Mulher com Alzheimer em um asilo (Sebastien Bozon/AFP)
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2015 às 23h51.
São Paulo - A doença de Alzheimer pode ter suas causas ligadas a uma anomalia no sistema imunológico, que originalmente tem a função de proteger o organismo de invasores externos.
A conclusão é de um novo estudo realizado por cientistas da Universidade de Duke (Estados Unidos), que também sugerem uma nova estratégia para o tratamento da doença.
O trabalho, publicado nesta terça-feira, 14, no Journal of Neuroscience, mostra que, nos indivíduos com Alzheimer, certas células do sistema imunológico começam a consumir de forma anormal um importante nutriente, a arginina, diminuindo a sua presença no cérebro e desencadeando a doença.
A partir de um experimento com camundongos, os pesquisadores mostraram que é possível bloquear esse processo com uma droga, revertendo nos animais a perda de memória causada pelo Alzheimer.
Segundo os autores, cada vez mais evidências indicam que o sistema imunológico tem um papel na doença de Alzheimer, mas a influência exata ainda permanece um mistério.
No novo estudo, eles conseguiram demonstrar que a falta de arginina, um aminoácido presente na maior parte das proteínas do organismo, afeta diretamente a evolução da doença. "Se o consumo de arginina é tão importante para o processo do Alzheimer, talvez nós possamos bloquear esse consumo e reverter a doença", disse uma das autoras do estudo, Carol Colton, da Escola de Medicina da Universidade de Duke.
Os camundongos utilizados na pesquisa, criados há alguns anos para permitir o estudo da doença, tiveram alguns genes alterados para que seu sistema imunológico se tornasse semelhante ao humano.
Além disso, os animais foram desenhados para apresentar as principais características dos portadores de Alzheimer: perda de neurônios, mudanças de comportamento e a presença, no cérebro, de placas e emaranhados de certas proteínas.
Ao longo da vida dos camundongos, a equipe de cientistas procurou por anomalias imunológicas e constatou que a maior parte dos componentes do sistema imune não apresentava mudanças quantitativas.
A exceção foi um tipo de célula imunológica conhecido como micróglias - que geralmente são as primeiras células a responder à doença de Alzheimer.
Isolando essas células e analisando sua atividade genética, os cientistas observaram um aumento na expressão dos genes associados à supressão do sistema imunológico - isto é, que diminuem sua atividade. "Isso é surpreendente porque a supressão do sistema imune não é o que pensávamos acontecer na doença de Alzheimer", disse o autor principal do trabalho, Matthew Kan, pós-doutorando do laboratório de Colton.
De acordo com ele, antes do estudo os cientistas pensavam que acontecia justamente o contrário: o cérebro deveria liberar moléculas envolvidas com a construção do sistema imunológico, que deveria exacerbar sua ação, danificando o cérebro. Com a modificação na micróglia, os pesquisadores verificaram um grande aumento da presença de arginase - uma enzima que quebra as moléculas de arginina - nas regiões cerebrais envolvidas com a memória, nas mesmas áreas onde havia morte de neurônios.
Segundo eles, com a aumento da arginase, a micróglia consome uma quantidade exagerada de arginina. Os cientistas bloquearam a ação da arginase usando uma droga conhecida como DFMO, antes da manifestação dos sintomas nos camundongos. Eles observaram então uma redução das modificações na micróglia e do desenvolvimento de placas nas proteínas cerebrais.
Além disso, os camundongos se saíram melhor em testes de memória. "Tudo isso sugere que se nós conseguirmos bloquear esse processo local de privação de arginina, podemos proteger - os ratos, pelo menos - da doença de Alzheimer", disse Kan. O DFMO foi sintetizado há 20 anos e tem sido estudado em testes clínicos com humanos para o tratamento de alguns tipos de câncer. Mas a droga ainda não havia sido testada como potencial terapia para o mal de Alzheimer.
No estudo, o grupo de Colton administrou a droga antes do aparecimento dos sintomas. Agora, eles pretendem estudar se o DFMO pode tratar as consequências do Alzheimer antes que elas apareçam. Segundo Colton, embora tenha sido constatado que a carência de arginina está ligada à doença de Alzheimer, a ingestão de suplementos do aminoácido não é uma alternativa para a prevenção.
De acordo com ele, uma densa malha de células e vasos sanguíneos determina a quantidade de arginina que entra no cérebro. Assim, mesmo que um paciente coma mais arginina, nada garante que ela vá se direcionar aos locais do cérebro que precisam do aminoácido.