Tecnologia

Angra pode virar uma nova Fukushima ou Chernobyl?

Para os especialistas, as usinas nucleares brasileiras são mais seguras que as de Fukushima e Chenorbyl. Entenda por que

A usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia foi o cenário do pior acidente nuclear já ocorrido (Ben Fairless / Wikimedia Commons)

A usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia foi o cenário do pior acidente nuclear já ocorrido (Ben Fairless / Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 6 de abril de 2011 às 18h53.

São Paulo — Em abril de 1986, o mundo estava assombrado pelos resultados da explosão da usina de Chernobyl, na antiga União Soviética. Quase 25 anos depois, o fantasma da radiação voltou com força em 11 de março, com o acidente em Fukushima, no Japão. Todos os olhos se voltaram para as cerca de 440 usinas nucleares em operação no planeta – entre elas, as brasileiras Angra 1 e 2.

Seria possível que um acidente similar acontecesse no Brasil? A tragédia no Japão pode ser comparar à de Chernobyl? “Em termos de magnitude, é preciso esperar para ver os resultados, mas os acidentes, em si, não podem ser comparados pois as usinas são filosoficamente diferentes”, explica o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto.

Entenda, neste guia passo-a-passo, porque a tecnologia usada em Angra é mais segura em casos como o de Fukushima. Veja como funciona uma usina nuclear e as diferenças entre os reatores empregados em Fukushima, em Chenorbyl e no Brasil.

Como funciona uma usina atômica?

Basicamente, essas usinas transformam calor em energia elétrica. Por isso, também são chamadas de centrais térmicas nucleares. As turbinas, ligadas a um gerador, são movimentadas por vapor. Nas usinas atômicas, o calor que aquece a água, transformando-a em vapor, vem da energia nuclear liberada durante um processo de fissão.

O que é energia nuclear?

É a energia que mantém unidas as partículas do núcleo de um átomo. Todo átomo possui um núcleo constituído de partículas de carga positiva, chamadas prótons, e de partículas sem carga, os nêutrons. Os prótons têm a tendência de se repelir. No entanto, no núcleo do átomo, existe uma força capaz de mantê-los juntos: a energia nuclear.

O que é fissão nuclear?

É a forma para liberar a energia nuclear. Ela consiste em dividir o núcleo de um átomo pesado (que contém muitos prótons e nêutrons) em núcleos menores. Isso é feito com o impacto de um nêutron. Imagine um jogo de bilhar, onde a bola branca acerta o triângulo de bolas coloridas. Ao ser bombardeado pela partícula, o núcleo se quebra e libera a energia que o mantinha junto. Essa reação ocorre em cadeia, resultando na liberação calor. Nas usinas nucleares, os átomos pesados utilizados são os de urânio enriquecido. Colocados em estruturas em forma de varetas, eles formam o elemento combustível do reator.


A usina de FUKUSHIMA

Tipo: reator de água fervente, conhecido pela sigla BWR (boilling water reactor)

Como funciona: com dois sistemas independentes de água

Moderador (meio no qual ocorre a fissão): água

Popularidade: 65% das usinas no mundo são BWR

Esquema do reator nuclear do tipo BWR, usado em Fukushima, no Japão

Reator BWR

1 – Dentro do reator ocorre a fissão nuclear do urânio, o elemento combustível.

2 – Para não superaquecer, esse reator é refrigerado por um sistema à água chamado circuito primário (azul escuro). As bombas que fazem a água circular dependem de eletricidade para funcionar. Nessa etapa, a pressão dentro do circuito é de 75 bar e a temperatura chega a 285ºC. A água se transforma em vapor. 

3 – O vapor (azul claro), gerado no vaso de pressão do reator, movimenta uma turbina que, por sua vez, aciona o gerador elétrico.

4 – Em, seguida, o vapor passa para um recipiente chamado condensador. Lá, ele é resfriado pelo circuito secundário de água (roxo). Esse segundo sistema é independente do primeiro. Ele retira calor do vapor, permitindo que condense, tornando-se água novamente, e retorne para esfriar o reator sem que ocorra a mistura dos líquidos.

5 – Com o tempo, o urânio perde a capacidade de gerar calor para manter a turbina funcionando. Ele é, então, substituído por novas varetas de combustível. O combustíel gasto vai para uma piscina, onde fica guardado até que a radioatividade decaia e ele possa ser reaproveitado ou transportado para armazenamento definitivo em outro local.

Coeficiente de reatividade: Negativo. Isso significa que, em caso de mudança brusca de temperatura, o sistema para de funcionar.

A água como moderador: Além de resfriar o reator, a água desacelera os nêutrons liberados durante a fissão. Isso assegura que a reação em cadeia ocorra. Sem água, o gerador é desligado

O Acidente de Fukushima

O terremoto de 8,9 graus seguido de tsunami causou interrupção no fornecimento de energia. Isso fez com que a água parasse de circular no sistema. Houve uma tentativa de utilizar baterias e geradores a diesel para acionar as bombas, mas isso não deu certo. A usina se desligou, pois não havia mais o moderador (água) para a fissão. “Mesmo com a usina desligada, ainda havia calor residual, que correspondia a 4% do normal”, explica Kuramoto. “Esse calor ainda precisava de refrigeração – e foi justamente isso que faltou”.

A ausência de energia foi combinada a outros fatores, como a explosão no teto (contenção secundária) causada pelo acúmulo de hidrogênio. A explosão liberou o gás que normalmente ficaria contido e expôs a piscina de elementos combustíveis. Além disso, a contenção primária, que envolve diretamente o reator, foi danificada em pelo menos uma das unidades, permitindo o vazamento de material radioativo.


Usina de ANGRA

Tipo: reator de água pressurizada, conhecido pela sigla PWR (pressurized water reactor)

Como funciona: com três sistemas independentes de água

Moderador (meio no qual ocorre a fissão): água

Popularidade: 25% das usinas no mundo são PWR

Esquema de reator nuclear do tipo PWR, usado em Angra dos Reis

Reator PWR

1 – Dentro do reator, os átomos de urânio sofrem fissão e geram calor.

2 – Esse calor aquece a água do circuito primário (laranja com bolinhas roxas) a até 320ºC. Mesmo assim, a água, que normalmente ferveria a 100ºC, permanece líquida por ser mantida a uma pressão 157 vezes maior que a atmosférica. Quanto maior a pressão, maior a temperatura de ebulição da água.

3 – A água aquecida do circuito primário é bombeada até um trocador de calor, onde ela aquece a água do circuito secundário (roxo e vermelho). Não há contato direto entre os dois circuitos. 

4 – Aquecida, a água do circuito secundário transforma-se em vapor (vermelho).

5 – Esse vapor impulsiona a turbina a uma velocidade de 1.800 RPM. A turbina aciona o gerador elétrico.

6 – Depois de passar pela turbina, o vapor é condensado (ou seja, resfriado para voltar à forma líquida) pelo circuito terciário (azul claro), onde circula água do mar. Novamente, não há contato entre a água do circuito secundário e a do terciário.

Coeficiente de reatividade: Negativo. Significa que, em caso de mudança brusca de temperatura, o sistema para de funcionar.

E se acabar a energia, como aconteceu em Fukushima?

No caso de um reator PWR, como o de Angra, os operadores teriam mais tempo para restabelecer a energia das bombas do que num BWR, como o de Fukushima. Os três circuitos independentes de água e o gerador de vapor contêm uma quantidade significativa de água que permitem que o resfriamento ocorra por circulação natural até o restabelecimento da energia.

“Além disso, em Fukushima, o vaso de pressão acumula três funções: a de guardar o elemento combustível, gerar vapor e controlar a pressão”, diz Kuramoto. “Já num reator PWR, como o de Angra, existe o pressurizador para controlar a pressão da água. Se houver um aumento grande, ele joga sprays de água mais fria. Mesmo se isso não funcionar, existem válvulas de alívio que enviam vapor para um tanque”.


Usina de CHERNOBYL

Tipo: reator de água fervente em tubos de pressão ou RBMK (do russo "reaktor bolshoy moshchnosty kanalny")

Como funciona: um único sistema de água

Moderador (meio no qual ocorre a fissão): grafite

Popularidade: tecnologia obsoleta, usada apenas em reatores construídos na antiga União Soviética

Esquema de reator nuclear do tipo RBMK, usado em Chernobyl  

Reator RBMK

1 – Os elementos combustíveis (laranja), onde ocorre a fissão nuclear, estão inseridos em tubos de pressão que, por sua vez, estão mergulhados nos blocos de grafite (cinza).

2 – A água do circuito de refrigeração (azul) passa pelos tubos e ferve, chegando a 290º C. Ao passar do estado líquido ao gasoso (em vermelho), ela remove calor do núcleo do reator.

3 – O vapor é levado às turbinas e, em seguida, condensado. A água resultante retorna e é novamente distribuída pelos tubos de pressão, fechando o ciclo.

4 – Diferentemente do que ocorre em Angra e Fukushima, o reator não possui uma contenção de aço.

O grafite como moderador: Os blocos de grafite cercam os tubos e agem como elemento moderador, desacelerando os nêutrons liberados durante a fissão para assegurar que a reação em cadeia ocorra. No caso das usinas PWR e BWR, quem faz isso é a água. A condução de calor entre os blocos é intensificada por uma mistura de hélio e nitrogênio.

A diferença entre água e grafite: No reator BWR de Fukushima e no PWR de Angra, caso ocorra um esvaziamento total da água no núcleo do reator, a reação em cadeia de fissão é encerrada. Com o grafite, se houver ausência de água, a reação não é interrompida. Apenas a refrigeração deixa de funcionar. A altas temperaturas, o grafite se incendeia e é muito difícil controlar esse fogo.

Coeficiente de reatividade: Positivo. “Os reatores PWR e BWR são intrinsecamente seguros, o que significa que qualquer alteração brusca de temperatura desliga o reator. No caso de Chernobyl, o coeficiente de reatividade é positivo. Se houver variação de temperatura brusca, aumenta muito a potência, ao invés de cair”, explica Kuramoto.

O acidente de Chernobyl

Em 26 de abril de 1987, o quarto reator da usina de Chernobyl explodiu, causando o pior acidente nuclear da história. A tragédia, no entanto, é uma mistura de falha humana com os problemas da construção da própria usina, como explica o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Edson Kuramoto. “Tudo começou porque uma equipe iria fazer um teste num nível de potência impróprio. Para isso, eles precisariam desligar os sistemas de segurança, evitando que o reator fosse automaticamente desativado. Quando iniciaram, houve uma variação muito grande de temperatura que eles não puderam controlar.

A alta temperatura desencadeou uma série de reações, que levaram a uma explosão química que espalhou os elementos combustíveis do reator. Esse é um detalhe importante: enquanto Fukushima estava desligada, Chernobyl estava operado. No momento do acidente, o próprio elemento combustível se espalhou. É importante ressaltar que o reator não tinha contenção nenhuma, diferentemente de Angra e Fukushima. Era um prédio com estrutura simples, normal. Os dois acidentes são muito diferente, não podemos compará-los”.

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