Tecnologia

Um designer vai do paraíso ao inferno na Apple

Jordan Price afirmou que tinha chefe que o insultava, o transporte até o trabalho era demorado e horários fixos o privaram de ver sua filha durante a semana


	Apple: "Ao meu ver, a Apple é, sem dúvidas, a melhor empresa em que um designer pode trabalhar", disse o designer
 (Brian Kersey/Getty Images)

Apple: "Ao meu ver, a Apple é, sem dúvidas, a melhor empresa em que um designer pode trabalhar", disse o designer (Brian Kersey/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 14 de fevereiro de 2014 às 19h21.

São Paulo - Jordan Price é um designer americano que sonhava em trabalhar na Apple.

Depois que ele conseguiu uma vaga em Cupertino, no entanto, seus sonhos foram por água abaixo.

Ele tinha um chefe que o insultava, o transporte até o trabalho era demorado e os horários fixos o privaram de ver sua filha durante a semana.

Price acabou abandonando o emprego, deixando apenas um bilhete de despedida para o chefe que odiava. O texto que ele escreveu sobre a experiência está provocando debate na comunidade de tecnologia.

Leia a seguir o relato completo de Price, traduzido para o português:

"Há cerca de um mês, depois de anos de design em várias indústrias, produzindo websites para clientes rápidos, trabalhando em startups fracassadas e discutivelmente bem sucedidas, e me distraindo com projetos paralelos aleatórios, eu fui convidado para uma entrevista na Apple. Eu não podia acreditar.

Tinha acabado de refazer meu portifólio, e agora era bom o suficiente para ser considerado candidato na Apple. Ao meu ver, a Apple é, sem dúvidas, a melhor empresa em que um designer pode trabalhar.

Eles definiram uma data para a entrevista, e eu comecei a me preparar para um monte de perguntas e problemas difíceis que eu teria que resolver em frente ao time de design. 

Também imaginei que uma grande companhia como a Apple teria várias rodadas de entrevistas antes de tomar a decisão final.


Fiquei surpreso quando tive que fazer uma entrevista básica com três pessoas apenas, por menos de uma hora.

Dirigi de volta para São Francisco de Cupertino, e repeti a entrevista na minha cabeça. Parecia que eu tinha ido bem, mas não queria me afobar.

Eu não queria ficar desapontado caso eles me rejeitassem.

Acabou que fui bem. Recebi um telefonema no mesmo dia, e me disseram que eu estava dentro.

Eles me ofereceram um contrato como designer mobile. Wow! Estava tão empolgado que gritei quando desliguei o telefone. Meus pais e minha família estavam super animados quando contei.

Eu publiquei a notícia no Facebook, e nunca recebi tantas curtidas e parabéns antes. Recebi mais curtidas quando anunciei que tinha conseguido um trabalho na Apple do que quando minha filha nasceu. Pessoas com quem eu tinha feito amizade anos atrás e que nunca tinham falado comigo me mandaram mensagens.

Eu mudei meu título no Twitter, e de repente pessoas que não me seguiriam uma semana antes começaram a me seguir. As pessoas estavam tão empolgadas por mim que resolvi sair para beber e comemorar. Me senti bem com as pessoas comemorando comigo essa conquista.

Eu não conseguia dormir nas noites anteriores ao meu primeiro dia na Apple. Estava nervoso e empolgado.

Era como se recebendo uma oferta da Apple, meu talento como designer tivesse sido reconhecido.

Pensei na longa e estranha jornada que me levou até a Apple. Pensava "O que isso significa para minha carreira? Em que vou trabalhar? Onde isso vai me levar? Será que eu vou terminar algum dia o app de iPhone em que estou trabalhando?" Eu tinha tantas perguntas.

Então eu comecei. Imediatamente fiquei nervoso com as horas rígidas e o longo trajeto até o trabalho, mas finalmente eu seria uma daquelas pessoas importantes da tecnologia, indo e voltando de São Francisco em um ônibus privado com Wi-Fi. Eu dificilmente (quase nunca) via minha filha durante a semana, porque as horas eram muito inflexíveis.

Também sofri um corte salarial significativo, mas pensei que eu estava fazendo um investimento de longo prazo ao trabalhar em uma empresa tão prestigiosa.


A entrada era super bagunçada, e eles tinham tantas senhas, contas e logins que levou quase um mês para eu acessar o servidor.

Havia reuniões toda hora que prejudicavam a produtividade de todos, mas parecia ser um mal necessário numa companhia tão grande e com produtos de tamanha qualidade.

Tudo era um pouco chato, mas nada que fosse um grande problema no longo prazo, pensei.

Então meu chefe imediato (conhecido na Apple como produtor), que tinha o hábito de fazer insultos pessoais disfarçados de piada para qualquer um abaixo dele, começou a fazer insultos diretos e indiretos para mim.

Ele me lembrava de como meu contrato não seria renovado caso eu fizesse ou não fizesse certas coisas. Ele ficava nas minhas costas (literalmente) e me pressionava para terminar tarefas simples de design que ele sentia que precisavam ser examinadas urgentemente.

Ele era democrático com seus comentários grosseiros, mas não me fazia sentir melhor quando ele os direcionava aos membros da minha equipe.

Eu me sentia mais como um adolescente trabalhando num emprego ruim do que um profissional em uma das maiores empresas do mundo.

Tentei pensar com calma e olhar o lado bom das coisas. Eu estava trabalhando na Apple com designers e produtos de nível mundial. Meus colegas tinham olhar refinado para o design, melhor do que qualquer um que havia encontrado antes.

Eu amava a atenção para os detalhes que a Apple coloca em seu processo de design. Cada pixel, tela, característica e interação eram consideradas e depois reconsideradas. 

A comida no café era ótima, e eu gostava do meu novo iPad Air. Mas as piadas, insultos e negatividade do meu chefe começaram a me distrair do trabalho. Meus colegas que se mantinham firmes e definiam limites pareciam entrar em uma lista negra e ficavam fora do círculo de pessoas que puxavam o saco do produtor.


Eu comecei a me sentir uma daquelas pessoas que esperam desesperadamente pela sexta-feira, e eu odiava as noites de domingo. Poucos de meus amigos e familiares queriam ouvir que trabalhar na Apple não era tão legal. Eles adoravam dizer, "Faça pelo seu currículo" ou "Você tem que ser o maior" ou "Você só começou. Você ainda não pode sair."

Essa manhã eu levantei um pouco mais tarde que o normal, e perdi o único ônibus da Apple que parava na minha casa. Acabei dirigindo para o trabalho num trânsito lento.

Eu estava feliz por não ter que dirigir todo dia. Mas ainda pensava que preferia levar minha filha para sua pré-escola, como eu fazia antes de começar na Apple.

Eu cheguei no trabalho e imediatamente fui para outra reunião. Fui bem, e então voltei para minha mesa. Sem nem dar oi, meu chefe veio com outro insulto estranho disfarçado de piada. Eu tentei ignorar e voltar para o trabalho, mas percebi que não conseguia.

Eu estava pensando demais em como eu deveria lidar com a situação. Eu conseguiria chegar até o fim do meu contrato? Eu poderia ser deslocado para outra equipe? Como eu conseguiria um trabalho novo se estivesse sempre preso a Cupertino? Talvez eu devesse socar meu chefe no nariz? Não faça isso, Jordan.

Então, no almoço, eu esvaziei meu iPad, coloquei os arquivos em que estava trabalhando no servidor, deixei minhas coisas na mesa, peguei meu carro e dirigi para casa. Deixei uma mensagem para meu chefe dizendo que ele é o pior chefe que eu encontrei em minha carreira, e que eu não poderia mais trabalhar para ele, por melhor que a Apple parecesse em meu currículo.

A empresa terceira que me contratou estava furiosa porque eu prejudiquei sua relação com a Apple, e claro que eles sentiam que eu não havia agido profissionalmente.

Eu não estou orgulhoso por ter saído andando, e eu me sinto terrível por ter destruído a longa relação que eu tinha com o recrutador que me ajudou com a entrevista. Isso tudo é difícil de engolir porque eu estava tão empolgado em trabalhar para a Apple.

Não tenho certeza se isso vai me assombrar ou não, mas tudo que sei é que eu queria muito trabalhar para a Apple, e agora nem tanto."

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