Tecnologia

Brasil é âncora da expansão pela América Latina, diz CEO da WSO2

Em entrevista à EXAME, o presidente executivo da maior empresa de software do Sri Lanka fala sobre como o "open source" pode revolucionar o mercado, os investimentos da companhia no País e suas horas vagas como motorista da Uber

Sanjiva Weerawarana, CEO da WSO2 (WSO2/Divulgação)

Sanjiva Weerawarana, CEO da WSO2 (WSO2/Divulgação)

LP

Laura Pancini

Publicado em 20 de março de 2022 às 06h00.

O usuário quer ter controle sobre o que ele compartilha e cria na internet. Mega vazamentos de dados e pouco conhecimento sobre onde vão as informações pessoais vêm gerando desconforto não só na população brasileira, como em todo o mundo. Mais do que nunca, estamos em busca de soluções digitais que dão ao cliente o poder de escolha.

Conhecido como um “evangelista do código aberto”, Sanjiva Weerawarana sempre esteve aliado ao lado mais flexível da tecnologia. Com mais de 30 anos de experiência no mercado de ciência da computação, o programador é o fundador da WSO2, uma das maiores empresas de “open code” do mundo e a maior do Sri Lanka, onde foi fundada em 2005. 

A WSO2 é líder global em APIs, gerenciamento de identidade, acesso e de integração, com soluções para Open Banking, tendo o BNDES como um dos clientes brasileiros, além de Open Insurance, Open Healthcare, entre outros.

Recentemente, a companhia recebeu um aporte de 90 milhões de dólares da Goldman Sachs e planeja expandir ainda mais sua presença na América Latina, com expectativa de que a região represente 10% do faturamento recorrente anual da empresa em 2022. 

Somente em 2021, a empresa cresceu 53% na região da América Latina e conquistou mais de 50 clientes. Ao todo, são mais de 800 clientes em 80 países, e a expectativa global é de um aumento de 48% em 2022 e um crescimento anual entre 45% e 50% daqui em diante.

Em suma, o foco da WSO2 na América Latina é a transformação digital e em equiparar empresas com os essenciais para operar na internet, algo que Weerawarana fez e continua fazendo no seu país de origem.

O presidente executivo voluntariamente auxilia o governo do Sri Lanka em sua própria transformação digital, como parte do projeto “Code for Sri Lanka” da Lanka Software Foundation, uma organização sem fins lucrativos que ele co-criou em 2003. Weerawarana também desafia o comportamento crítico de pessoas bem-sucedidas como motorista da Uber nas horas vagas.  

Em entrevista exclusiva à EXAME, o presidente executivo da maior empresa de software do Sri Lanka fala sobre como o open source pode revolucionar o mercado e o futuro da tecnologia com a expansão dos serviços em nuvem e temas quentes como o metaverso e NFTs.

O que é “open source” e por que ela é tão importante agora?

“Open source” [código aberto, em português] significa que o código-fonte do software está disponível para as pessoas no programa no qual ele foi escrito. O software do código aberto tende a ser arquitetado de maneira mais flexível do que o de código fechado.

A mentalidade é: você não está no controle total. Você faz um pouco, outra pessoa faz mais e assim em diante. A partir daí, você projeta sistemas que são mais abertos e fáceis para alguém consumir e ampliar. Isso é essencial no mundo de hoje porque todos os negócios dependem de software, portanto, ter algum nível de flexibilidade é importante.

A WSO2 possui produtos em áreas como Open Banking e Open Healthcare. Quais as diferenças deles, em comparação aos serviços tradicionais?

Se você tiver duas contas bancárias em dois bancos, por exemplo, terá que usar sistemas totalmente diferentes e que não se conectam. Cada um deles vai ter suas informações pessoais, como quanto você ganha e movimenta de dinheiro. Com o Open Banking, é sobre dizer: “Como garanto que minhas informações mantidas pelo banco sejam algo que eu possa controlar e dar a quem eu quiser?”

Com o Open Healthcare, a mesma lógica se aplica. O que eu, como pessoa, quero saber é qual era minha pressão arterial há cinco meses e qual é agora. É sobre como você expõe as informações de forma segura a terceiros. Este é o conceito do “open data”: as informações são disponibilizadas pelas pessoas que detêm os dados. Sem permissão, você não pode tê-los.

A empresa também se dedica a serviços envolvendo a nuvem, competindo com gigantes como Amazon, Google e Microsoft. Qual a importância da nuvem atualmente?

Uma das direções que o mundo está seguindo em termos de software é em parte por causa da segurança, em parte por questões de complexidade e em parte por questões de habilidade. Queremos usar cada vez mais o software como serviço. A nuvem é sobre dizer que eu, como empresa, não quero prestar tanta atenção em como fazer uma videochamada funcionar. Quero focar no meu negócio. É por isso que o serviço em nuvem está decolando. Você não precisa configurar, manter ou se preocupar com patches de segurança - nós cuidamos de tudo isso.

A WSO2 teve um crescimento de 53% na América Latina em um ano. Por que números tão impressionantes agora? Quais as expectativas para os próximos anos da companhia, tanto globalmente quanto por aqui?

A tecnologia está evoluindo rapidamente e a adoção de software para todos os tipos de aplicativos acelerou muito devido à pandemia. Já o investimento foi realmente para expandir nosso crescimento global e nossos produtos. Também queremos estar prontos para o IPO até 2024 ou 2025. A expectativa é de conseguir cerca de 300 milhões de dólares em receita até lá.

Vemos muitas oportunidades na América Latina para esse tipo de tecnologia, porque há muitos negócios que ainda não implantaram os fundamentais da infraestrutura digital. Na América Latina, temos cerca de 45 funcionários e esperamos ter provavelmente cerca de 100 no final do próximo ano.

O Brasil é a âncora de tudo isso. Queremos investir ainda mais na região e tentar ajudar ao máximo as indústrias locais. Somos uma empresa, obviamente planejamos receber uma receita através disso, mas queremos fazer da maneira correta e apoiar as pessoas certas.

Na sua percepção, como serão os próximos dois a cinco anos no mercado de tecnologia?

Acho que veremos a digitalização dos negócios acelerando muito mais. Do ponto de vista do consumidor, a experiência digital vai melhorar significativamente. O que isso também significa, infelizmente, é que teremos mais brechas de segurança, porque algumas pessoas não vão construir o sistema da forma correta, ou não terão o conhecimento adequado para fazer isso, e todos os tipos de problemas surgirão.

Infelizmente, a ciência da computação não descobriu como escrever software sem bugs. Humanos escrevem o código, humanos cometem erros e os erros de design que cometemos há 20 anos podem aparecer agora e assim por diante. Olhando de uma maneira realista, a violação de dados não desaparecerá. Sempre teremos cenários em que alguém irá cometer um erro e alguém terá de corrigi-lo. Se chegarmos à frente das pessoas que estão hackeando, elas hackearão outra coisa. 

Além disso, acredito que o que está acontecendo com a Ucrânia e a Rússia causará uma pequena mudança significativa na trajetória do mundo dos negócios em nuvem. A Rússia tinha muita dependência de empresas de software sediadas nos EUA e agora não pode usá-las. Isso terá um impacto no mundo como um todo, pois os governos devem buscar mais independência das empresas globais de nuvem. Estamos apenas começando a ver as consequências disso. De um lado, há uma guerra física acontecendo, mas no mundo digital há uma nova guerra que se abriu e que terá um impacto infeliz.

É por isso que é tão importante para a WSO2 ter infraestrutura local nos países onde está, certo?

Absolutamente, e é por isso que o software de código aberto é tão importante, porque significa que você tem acesso ao código-fonte e pode controlá-lo. A nuvem tira muitas das responsabilidades, mas ao mesmo tempo tem esse aspecto internacional que é desafiador agora. Acho que nos próximos anos haverá uma tentativa de descobrir como fazer negócios de nuvem em escala global funcionarem, respeitando e entendendo que o mundo não segue o mesmo conjunto de regras.

E qual sua opinião sobre o metaverso e o surgimento de NFTs?

O metaverso como conceito já existia. Ele basicamente significa que cada pessoa terá um gêmeo digital, e esses gêmeos vão interagir uns com os outros. O melhor exemplo que temos disso atualmente, para mim, são os aplicativos de namoro como o Tinder. O app não mostra todo mundo em volta de mim, mas utiliza os dados para encontrar pessoas compatíveis. Meu gêmeo digital, antes mesmo de encontrar a pessoa física, já teve um encontro virtual. É um comportamento semelhante ao metaverso e que já foi observado em jogos como Second Life.

Já os NFTs são sobre criar valor na infraestrutura digital da web e desenvolver uma economia inteira em torno dela. Cerca de 50 bilhões de dólares foram gastos em NFTs até agora em todo o mundo e eles não têm nenhum fundamento, não são reais. Enquanto todos acreditarmos que é valioso, eles serão.

Algo irá sair de tudo isso, mas não acho que o que sair nos próximos cinco anos vai ficar. Minha expectativa é que teremos mais cinco anos de hype, histórias e expectativas falsas até que a tecnologia amadureça o suficiente, aí tudo irá desmoronar e então teremos algo significativo saindo disso.

A WSO2 tentaria saltar para este mundo?

Com certeza. Somos uma empresa focada em ajudar outras empresas a criar aplicativos digitais. Quando começamos em 2005, tudo era voltado somente para aplicativos da web, não havia celulares. No futuro, teremos um metaverso de todas as empresas, seja você um governo ou do setor do varejo. Será necessário ter algo nesse espaço, mas não tenho ideia do que isso vai ser agora. Ninguém sabe, e estamos todos assistindo tentando entender o que é importante e real sobre isso.

Você dirige para a Uber no Sri Lanka desde 2017, por volta de 12 anos após fundar a WSO2. Por quê?

Ainda dirijo mas não com muita regularidade, em parte por causa da pandemia. Não havia muitas corridas de Uber disponíveis e eu não queria tirar negócios de alguém. As outras pessoas dirigem para ganhar dinheiro, eu dirijo para fazer um ponto. Em nossa cultura no Sri Lanka, as pessoas tendem a menosprezar alguém por fazer um trabalho como o de um motorista. É por isso que eu dirijo, para mostrar que precisamos mudar essa mentalidade de definir a pessoa com base em seu trabalho, e sim em quem ela é.

Às vezes eu busco alguém e eles me reconhecem, já que a WSO2 é a maior empresa de software do Sri Lanka. Outra coisa interessante que notei é que, quando você entra em um carro, você ignora o motorista como se ele não existisse, então ouvi todo tipo de coisa interessante das pessoas. Eles entram e falam sobre seus problemas, seu próximo encontro ou com quem acabaram de se reunir, e eu tento não rir. É uma mudança completa no trabalho do dia a dia e faz você entender que servir outra pessoa é uma coisa boa a se fazer.

Você acha que essa experiência mudou a forma como você opera a WSO2 como CEO?

Sim. Eu nunca fui uma pessoa de negócios, mas mais um cientista da computação. Todo mundo tem uma vida que vai para cima e para baixo, você precisa dar flexibilidade às pessoas. O trabalho é importante, mas a vida vem em primeiro lugar. Criamos esta operação onde as pessoas podem fazer o trabalho, mas a empresa está lá para dar a eles o máximo de flexibilidade. 

Temos 450 engenheiros e não temos um único gerente de projeto. A razão para isso é que esperamos que todos assumam a responsabilidade por sua parte do problema. Se você precisa terminar a tarefa hoje, a expectativa é que você entregue ou me diga que não irá conseguir porque algo deu errado. Portanto, dirigir para a Uber é apenas outro aspecto disso. Constantemente me lembra que a vida de todo mundo tem todos os tipos de complicações. Essa ideia que você vem trabalhar e, portanto, tem que ser feliz e produtivo, simplesmente não funciona. Ninguém é uma máquina. Trata-se de respeitar as pessoas e entender que elas também são seres humanos.

É como você disse sobre bugs. Não podemos tirar o humano da tecnologia. 

Exatamente. O ser humano é uma parte inerente do negócio. Isso significa que somos falhos, algo vai dar errado e algo vai ser bom. A WSO2 cresceu de 0 pessoas para 900 globalmente e temos funcionários em cerca de 15 países diferentes. São culturas e valores diferentes, temos que respeitar cada pessoa.

Muitas empresas de software são projetadas apenas para ganhar algum dinheiro, fazer algumas avaliações e pronto. Isso não é a WSO2. Fomos criados com a ideia de ser uma empresa que fica para o longo prazo. Tudo no mundo da tecnologia muda constantemente, então nós projetamos uma empresa feita para evoluir com a tecnologia e não se casar somente com um tipo de serviço. Temos que continuar evoluindo com os problemas do mundo.

 

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