Tecnologia

Arizona, o paraíso dos veículos autônomos

O estado assumiu uma abordagem livre de regras enquanto regulamentadores federais demoram para formular uma legislação para a tecnologia

Carros autônomos da Waymo, em Phoenix: para o governador, a experiência é uma oportunidade para que o Arizona seja visto como um lugar para morar, trabalhar e se divertir (David Walter Banks/The New York Times)

Carros autônomos da Waymo, em Phoenix: para o governador, a experiência é uma oportunidade para que o Arizona seja visto como um lugar para morar, trabalhar e se divertir (David Walter Banks/The New York Times)

EH

EXAME Hoje

Publicado em 22 de novembro de 2017 às 15h48.

Última atualização em 22 de novembro de 2017 às 15h49.

Phoenix – Três semanas depois de começar em seu novo emprego como governador do Arizona, Doug Ducey tomou uma posição que conquistou o Vale do Silício e abriu caminho para que o estado se tornasse o paraíso dos carros sem motoristas.

Isso aconteceu em janeiro de 2015, quando a região de Phoenix estava para sediar o Super Bowl. Ducey descobriu que um funcionário público local vinha planejando atingir motoristas do Lyft e do Uber para fechar os serviços de carona paga por operar ilegalmente. Ducey, um republicano que foi executivo-chefe da cadeia de sorvetes Cold Stone Creamery, ficou furioso.

“Era uma mensagem totalmente oposta à que deveríamos passar. Precisávamos que nossa mensagem para o Uber, o Lyft e outros empreendedores do Vale do Silício fosse que o Arizona estava aberto a novas ideias”, afirmou Ducey em uma entrevista.

Ducey demitiu o funcionário que teve a ideia e fechou a agência, o Departamento de Pesos e Medidas. Em abril de 2015, o Arizona legalizou as caronas pagas.

Desde então, o estado usou a ação do governador para se tornar um parceiro perfeito da indústria da tecnologia, transformando-se em um laboratório vivo para os veículos autônomos. Nos últimos dois anos, o Arizona cultivou deliberadamente um ambiente sem regras para esses carros, ao contrário de dezenas de estados que passaram leis sobre segurança, taxas e seguros para carros sem motoristas.

O Arizona assumiu essa abordagem livre de regras enquanto os regulamentadores federais demoram para formular um conjunto de padrões abrangente para os automóveis autodirigidos, deixando uma lacuna para os estados. Somente agora o governo federal está começando a criar sua primeira legislação sobre veículos autônomos. A lei, que ecoa a posição do Arizona, permitiria que milhares deles fossem usados nos próximos anos e impediria que os estados colocassem obstáculos à indústria.

“Estamos na fase ‘velho oeste’ dos veículos autônomos, em que as empresas estão procurando pelo estado com a menor quantidade de restrições”, explica Henry Jasny, vice-presidente sênior da Advocates for Highway and Auto Safety, uma organização sem fins lucrativos de Washington.

A recompensa para o Arizona foi um boom tecnológico, com dezenas de empresas de veículos autônomos montando operações aqui. Todos os dias, o Waymo, o negócio de carros sem motoristas da Alphabet, empresa proprietária do Google, assim como o Uber, o Lyft, a General Motors e a Intel agora testam centenas de carros autodirigidos nas ruas de Phoenix, uma metrópole de 1,4 milhão de pessoas.

Algumas empresas têm ampliado os limites e conduzido experiências novas no estado. A Waymo anunciou recentemente que começou a testar carros autodirigidos, em um subúrbio de Phoenix chamado Chandler, sem um funcionário atrás do volante para assumir a condução em caso de emergência. Até agora, todos os carros autônomos tinham um motorista humano no banco da frente, só por segurança. O Uber afirmou que também está explorando possibilidades semelhantes, com os funcionários sentados no banco de trás.

Essa permissividade do Arizona, no entanto, atraiu críticas de defensores da segurança, que dizem que as empresas têm muita liberdade para conduzir seus testes em ruas públicas. Eles afirmam que as companhias e as autoridades estaduais ainda não resolveram questões sobre a privacidade dos passageiros, a prevenção de ataques cibernéticos nos carros autônomos e como fazer o seguro de veículos que não possuem um motorista.

“A temporada de caça está aberta para outros motoristas e para pedestres do Arizona. Existe um vácuo completo na segurança”, afirma Rosemary Shahan, presidente do Consumers for Auto Reliability and Safety, uma organização sem fins lucrativos que vem pressionando por mais leis estaduais e federais.

As autoridades do Arizona acreditam que o público está essencialmente protegido por leis básicas que exigem que um motorista licenciado esteja dentro do automóvel sem condutor. Eles dizem também que planejam deixar que os especialistas façam as regras. O regulamentador de seguros do estado, por exemplo, explica que vai esperar que a indústria de seguros os ajude a traçar as políticas de responsabilidade para carros autônomos, respondendo questões sobre quem é o responsável em uma batida quando o veículo não está sendo conduzido por um humano.

“Não devemos atrapalhar prescrevendo leis quando não sabemos como o equipamento vai funcionar”, explica John Halikowski, diretor do Departamento de Transporte do Arizona.

A abordagem de não intervenção do estado já foi testada. Em março, o Arizona teve a primeira batida envolvendo um carro autônomo, quando um veículo conduzido por um humano colidiu com um Uber autodirigido no subúrbio de Tempe, em Phoenix. O caso foi resolvido rapidamente porque a polícia afirmou que o carro do Uber não tinha culpa, mas algumas autoridades do Arizona reconheceram que ainda não pensaram em todos os cenários legais envolvendo acidentes com carros autônomos.

“Acolhemos a inovação. Mas há algumas coisas que teremos que examinar enquanto avançamos”, diz o prefeito de Tempe, Mark Mitchell.

Ducey, que nasceu em Ohio e se estabeleceu no Arizona na época da faculdade, foi eleito governador em 2014 com uma plataforma a favor dos negócios e da inovação. Rapidamente, acabou com restrições em testes médicos para empresas como a Theranos, companhia do Vale do Silício que depois passou por questionamentos sobre suas práticas de negócios. Ele também apoiou a decisão da Apple de construir um centro de dados de US$2 bilhões no estado.

Em agosto de 2015, Ducey começou a dar seus primeiros passos na direção dos veículos sem motoristas. Naquele mês, assinou uma ordem executiva apoiando os carros autônomos. Sob essa ordem, qualquer carro autônomo poderia trafegar nas vias do Arizona desde que um dos passageiros tivesse uma licença e que o automóvel possuísse um plano básico de seguro de responsabilidade civil.

Ducey também criou um “Comitê de Supervisão de Veículos Autodirigidos” que inclui regulamentadores de transporte, segurança pública, seguros e outros para aconselhar em “como avançar melhor no teste e na operação de veículos autônomos nas vias públicas”. O grupo não tinha a intenção de criar novas regras.

E Ducey se tornou um entusiasta.

No começo do ano passado, em um fórum econômico global na costa da Georgia, Ducey contou que se aproximou de Eric Schmidt, presidente da Alphabet, com um cartão de visita falando sobre como o estado acolheria as empresas de veículos autônomos. Logo depois, a Waymo escolheu Chandler para começar os testes de seus automóveis sem motorista.

As autoridades de Chandler selaram o acordo com promessas de deixar o caminho livre. “Não achamos que é nosso papel nos envolvermos com regulamentação”, afirma Micah Miranda, diretor de desenvolvimento econômico de Chandler.

A Waymo iniciou suas operações em Chandler em agosto de 2016, contratando dezenas de motoristas de teste locais. A empresa organizou uma grande inauguração com Ducey e o prefeito de Chandler presentes e realizou vários eventos comunitários para conquistar o público.

O Arizona se destacou especialmente dos outros estados. Na falta de leis federais, 33 estados criaram suas próprias legislações e regulamentações em torno da nova tecnologia. Vários estão assumindo uma abordagem mais estrita em termos de leis.

“A importância que o governador Ducey deu à economia compartilhada tornou o estado do Grand Canyon um ambiente ideal para nossos testes de carros autônomos”, afirmou o Uber.

Sob Ducey, as experiências com automóveis autodirigidos no Arizona se multiplicaram no ano passado.

O SUV Volvo autônomo do Uber agora pega clientes em Tempe diariamente. A Waymo colocou mais de 100 minivans da Chrysler sem motoristas para transportar famílias selecionadas e outros moradores como parte de um teste mantido em segredo; a empresa planeja expandir para 600 veículos até o final do ano, com a maioria em Chandler. E dezenas de automóveis da GM, da Ford, da Intel e do Lyft estão cobrindo milhares de quilômetros por dia nas ruas planas e ensolaradas de Phoenix.

Alguns moradores são ambivalentes. Grupos que representam os cegos apoiam de modo entusiasmado os carros sem motorista, que poderiam dar a seus membros mais independência. Outros gostam da ideia de que empregos relacionados à tecnologia possam estar vindo para o estado. Mas alguns estão cautelosos.

“Estou em cima do muro”, diz Jake Guadarrama, de 22 anos, que mora em Phoenix. “E se a bateria acabar e o carro sair de controle. E será que eles vão diminuir a força de trabalho?”

Ducey, no entanto, afirma que mesmo que a tecnologia ainda não esteja totalmente pronta, a aposta do estado nos veículos autônomos vai continuar.

“Essas são oportunidades culturais para que o Arizona seja visto como um lugar para morar, trabalhar e se divertir”, explicou.

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