Todos os dias, na hora do almoço, um exército de entregadores roda pelas ruas do país para satisfazer o apetite de milhões de clientes (Beiyi SEOW, ZHANG Yuanhao/AFP)
AFP
Publicado em 7 de novembro de 2021 às 12h33.
Furando o sinal vermelho ou dirigindo na contramão, os entregadores de comida na China tentam atender aos ritmos frenéticos impostos pelos algoritmos de suas plataformas para satisfazer clientes cada vez mais impacientes.
"Se eu pudesse escolher, certamente não seria entregador. É um trabalho muito perigoso", diz Zhuang Zhenhua entre dois pedidos, já com o capacete na cabeça e pronto para dar partida em sua motocicleta em direção a um restaurante em Pequim.
Na China, o setor de entrega de comida é especialmente popular e a pandemia acelerou a tendência. Em um país ultraconectado, o setor gera 664 bilhões de yuans (quase 104 bilhões de dólares), de acordo com uma federação local.
Todos os dias, na hora do almoço, um exército de entregadores roda pelas ruas do país para satisfazer o apetite de milhões de trabalhadores.
Os gigantes da tecnologia dominam esta indústria em expansão, apoiados por um arsenal de aplicativos e algoritmos.
Mas diante da pressão dessas plataformas, que costumam estimular a direção perigosa, as autoridades anunciaram em julho novas regras para garantir aos entregadores um salário superior ao mínimo legal e cargas de trabalho razoáveis.
Antes da intervenção das autoridades, irromperam vários escândalos que expuseram ao público a precariedade do trabalho.
No início do ano, um ateou fogo a si mesmo no leste da China após um suposto conflito com sua empresa.
Ele trabalhava para a Ele.me ("Você está com fome?" em mandarim), um dos líderes da indústria. O assunto gerou revolta.
Mas as melhorias demoram, de acordo com testemunhos de uma dezena de entregadores contactados pela AFP.
"Antes, o aplicativo dava de 40 a 50 minutos para um pedido (...) Agora não dá mais do que 30 minutos para uma entrega em um raio de 2 quilômetros", protesta Zhuang, que trabalha para o Meituan, outro gigante do setor.
Para isso, o homem diz que não tem escolha a não ser "ir rápido demais, furar o sinal vermelho ou dirigir na contramão".
E é que se ultrapassarem o prazo estabelecido, os entregadores têm de pagar multa.
Muitos acham que estão colocando suas vidas em perigo por causa dos algoritmos - programas que funcionam como o cérebro de um bom número de aplicativos e serviços digitais.
Os algoritmos determinam quais pedidos aceitam com base em sua posição geográfica e definem o tempo de entrega. Também permitem fazer recomendações aos clientes com base em seus costumes e preferências.
Liu, outro entregador que não quis revelar seu nome completo, garante que o prazo inclui o tempo de preparo do prato, fator que não está em suas mãos, mas que pode penalizá-lo.
Se houver atraso na cozinha, "os entregadores são os responsáveis", lamenta o homem de 40 anos.
Questionado pela AFP, Meituan garante que os prazos de entrega são calculados "levando em consideração a segurança das entregadores como prioridade e atendendo às necessidades do consumidor".
A plataforma, com mais de 600 milhões de usuários na China, acrescenta que seus funcionários podem recorrer de qualquer multa que considerem injusta.
Essa indústria depende essencialmente do trabalho de migrantes, muitas vezes pouco qualificados e de áreas rurais, que vão para as cidades na esperança de melhorar suas condições de vida.
Mas, assim que chegam às megacidades chinesas, tornam-se mão de obra barata para essas empresas e facilmente substituíveis.
"Todo mundo quer que os entregadores sejam tratados melhor, mas ninguém quer pagar por isso", diz a especialista digital Kendra Schaefer, da consultoria Trivium, em Pequim.
Poucos clientes atendem, por exemplo, a opção de alguns aplicativos de estender o prazo de entrega.
"É feito um algoritmo para maximizar a eficiência. Infelizmente, com a modernização da sociedade, isso prejudica o ser humano", aponta Schaefer.