Design thinking: há quatro etapas para a abordagem -- observar um problema, reformulá-lo, projetar soluções e testá-las, tudo com o objetivo final de aprimorar como os seres humanos passam pela experiência de um produto ou serviço. (Alvaro Reyes/Unsplash)
Thiago Lavado
Publicado em 28 de agosto de 2020 às 07h00.
O design thinking talvez já tenha atingido o pico da sua popularidade. Empresas de todos os setores falam sobre ideação e iteração, um aceno linguístico ao processo criativo popularizado pela empresa de design e consultoria IDEO.
A abordagem do design thinking segue mais ou menos um processo de quatro etapas: observar um problema, reformulá-lo, projetar soluções e testá-las, tudo com o objetivo final de aprimorar como os seres humanos passam pela experiência de um produto ou serviço.
Porém são duas coisas muito diferentes estar familiarizado com essa abordagem e realmente colocá-la em prática. “Às vezes as pessoas acreditam que estão fazendo design thinking, mas na verdade não é bem isso”, diz Leigh Thompson, professora titular de administração e organizações na Kellogg. “Quando você acerta, é algo realmente poderoso”.
Em vez de seguir cegamente a abordagem, diz ela, seria útil entender a psicologia que serve como embasamento. De forma crítica, a psicologia social também oferece insights sobre maneiras específicas de se tirar mais proveito de cada etapa do processo.
“É a ciência que explica a magia”, diz David Schonthal, professor associado clínico de inovação e empreendedorismo na Kellogg e diretor sênior da IDEO. Recentemente, Thompson e ele publicaram um artigo sobre este assunto e ministram juntos um curso sobre como usar a criatividade como ferramenta de negócios.
Por que o design thinking funciona? E como as empresas podem elas mesmas aplicar esses princípios eficientemente? Thompson e Schonthal explicam o design thinking.
O primeiro passo no processo de design thinking é observar uma situação e perceber o que está realmente acontecendo. Parece simples. Mas Thompson ressalta que somos realmente muito ruins em observar uma situação e perceber o que se passa, apesar de termos muita confiança nas nossas próprias habilidades neste sentido.
Vinte anos atrás, os pesquisadores Christopher Chabris e Daniel Simons realizaram um agora famoso experimento em psicologia. Mostraram aos participantes um vídeo de pessoas jogando basquete e os instruíram a contar quantas vezes os jogadores de um determinado time passavam a bola.
Cerca de 45 segundos no vídeo, uma mulher vestindo uma fantasia de gorila passou pela tela. Mas um grande número de participantes nem percebeu esse fato estranho. Estavam muito focados em contar os passes de bola, uma ilustração do fenômeno que os psicólogos chamam de cegueira desatencional.
“As pessoas são muito limitadas na sua capacidade de perceber em seu mundo visual quando estão focadas em algo”, explica Thompson. “Juntando a isso o fato de que as pessoas acreditam estar no 99º percentil em relação às suas habilidades perceptivas, essa é uma combinação perigosa”.
Então, como podemos melhorar nossa capacidade de percepção do que se passa ao nosso redor?
Como explicam Thompson e Schonthal, a capacidade de percepção é uma estratégia cognitiva que pode ser dividida em três partes. Primeiro, os observadores devem identificar e abandonar seus roteiros cognitivos, as narrativas preexistentes que orientam a forma como compreendem situações. Em seguida, devem aprender indutivamente, fazendo inferências com base em informações limitadas. E, por fim, devem encontrar padrões em estímulos complexos.
É por isso que os praticantes de design thinking devem sair de trás de suas mesas e observar um problema "na natureza", como diz Schonthal. Não basta só confiar nas pessoas para relatar seus próprios hábitos. Cita um exemplo de quando uma empresa farmacêutica contratou a IDEO para investigar uma hipótese de que uma embalagem de medicamento para artrite era difícil de abrir pelos pacientes.
A equipe de design da IDEO entrevistou, e o mais importante, também observou os pacientes que usavam a medicação em suas rotinas diárias. Uma senhora idosa com artrite disse não ter problemas para abrir a embalagem. Mas quando a equipe da IDEO pediu para ela demonstrar como fazia isso, ela tirou o frasco de comprimidos de uma gaveta e colocou-o em um cortador de carne, em seguida, usou o implemento para cortar a parte superior do recipiente, porque era doloroso demais torcer a tampa para abrir o frasco.
“Uma das maiores lições desse exemplo é que nunca se deve levar ao pé da letra o que as pessoas dizem que fazem”, diz Schonthal. “Na verdade, ver com os próprios olhos o que está acontecendo pode imediatamente desencadear a identificação de necessidades não atendidas ou formas melhores de resolver algum problema”.
A segunda etapa no design thinking é fazer o enquadramento e reformulação. Nesta etapa, os design thinkers analisam um problema de vários pontos de vista, experimentando diferentes lentes para achar a melhor abordagem para encontrar uma solução.
Para entender melhor a importância desse processo, Thompson e Schonthal destacam o trabalho do economista Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel por suas pesquisas sobre enquadramento cognitivo. Kahneman mostrou que as pessoas tomam decisões o diferentes dependendo de como elas são enquadradas: mais especificamente, se estão focadas na possibilidade de ganhar algo (o que os design thinkers chamam de "quadro de promoção") ou pela possibilidade de não perder algo ("quadro de prevenção”).
É importante compreender as motivações de um cliente para usar um produto ou serviço para desenvolver algo que funcione para ele. Por exemplo, um projeto que a IDEO desenvolveu sobre gerenciamento de diabetes para uma empresa de saúde. A equipe da IDEO descobriu que objetivos mais tradicionais, como perder peso e controlar o nível de açúcar no sangue para evitar problemas de saúde (que ativam um quadro de prevenção), não tiveram sucesso em motivar os pacientes a fazerem mudanças benéficas a sua saúde. No entanto, definir metas sociais e emocionais, como recuperar a capacidade de caminhar 5 km ou dançar com a filha no casamento dela, ativou uma mentalidade de promoção e realmente motivou as pessoas a mudarem seus hábitos.
Munida desse conhecimento e do novo quadro, a IDEO conseguiu ajudar a empresa a ir além da criação de um novo dispositivo médico. Mais que isso, a IDEO ajudou esse cliente a desenvolver um aplicativo personalizável que solucionou um desafio distinto: Como ajudar pessoas com diabetes a ter uma melhor qualidade de vida?
“Com qualquer produto muito bem pensado, é provável que os designers começaram fazendo uma pergunta diferente ou solucionando um problema diferente de todos os demais concorrentes”, diz Schonthal.
A terceira etapa é imaginar e projetar, o que Thompson e Schonthal descrevem como “o coração e a alma” do processo de design thinking. É por isso que, mais do que as outras etapas, é crucial entender a ciência que serve como base para uma idealização bem-sucedida.
Em sua essência, o brainstorming foca na quantidade e não na qualidade, aproveitando as ideias uns dos outros e incentivando sugestões não convencionais, porém evitando críticas. Estudos mostram que esses princípios, concebidos na década de 1950, permanecem em voga até hoje.
No entanto, outros estudos mostram as pessoas regularmente não seguem as regras. Sugerem poucas ideias ou criticam os demais, em vez de criticar as ideias. Criticar a pessoa que apresenta a ideia pode prejudicar outras ideias.
Felizmente, a ciência também sugere uma série de melhores práticas.
Primeiro, pense em trabalhar com um grupo menor de ideação. Quanto maior o número de pessoas na equipe, menor é a produtividade de ideias por pessoa. Isso ocorre porque, quando se trabalha em grupos, como na sessão de brainstorming tradicional, as pessoas sentem-se muitas vezes inibidas devido a demandas sociais, tais como ser educado e esperar a vez de falar.
Outra ideia é mudar do brainstorming para brainwriting. Em uma sessão de brainwriting, os participantes passam um determinado período de tempo escrevendo o máximo de ideias que tiverem. Em seguida, o facilitador reúne todas as ideias. Isso permite que se gerem diversas ideias livremente, sem se preocupar com críticas. Uma meta-análise amplamente citada mostra que grupos de brainwriting geraram mais do que o dobro do volume de ideias geradas por grupos de brainstorming, e uma porcentagem significativamente maior de suas ideias foi considerada de qualidade superior.
“A maioria das pessoas não quer acreditar que o brainstorming em grupo é inferior à ideação individual, pelo menos por um período finito de tempo, porque nos sentimos bem em grupos. Grupos são estimulantes. Eles nos fazem sentir acolhidos e descontraídos”, explica Thompson. “Mas não é necessariamente a melhor maneira de se ter uma reunião de criatividade e inovação”.
Em se tratando de realmente desenvolver e testar soluções (a etapa final do design thinking), um designer bem-sucedido deve entender que o fracasso é simplesmente uma parte esperada do processo e, em última análise, tornará o trabalho melhor.
"A ideia é falhar mais rápido e aprender mais cedo”, diz Thompson.
Para isso, o principal é garantir que o grupo tenha uma mentalidade construtiva. O termo se refere à crença de que capacidade e habilidade provêm da prática, não do talento inato. Assim, o fracasso se torna uma forma de aprender e não uma prova de incompetência. Por exemplo, um estudo mostrou que os participantes que foram instruídos a ter uma mentalidade construtiva realizaram uma tarefa complexa melhor e de forma mais agradável do que os participantes que receberam instruções para ter uma mentalidade “fixa”.
Uma maneira de fomentar a mentalidade construtiva, explicam Thompson e Schonthal, é usar perguntas do tipo "Como podemos fazer" (CPF), que levam os design thinkers a romper barreiras. “Os grupos que adotam o enfoque CPF têm maior probabilidade de persistir e ser criativos do que os que não pensam nas possibilidades”, escrevem os autores.
Outra maneira de reforçar a ideia de que se estar simplesmente experimentando e, portanto, aberto a feedback verdadeiramente honesto, é usar materiais de baixa fidelidade na criação de protótipos.
Por exemplo, para testar diferentes maneiras de reformular a experiência de voo de longas distâncias, a IDEO usou materiais encontrados no escritório. Para um conceito, os designers literalmente empilharam cadeiras de escritório para testar a ideia de “beliches” em aviões. Executivos de companhias aéreas que tentaram se deitar nas cadeiras rejeitaram rapidamente o conceito, e a IDEO passou para a próxima ideia.
“Protótipos são perguntas incorporadas”, diz Schonthal. “Não se trata de construir algo que se espera que as pessoas se apaixonem como produto final”.
No final do processo, o resultado que os designers querem é criar algo que deixe as pessoas apaixonadas. Um produto final de sucesso muitas vezes parece intuitivo, como se a ideia surgisse inteiramente formada do cérebro do designer. Porém, como mostra a pesquisa de Schonthal e Thompson, uma abordagem baseada na ciência é essencial para a inovação.
“Depois de ver um belo design, parece óbvio”, diz Thompson. “Mas é muito, muito difícil descobrir 'Como isso foi criado?'”