma delas, de acordo com os documentos, fica evidente que a empresa sabia como, por exemplo, o Instagram era prejudicial para mulheres jovens e adolescentes.
Ao 60 Minutes, tradicional programa de entrevistas norte-americano, Haugen afirmou: “Eu já conhecia um monte de redes sociais e era substancialmente pior no Facebook do que em qualquer outra que eu tivesse conhecido antes”. A ex-funcionária já trabalhou para o Google e Pinterest.
Dentro da empresa de Zuckerberg, alguns enxergam Haugen como uma "heroína" ou como alguém que está "dizendo coisas que muitas pessoas vêm dizendo há anos".
Muitos acreditam que a empresa deveria escutar a opinião da ex-funcionária e até convidá-la para uma reunião interna, mas outros querem que ela seja processada por quebrar seu sigilo com o Facebook e não acham que ela tem credibilidade.
Haugen trabalhou na equipe de desinformação no Facebook por quase dois anos e coletou diversos documentos e pesquisas internas realizadas pela empresa. Ela vem distribuindo o material para legisladores e agências de notícias para alertar sobre os efeitos nocivos que a rede social sabia que estava causando.
O depoimento de Haugen ao Congresso aconteceu um dia depois do Facebook, Instagram e WhatsApp ficarem fora do ar por horas. Suas divulgações também levaram a uma interrupção no desenvolvimento de uma versão do Instagram para crianças.
Alguns funcionários especulam que, como Haugen não teve permissão do Facebook para trabalhar remotamente do Porto Rico, para onde se mudou durante a pandemia, ela teria vazado as informações por este motivo.
As coisas ficaram tão intensas que o departamento de comunicação internas do Facebook enviou um comunicado pedindo para que colaboradores não depreciassem Haugen, de acordo com o NYT.
“Estamos cada vez mais ouvindo sobre pedidos de repórteres aos funcionários para falar sobre Frances Haugen”, escreveu Andrea Saul, diretora de comunicações políticas, em mensagem interna. “Recebemos perguntas se seria possível defender a empresa referindo-se às experiências que tiveram com ela. POR FAVOR, NÃO SE ENVOLVA nessas conversas. Falar negativamente dela não é certo, não é permitido e não é quem somos como empresa”.
Todas as informações sobre as reações dos colaboradores foram obtidas através de entrevistas feitas e mensagens internas vistas pelo New York Times.