Tecnologia

Até o último bit

Você ainda acredita que os computadores ficam velhos a cada nova estação? Está na hora de deletar essa idéia

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h38.

No fim de 2002, perguntaram a Eric Schmidt, executivo-chefe do Google, o que ele esperava da nova geração de chips de alto poder de processamento da Intel. Schmidt respondeu que não esperava nada e que não tinha intenção de investir no novo superchip -- muito pelo contrário. "Não queremos capacidade máxima por um alto preço", disse Schmidt. "Procuramos o que funciona, e isso é totalmente diferente." O Google, como se sabe, é o principal mecanismo de busca da internet. Varre 3 bilhões de endereços da rede e responde a 200 milhões de pesquisas por dia. Com números dessa magnitude, o Google é um dos negócios de maior exigência de poder computacional do mundo. Apesar disso, toda a sua infra-estrutura, em vez de usar máquinas parrudas ou superservidores, é baseada em mais de 10 000 PCs relativamente simples, montados sob medida para a empresa, com processadores antigos e baratos, além do sistema livre Linux. Para os engenheiros do Google, a receita é prosaica: panela velha também faz comida boa.

E como. O Google é uma das histórias de maior sucesso da internet. Parte da explicação está no software que ordena os resultados da pesquisa, que torna o site indispensável para quem navega na rede. Mas uma parte igualmente importante da lucratividade do Google está na obsessão da companhia em tirar o máximo rendimento de seus equipamentos. É claro que processamento de informações é a atividade-fim do Google. Mas, como um número cada vez maior de empresas vem descobrindo, nem sempre a última novidade é a melhor maneira de resolver o problema de tecnologia da empresa. A fúria compradora do fim dos anos 90, ao que tudo indica, não vai voltar tão cedo. Agora, é hora de colocar a inteligência à frente das máquinas.

O principal sintoma disso é a situação dos vendedores de hardware. Com algumas notáveis exceções, esse tem sido o setor da indústria mais castigado pelo encolhimento nos orçamentos de tecnologia das empresas (veja quadro na pág. seguinte). Das quatro grandes áreas de negócio da HP no mundo, as duas que perdem dinheiro são justamente as que dependem de grandes contas: a de clientes corporativos e a de PCs. Diante da competição cada vez mais agressiva de IBM e Dell, a unidade corporativa recebeu um ultimato de Carly Fiorina, a executiva-chefe da HP: tem de alcançar a lucratividade até a segunda metade do ano fiscal, que acaba em 31 de outubro.

O mercado mundial de sistemas de armazenamento, até bem pouco tempo um dos que mais cresciam, também está em retração: diminuiu 3,9% entre o segundo trimestre do ano passado e o mesmo período deste ano. Para onde quer que se olhe, os números não são muito mais alentadores que esses. Os compradores estão cada vez mais parecidos com Victor Ribeiro, o diretor de tecnologia do UOL (empresa que pertence aos grupos Folha, Portugal Telecom e Abril, que edita EXAME). O orçamento de tecnologia do portal, que era de 40 milhões de dólares em 2000, hoje é 500 000 dólares. Ou seja: Ribeiro tem de fazer ginástica. Entre o ano passado e este, o tráfego do portal aumentou 30% -- mas o número de servidores continuou o mesmo. "Não existe uma receita mágica. É preciso fazer contas o tempo todo para cada uma das funções desempenhadas pelos computadores", diz Ribeiro.

Para reduzir os custos de processamento e de transmissão de dados, o UOL reduziu o tamanho dos endereços de suas páginas (o que aparece depois do "http://"). Até mesmo espaços em branco foram excluídos das linhas de código -- tudo em nome da economia. Do lado do hardware, também fez-se muita conta. Informações menos importantes foram transferidas para equipamentos mais antigos. Máquinas fora de uso agora são utilizadas como fonte de peças de reposição. Engenheiro vindo do setor metalúrgico, Ribeiro afirma que a produtividade do parque tecnológico deve ser submetida aos mesmos critérios impostos numa fábrica: "Só assim é possível obter bons resultados".

Levando a analogia siderúrgica um pouco adiante, imagine o que aconteceria se as caldeiras e os altos-fornos ficassem ligados apenas no horário comercial. Loucura? Pois é exatamente o que acontece com os PCs da grande maioria das empresas durante a noite. Uma capacidade de processamento literalmente imensurável fica inacessível e, ainda por cima, dispersa em centenas, às vezes milhares de computadores de mesa. "A computação é muito fragmentada nas empresas. Muitas vezes um departamento está perto do limite de sua capacidade, enquanto há capacidade ociosa em outro", diz Ricardo Chisman, da consultoria Accenture.

O grupo Randon, fabricante de autopeças e equipamentos rodoviários de Caxias do Sul, decidiu abandonar o feeling na hora de decidir novos investimentos em hardware. Ainda neste ano, todos os PCs das empresas do grupo terão um software para medir o uso do processador, da memória e da rede de comunicações. "Hoje, o funcionário sente que o computador está lento e pede uma troca. É um critério muito subjetivo", diz Rubens Zini, gerente-geral da área de tecnologia. "Agora, poderemos tomar decisões com base em números. Além disso, teremos uma idéia geral do nível de utilização dos micros de toda a companhia."

Um passo ainda mais ousado na otimização do hardware foi dado pela integradora CPM, de São Paulo. A empresa investiu 10 milhões de reais no desenvolvimento de um computador "burro". Os usuários têm acesso a um terminal simples, com apenas um teclado e um processador básico -- o que importa fica num servidor central. A idéia por trás do produto, batizado de Fit-ix, não é nova. Muitos executivos devem se lembrar ainda de Larry Ellison, CEO da Oracle, fazendo propaganda do network computer (NC), ou computador de rede, que tornaria possível transformar o poder computacional num serviço como eletricidade ou água: bastaria plugar-se à rede, fazer o download dos programas necessários e pagar pelo uso deles. (Hoje, não é preciso nem fazer download, pois os programas rodam no próprio servidor.)

O NC de Ellison não deu em nada -- em boa parte porque fabricantes de software, como a Microsoft, se recusaram a trocar o seguro e rentável modelo de cobrar uma licença fixa para cada usuário pela cobrança variável de acordo com o nível de uso de cada programa --, mas as vantagens dessa abordagem são inúmeras. Em primeiro lugar, o poder de processamento e a memória ficam todos num único ponto e podem ser compartilhados entre os terminais. Além disso, o software também é centralizado num único ponto da rede. Todas as atualizações e medidas de segurança podem ser tomadas uma única vez -- o que reduz os custos de administração do parque tecnológico. A CPM implementou o produto em 50 computadores e, até o fim ano, outros 600 devem entrar no sistema.

"A redução nos custos totais de manutenção dos nossos PCs será de 25%", diz Sandra Guerra, responsável pelas áreas de tecnologia da informação e marketing da empresa. "Somente em hardware, o custo vai cair 11% em cinco anos e até 27% em dez anos." Hoje, o tempo médio de utilização de um PC numa grande empresa é de três ou quatro anos. Com o novo sistema, o terminal duraria pelo menos seis anos, segundo Sandra, pois os componentes mais importantes são o teclado, o mouse e o monitor -- que raramente precisam de atualização. Os 50 terminais em operação na CPM ficam em sua sede administrativa, na zona oeste de São Paulo. Mas as informações são processadas num centro de dados da Telefônica, do outro lado da cidade. Além da própria CPM, outras seis empresas estão testando o sistema, inclusive dois grandes bancos.

Numa de suas mais recentes previsões sobre o futuro da tecnologia na América Latina, a consultoria de pesquisas Gartner Group aponta que a produtividade do ser humano cresce em média 1% ao ano; a dos processadores, 60% ao ano; a das telecomunicações, 100% ao ano. Portanto, o custo das operações remotas vai cair ainda mais rapidamente que o dos processadores. Resta saber como o mercado de fabricantes de equipamentos (hardware) e programas (software) vai reagir para aproveitar essa oportunidade. Se exemplos como o da CPM servirem de presságio, os computadores velhos ainda podem durar um bom tempo.

MÃO FECHADA
Os orçamentos de tecnologia da informação
das empresas estão estagnados (crescimento em relação ao ano anterior, em
%)
1998
15
1999
15,9
2000
9,7
2001
10,1
2002
1,3
2003
0
CUSTO, CUSTO E
CUSTO
As cinco prioridades dos diretores de
tecnologia estão cada vez mais ligadas à redução de custos e à boa administração
dos recursos
 
2003
2002
Redução de custos
1
5
Alinhamento da área de TI com a estratégia da empresa
2
1
Demonstrar o valor de TI para a empresa
3
3
Melhorar as informações para os executivos e para o conselho de administração
4
2
Melhorar a governança da área de TI
5
-
Fonte: Gartner Group
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